domingo, 29 de setembro de 2013

O regresso dos "homens-bons" do Porto.Rui Moreira: "Se os partidos não perceberam o que se passou aqui, não perceberam nada"



O regresso dos "homens-bons" do Porto


O Porto recusou as promessas de amanhãs que cantam de Luís Filipe Menezes, recusou o programa sensato mas sem garra de Manuel Pizarro, recusou as visões ora realistas, ora radicais da CDU e do Bloco e rendeu-se à coligação de "homens-bons" que se reuniu em torno de Rui Moreira. Numa espécie de regresso ao seu passado, o Porto entregou o governo da cidade aos seus notáveis. O que aconteceu ontem na segunda cidade do país é por isso mais do que uma recusa dos partidos; é também a vitória de um certo Porto, um Porto cioso da sua autodeterminação e do seu zelo em ser diferente.
A vitória de Moreira tem de ser vista à luz dessas idiossincrasias, mas para se perceber o que realmente aconteceu há que descer ao detalhe do percurso público do novo presidente e do essencial das suas propostas. Moreira percebeu que o rigor da gestão financeira de Rui Rio era uma fonte de orgulho para os portuenses. Mas percebeu também que há na classe média um desejo de voltar a encarar a cidade como um lugar europeu, aberto e cosmopolita, o que exige a revisão da política cultural dos últimos anos. E, fundamentalmente, foi capaz de formar uma plataforma transversal a todos os partidos porque nos últimos anos foi uma das figuras da cidade que mais lutaram contra a pulsão centralizadora do Estado em assuntos como o aeroporto, o Porto de Leixões ou a reabilitação urbana. Moreira ganhou porque foi quem melhor percebeu o Porto. Uma cidade grande que conserva o espírito bairrista que tanto lhe dá identidade garra e graça como, por vezes, a torna pequena. Uma cidade que ontem quis ser um laboratório político onde se testam alternativas a regimes caducos.


Rui Moreira: "Se os partidos não perceberam o que se passou aqui, não perceberam nada"
Novo presidente promete que não vai defraudar quem votou nele e diz que quem venceu foi o Porto
O independente Rui Moreira é o novo presidente da Câmara do Porto e a sua vitória representa, para os seus apoiantes, "uma boa surpresa pelo que representa em termos de expressão da sociedade civil da cidade".
Faltavam cinco minutos para as 22h00 quando Rui Moreira desceu para fazer o seu discurso de vitória, perante uma sala cheia de apoiantes, que energicamente o saudavam. Antes de discursar, o novo presidente olhou cada uma das pessoas que se encontravam na sala e esperou que cantassem o hino da candidatura e só depois começou a sua intervenção. Surpreendeu tudo e todos ao dedicar as suas primeira palavras ao seu adversário Manuel Pizarro, candidato pelo PS, que momentos antes assumira a derrota, afirmando: "Temos a obrigação democrática de saudar o vencedor - daqui, da sede do PS, eu saúdo o novo presidente da Câmara do Porto, o dr. Rui Moreira. e em especial saúdo um facto que é inequívoco: quem escolhe o presidente da Câmara do Porto é o povo do Porto".
Deixando a garantia de que não vai "desapontar" os portuenses, Rui Moreira disse que "pela primeira vez o partido que venceu na cidade foi o Porto". Interrompido por diversas vezes pelos aplausos, o novo presidente sublinhou que "o Porto mais uma vez na sua história mostra de que é feito, mostra a sua fibra - não se deixa influenciar por mensagens e por promessas irresponsáveis". Luís Filipe Menezes, o candidato derrotado do PSD, era o destinatário.
Num tom sereno, Rui Moreira salientou que a sua candidatura "não é contra os partidos, mas os partidos não têm estado bem, e esta eleição é um claro sinal do Porto de que é possível fazer diferente e que os partidos têm de ser diferentes. Se os partidos não entenderem o que se passou aqui hoje [ontem], então não perceberam nada."
E não esqueceu outros destinatários: "Todos aqueles que desde o início tentaram impedir esta candidatura, procurando condicionar os nossos apoiantes, que, obviamente, não se deixaram afectar. Estou-me a referir desde às mais altas individualidades do Estado até a comentadores da TV com pretensões políticas individuais, a dirigentes e comentadores de jornais que permanentemente tentaram intoxicar a população. Meus senhores e minhas senhoras, esqueceram-se que estão a falar do Porto", declarou.
Aos apoiantes que se atropelavam deixou uma garantia quase solene: "Vamos cumprir. Ganhámos e vamos cumprir o nosso programa e introduzir novos protagonistas na cidade e na vida pública e política. Porque um dos motivos por que votaram em nós foi para rompermos com o actual estado de coisas, em que são sempre os mesmos que permanentemente se instalam nos corredores do poder, gerindo compadrios e desperdiçando recursos públicos de todos nós".
"Eu não vou defraudar, vocês sabem isso". Um estrondoso aplauso caiu sobre a sala.
Na Rua de Santa Catarina, onde o candidato do PSD, Luís Filipe Menezes, tinha montado o quartel-general, a derrota começou a desenhar-se muito cedo. Na sede, quase não havia apoiantes do ex-autarca de Gaia e no Grande Hotel do Porto, onde se concentrava o seu núcleo duro, a maior parte dos rostos estava fechado, ainda antes das primeiras projecções, às 20h, darem a vitória a Rui Moreira.
Menezes, que anunciara previamente que só falaria quando houvesse resultados definitivos, percebeu que não valia a pena esperar e ainda não eram 21h quando assumiu a "derrota pessoal". "A derrota é minha, exclusivamente minha. Não é do meu partido, nem do primeiro-ministro, nem do Governo, nem dos meus apoiantes", frisou.
Depois de 16 anos à frente do município de Gaia, Menezes reconheceu que esta era "a primeira vez" que perdia, algo a que não estava "habituado". O social-democrata não quis dizer que não ficaria como vereador na autarquia, mas deu-o a entender, dizendo que tinha "o direito legítimo" de pensar na sua vida pessoal. Ainda assim, garantiu que iria consultar os dirigentes do PSD e decidir de acordo com o que fosse "melhor para o partido".
Em noite de derrota, Menezes não quis apontar o dedo ao presidente cessante do município, Rui Rio, que afirmou publicamente que não votaria em si, e cuja proximidade a Rui Moreira é conhecida. Ao novo presidente da câmara, o social-democrata desejou "a maior sorte do mundo", deixando um pedido aos portuenses: "O que me trouxe a esta eleição foi o meu forte amor ao Porto, por isso não vejo outro caminho que não seja dar-lhe, nos próximos quatro anos, todo o apoio, para que ele possa protagonizar nos próximos quatro anos muitos dos sonhos que eu tinha para a cidade". Às 21h21, Menezes abandonava a sede, acompanhado pelas poucas palmas de quem ainda estava, àquela hora, na Rua de Santa Catarina.

Sem comentários: