sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Portugal volta a ter saldo natural negativo com “recorde histórico mínimo” de nascimentos

 


DEMOGRAFIA

Portugal volta a ter saldo natural negativo com “recorde histórico mínimo” de nascimentos

 

Se em 2020 o saldo natural negativo ficou a dever-se basicamente ao disparar do número de óbitos, este ano o fenómeno justifica-se sobretudo pela significativa quebra da natalidade.

 

Alexandra Campos

24 de Dezembro de 2021, 6:33

https://www.publico.pt/2021/12/24/sociedade/noticia/portugal-volta-saldo-natural-negativo-recorde-historico-minimo-nascimentos-1989808

 

Nos primeiros dez meses do ano nasceram quase menos seis mil bebés que em 2020

 

Está a acontecer pelo 13º ano consecutivo: com o número de nascimentos a diminuir e o de mortes a aumentar, Portugal vai voltar a ter este ano um saldo natural negativo. Desde 2009 que o número de óbitos é superior ao total de nascimentos em Portugal, mas 2021, se a tendência se mantiver nos últimos meses, deverá ser ainda pior do que 2020 e ficar para a história como o ano com o maior saldo natural negativo de que há memória em Portugal, neste século. Só houve um ano pior e no século passado - 1918, quando a gripe pneumónica provocou milhares de mortes.

 

De Janeiro até Outubro deste ano, o saldo natural (diferença entre nados-vivos e mortes) acumulado era já de - 37.596, quase mais dez mil do que no mesmo período do ano passado (- 27.597), que já tinha sido um ano excepcionalmente negativo, indicam os dados preliminares do Instituto Nacional de Estatística (INE) que constam do último relatório de “acompanhamento do impacto social e económico da pandemia”, esta quinta-feira divulgado.

 

Quase menos 6 mil bebés

Mas se em 2020 o saldo natural negativo muito expressivo (-38.931) ficou a dever-se basicamente ao disparar do número de óbitos, este ano o fenómeno justifica-se sobretudo pela muito significativa quebra na natalidade, sublinham os especialistas em demografia ouvidos pelo PÚBLICO.

 

O efeito da pandemia na natalidade já era, na verdade, esperado, tendo em conta o contexto de incerteza que terá levado os portugueses ao adiamento do projecto de ter filhos: nos primeiros dez meses, nasceram menos 5965 crianças do que em igual período do ano passado, segundo o INE. E a mortalidade continuou a aumentar, em parte em consequência do terrível mês de Janeiro e ainda de Fevereiro, quando Portugal viveu a terceira e pior vaga da pandemia de covid-19.

 

O ano de 2020 tinha ficado, de facto, marcado por um aumento expressivo de óbitos por todas as causas (mais 10,2% do que no ano anterior), apesar de se ter verificado igualmente uma diminuição da natalidade, embora bem mais ténue (2,6%). “Apesar da descida do número de nados-vivos, o forte aumento do número de óbitos nesse ano foi a principal razão para o negativo e muito baixo saldo natural verificado”, sublinha a demógrafa e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Maria João Valente Rosa, que acredita que este ano se irá bater “o recorde histórico mínimo de nascimentos”.

 

Os efeitos da pandemia de covid-19 na “diminuição abrupta no número de nados-vivos” são “particularmente evidentes” este ano, enfatiza a demógrafa. “Muitas pessoas que planeavam ter filhos resolveram adiar este projecto, por várias circunstâncias. Aos problemas económicos e financeiros juntou-se agora uma crise sanitária, a insegurança, o medo”, acrescenta.

 

Este é, efectivamente, o primeiro ano em que se verifica o impacto da pandemia na natalidade, corrobora o geógrafo e investigador na área da demografia e das migrações, Jorge Malheiros. “O clima de incerteza a todos os níveis – sanitário, social, relacional, económico – actua contra a natalidade. A covid-19 veio agravar esta componente de incerteza que torna a decisão de ter filhos ainda mais difícil”, sintetiza.

 

“Vamos a alta velocidade por aí abaixo e isto resulta deste efeito conjugado”, da diminuição da natalidade aliada ao aumento da mortalidade, reforça igualmente Ana Alexandra Fernandes, vice-presidente da Associação Portuguesa de Demografia.

 

À espera do saldo migratório

É uma tempestade perfeita. Esta quebra significativa da natalidade associada a “um número de óbitos que não irá baixar” resultará “num saldo natural, em Portugal no século XX e XXI, que pode ter sido suplantado apenas em 1918”, conclui Maria João Valente Rosa. Se a tendência se mantiver nos dois últimos meses, “este será o segundo pior ano” de que há memória, diz. O pior foi 1918, quando a gripe pneumónica dizimou milhares de pessoas e o saldo natural ascendeu a menos 71.819 mil, segundo os dados oficiais da época.

 

Os três especialistas são unânimes: para que a população não diminua este ano, o saldo migratório terá que ser muito positivo. “Vamos ter que atrair e fixar pessoas porque, mesmo que se faça um grande esforço, já vai ser difícil inverter a tendência da quebra da natalidade”, explica Ana Alexandra Fernandes.

 

Olhando para a mortalidade, o total de óbitos continua a ser superior este ano em comparação com 2020. E o INE já tem dados acumulados até Novembro que o demonstram. “De Janeiro a Novembro de 2021, ocorreram 113.653 óbitos, o que corresponde a acréscimos de 11.378 e 2970 óbitos face aos períodos homólogos de 2019 e 2020, respectivamente”, refere.

 

Foi em Janeiro deste ano que se registou o maior número de óbitos mensal desde o início da pandemia (19.671 num mês apenas), um aumento superior a 65% em relação ao último mês de 2020. Do total, 29,4% das mortes foram, então, por covid-19. A partir de Fevereiro, a mortalidade começou a diminuir e, entre Março e Outubro, com excepção do mês de Agosto, continuou a decrescer, em comparação com os mesmos meses do ano passado, e o peso da covid-19 no total dos óbitos diminuiu substancialmente, segundo o INE.

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