quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A palavra de um ministro nunca é irrelevante

As inconsistências de um ministro

Editorial / Público
Rui Machete até pode achar o tema irrelevante. Mas a palavra de um ministro nunca é irrelevante
Quando foi conhecida a escolha de Passos Coelho para suceder a Paulo Portas na pasta dos Negócios Estrangeiros, acreditou-se que um Governo, cuja inexperiência e juventude muitos criticavam, ia ficar a ganhar com um nome com um currículo governativo vasto como era o caso de Rui Machete. Mas esse sentimento desfez-se rapidamente: talvez não tenha durado mais de uma hora. Quando, à saída de Belém, o ministro falou na "podridão da política" em resposta às notícias sobre as suas ligações ao BPN/SLN ou ao conteúdo de alguns telegramas diplomáticos norte-americanos sobre o seu desempenho enquanto presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Rui Machete quis colocar-se num plano distante da pequena política. Mas os factos, e sobretudo as atitudes do próprio ministro, mostram que ele não se afastou desse patamar. Ao afirmar ao Parlamento que nunca tinha sido accionista da SLN, em 2008, Rui Machete faltou à verdade ao Parlamento, o que é grave. No entanto, preferiu responder a esta acusação, suscitada por João Semedo, do Bloco de Esquerda, e divulgada sábado, pelo Expresso, dando a questão por encerrada e classificando-a como uma "omissão factual". Ora, os tempos não estão para eufemismos displicentes como este. E fora já num tom idêntico que o governante tratara a questão do preço das acções do BPN/SLN que vendeu, matéria quanto à qual referiu dois valores diferentes. Sobre os factos que omitiu ao Parlamento, Rui Machete está obrigado a dar uma explicação ao próprio Parlamento e não a dar por encerrado o assunto. A podridão da política não reside em suscitar questões polémicas, mas sim em não saber dar as respostas adequadas a essas questões. Tem que esclarecer por que não disse a verdade ao Parlamento. Rui Machete pode até desvalorizar a questão. Mas não pode desvalorizar o valor da palavra de um ministro.

Rui Machete não tem condições para ficar
Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 25 Set 2013 in (jornal) i online

Se Machete se demitisse daria uma prova de lealdade a Pedro Passos Coelho
Começa a ser um tema recorrente e até aborrecido, mas é inevitável abordá-lo de novo. Trata-se da situação de Rui Machete, actualmente ainda ministro dos Negócios Estrangeiros.

Não interessa a definição: mentira, falta à verdade, omissão, inverdade, esquecimento, etc. O facto é que parte do que o ministro dos Negócios Estrangeiros disse quando foi interrogado sobre a sua relação com a SLN-BPN não bate certo.

E assim sendo não é menos certo que o ministro Rui Machete está fragilizado, prejudicando o cumprimento das suas altas funções. Inicialmente ainda se podia dar o desconto, mas o conhecimento regular de novos factos torna a situação do ministro tão complicada ou mais que a da sua colega das Finanças, que ironicamente também é ministra de Estado.

Como Passos Coelho jamais o demitirá e Portas deixará correr o problema, que está no quintal do vizinho, o melhor seria Machete perceber que a sua demissão facilitaria a vida ao primeiro-ministro, sendo uma prova de lealdade pessoal e política. Mas essa perspectiva, pelo menos até surgirem eventualmente novos factos desagradáveis, está afastada, pois Rui Machete está agarrado ao lugar como a lapa à rocha.

Machete cresceu e desenvolveu-se politicamente numa época em que a luta ideológica e jornalística ganhava lugar à investigação factual das circunstâncias, em que os meios de investigação eram limitados e em que havia uma espécie de pacto de não confundir a vida política com interesses privados.

Felizmente o mundo mudou. Apenas alguns aspectos da vida privada ou íntima se mantêm ainda sob reserva, mas, tirando isso, hoje está tudo em todo o lado e declarações feitas há anos tramam anónimos por meros pecadilhos, quanto mais políticos que chegaram a situações relevantíssimas.

E aí de duas uma: ou quem disse e fez algo repreensível sai ao ser denunciado quando se trata de vida pública, ou então, quando são casos de vida privada, assume e aguenta as suas circunstâncias.
No caso de Machete está em causa a natureza da sua relação com uma bicéfala instituição chamada SLN e BPN.

Ora o desabamento desse grupo constituiu o maior sorvedouro de dinheiro público de que há memória em Portugal (tirando talvez o Convento de Mafra, que mesmo assim tem a gigantesca vantagem de existir de pedra e cal e de ser um motivo de orgulho nacional).

A relação que Rui Machete manteve com a organização deveria tê-lo levado a recusar entrar para o governo. Como não o fez, optando pelo regresso à vida pública, tem agora de sujeitar-se
aos tempos modernos, aos mecanismos de investigação disponíveis e ao combate político implacável que o Bloco de Esquerda lhe move, sobretudo depois de ter descoberto que foi factualmente incorrecta a sua declaração em que omitia à Assembleia da República que tinha sido accionista do grupo, o que é grave.

No momento em que tanto se fala nos mercados e no escrutínio que fazem de Portugal, é legítimo interrogarmo-nos sobre o efeito que têm situações como a de Machete e a de Maria Luís Albuquerque, que não são anónimos sem influência.


Fingir que estes casos não têm repercussão negativa é negar uma realidade evidente.

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