DEMOGRAFIA
Portugal volta a ter saldo natural negativo com “recorde
histórico mínimo” de nascimentos
Se em 2020 o saldo natural negativo ficou a dever-se
basicamente ao disparar do número de óbitos, este ano o fenómeno justifica-se
sobretudo pela significativa quebra da natalidade.
Alexandra Campos
24 de Dezembro de
2021, 6:33
Nos primeiros dez meses do ano nasceram quase menos seis
mil bebés que em 2020
Está a acontecer
pelo 13º ano consecutivo: com o número de nascimentos a diminuir e o de mortes
a aumentar, Portugal vai voltar a ter este ano um saldo natural negativo. Desde
2009 que o número de óbitos é superior ao total de nascimentos em Portugal, mas
2021, se a tendência se mantiver nos últimos meses, deverá ser ainda pior do
que 2020 e ficar para a história como o ano com o maior saldo natural negativo
de que há memória em Portugal, neste século. Só houve um ano pior e no século
passado - 1918, quando a gripe pneumónica provocou milhares de mortes.
De Janeiro até
Outubro deste ano, o saldo natural (diferença entre nados-vivos e mortes)
acumulado era já de - 37.596, quase mais dez mil do que no mesmo período do ano
passado (- 27.597), que já tinha sido um ano excepcionalmente negativo, indicam
os dados preliminares do Instituto Nacional de Estatística (INE) que constam do
último relatório de “acompanhamento do impacto social e económico da pandemia”,
esta quinta-feira divulgado.
Quase menos 6 mil
bebés
Mas se em 2020 o
saldo natural negativo muito expressivo (-38.931) ficou a dever-se basicamente
ao disparar do número de óbitos, este ano o fenómeno justifica-se sobretudo
pela muito significativa quebra na natalidade, sublinham os especialistas em
demografia ouvidos pelo PÚBLICO.
O efeito da
pandemia na natalidade já era, na verdade, esperado, tendo em conta o contexto
de incerteza que terá levado os portugueses ao adiamento do projecto de ter
filhos: nos primeiros dez meses, nasceram menos 5965 crianças do que em igual
período do ano passado, segundo o INE. E a mortalidade continuou a aumentar, em
parte em consequência do terrível mês de Janeiro e ainda de Fevereiro, quando
Portugal viveu a terceira e pior vaga da pandemia de covid-19.
O ano de 2020
tinha ficado, de facto, marcado por um aumento expressivo de óbitos por todas
as causas (mais 10,2% do que no ano anterior), apesar de se ter verificado
igualmente uma diminuição da natalidade, embora bem mais ténue (2,6%). “Apesar
da descida do número de nados-vivos, o forte aumento do número de óbitos nesse
ano foi a principal razão para o negativo e muito baixo saldo natural
verificado”, sublinha a demógrafa e professora na Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Maria João Valente Rosa, que acredita
que este ano se irá bater “o recorde histórico mínimo de nascimentos”.
Os efeitos da
pandemia de covid-19 na “diminuição abrupta no número de nados-vivos” são
“particularmente evidentes” este ano, enfatiza a demógrafa. “Muitas pessoas que
planeavam ter filhos resolveram adiar este projecto, por várias circunstâncias.
Aos problemas económicos e financeiros juntou-se agora uma crise sanitária, a
insegurança, o medo”, acrescenta.
Este é,
efectivamente, o primeiro ano em que se verifica o impacto da pandemia na
natalidade, corrobora o geógrafo e investigador na área da demografia e das
migrações, Jorge Malheiros. “O clima de incerteza a todos os níveis –
sanitário, social, relacional, económico – actua contra a natalidade. A
covid-19 veio agravar esta componente de incerteza que torna a decisão de ter
filhos ainda mais difícil”, sintetiza.
“Vamos a alta
velocidade por aí abaixo e isto resulta deste efeito conjugado”, da diminuição
da natalidade aliada ao aumento da mortalidade, reforça igualmente Ana
Alexandra Fernandes, vice-presidente da Associação Portuguesa de Demografia.
À espera do saldo
migratório
É uma tempestade
perfeita. Esta quebra significativa da natalidade associada a “um número de
óbitos que não irá baixar” resultará “num saldo natural, em Portugal no século
XX e XXI, que pode ter sido suplantado apenas em 1918”, conclui Maria João
Valente Rosa. Se a tendência se mantiver nos dois últimos meses, “este será o
segundo pior ano” de que há memória, diz. O pior foi 1918, quando a gripe
pneumónica dizimou milhares de pessoas e o saldo natural ascendeu a menos
71.819 mil, segundo os dados oficiais da época.
Os três
especialistas são unânimes: para que a população não diminua este ano, o saldo
migratório terá que ser muito positivo. “Vamos ter que atrair e fixar pessoas
porque, mesmo que se faça um grande esforço, já vai ser difícil inverter a
tendência da quebra da natalidade”, explica Ana Alexandra Fernandes.
Olhando para a
mortalidade, o total de óbitos continua a ser superior este ano em comparação
com 2020. E o INE já tem dados acumulados até Novembro que o demonstram. “De
Janeiro a Novembro de 2021, ocorreram 113.653 óbitos, o que corresponde a
acréscimos de 11.378 e 2970 óbitos face aos períodos homólogos de 2019 e 2020,
respectivamente”, refere.
Foi em Janeiro
deste ano que se registou o maior número de óbitos mensal desde o início da
pandemia (19.671 num mês apenas), um aumento superior a 65% em relação ao
último mês de 2020. Do total, 29,4% das mortes foram, então, por covid-19. A
partir de Fevereiro, a mortalidade começou a diminuir e, entre Março e Outubro,
com excepção do mês de Agosto, continuou a decrescer, em comparação com os
mesmos meses do ano passado, e o peso da covid-19 no total dos óbitos diminuiu
substancialmente, segundo o INE.
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