Quem
mora no Arco do Cego desespera por ter um “cervejódromo” à
porta de casa
INÊS BOAVENTURA
07/06/2016 – PÚBLICO
“De
dia para dia está a piorar… Ou travam isto rapidamente ou não
sei”, desabafa um residente. Muitos, incluindo o vereador do CDS,
defendem uma restrição de horários generalizada nesta zona de
Lisboa.
Seja dia ou seja
noite, o cenário não varia muito. Em ambas as circunstâncias
vêem-se os passeios em frente ao Jardim do Arco do Cego, em Lisboa,
e do outro lado da estrada cheios de pessoas, de tal forma que mal se
consegue passar. Alguns usam os muros do jardim como assento, outros
servem-se deles para pousar garrafas e copos de plástico de cerveja
e há também quem urine contra eles. Pelo relvado e nas caldeiras
das árvores há lixo espalhado: mais copos, garrafas em cacos e
inteiras, beatas e maços de tabaco.
Os moradores da zona
dizem que é assim praticamente todos os dias, a partir das cinco,
cinco e tal da tarde. Ao PÚBLICO, um casal que mora junto ao jardim
e que pede para não ser identificado, entrega uma pen com 25
fotografias que ilustram tudo aquilo de que se queixam. Algumas foram
tiradas durante a tarde, outras já de madrugada, umas focam-se no
muito lixo acumulado no espaço, outras nos jovens responsáveis por
ele.
“Esta era uma zona
pacata, uma das melhores para se viver em Lisboa”, lembra um dos
moradores, constatando que nos últimos anos tudo mudou. A sua
convicção é que isso aconteceu desde que o Instituto Superior
Técnico, mesmo ali ao lado, “proibiu a venda de bebidas
alcoólicas” no interior do campo universitário.
Desde essa altura,
os estabelecimentos dedicados à venda de cerveja barata foram
surgindo das ruas adjacentes, principalmente na Rua Dona Filipa de
Vilhena. Nalguns, uma “jola” sai a 50 cêntimos, 11 podem ser
adquiridas por cinco euros. Os espaços são pequenos demais para lá
se permanecer e por isso as cervejas são vendidas em copos de
plástico e bebidas nos passeios, à frente das portas dos prédios e
debaixo das suas janelas ou do outro lado da estrada, junto ao
jardim.
“Ficam em frente
aos prédios, debaixo dos toldos e das garagens. Queremos passar,
pedimos licença e muitas vezes somos insultados verbalmente”,
descreve uma residente da zona. A venda e consumo de droga à vista
de todos, o estacionamento em segunda fila e o facto de um dos
acessos ao jardim estar sempre cheio de motas paradas são também
motivo de lamento para esta munícipe, que de há algum tempo para cá
prefere contornar todo o Arco do Cego a atravessar o espaço verde de
que antes se orgulhava.
Em meados de Maio,
depois de ter sido questionado sobre o assunto na Assembleia
Municipal de Lisboa, o vice-presidente da Câmara de Lisboa lembrou
que em Dezembro de 2015 foi limitado para as 21h o horário de fecho
de dois estabelecimentos de venda de cerveja.
Nessa intervenção,
Duarte Cordeiro apontou ainda a necessidade de “ser redesenhado o
espaço público do jardim”, com o objectivo de se “encontrar um
espaço de convívio” para que quem frequente os espaços
comerciais da zona possa “permanecer de uma forma menos conflituosa
com os moradores”. Entre as alterações a introduzir, o autarca
apontou a colocação de bancos e de contentores no jardim, “para
suportar de forma muito mais conveniente esta actividade, não
gerando o transtorno que se gera junto dos prédios”.
Ao contrário do que
se poderia imaginar, as palavras do número dois de Fernando Medina
não parecem ter tranquilizado os moradores desses prédios. Um deles
disse ao PÚBLICO que tem o receio de que uma intervenção no
sentido anunciado vá contribuir para que o Jardim do Arco do Cego se
afirme em definitivo como “um cervejódromo a céu aberto”. Um
problema que em sua opinião poderá agudizar-se ainda mais quando
estiver concluída a transformação da antiga gare dos eléctricos
da Carris (localizada numa das extremidades do espaço verde) num
espaço académico, que vai ser gerido pelo Instituto Superior
Técnico.
Quanto ao facto de a
câmara ter imposto uma redução de horário a dois
estabelecimentos, o mesmo residente nota que tal só foi conseguido
porque houve uma mobilização da população e um abaixo-assinado e
sublinha que é pouco. Em sua opinião, se essa redução não for
generalizada o que acontece é que as pessoas mudam o sítio onde
compram a cerveja mas não o local onde ficam depois a bebê-la.
É também essa a
convicção do vereador do CDS na Câmara de Lisboa, que na reunião
camarária desta quarta-feira vai apresentar uma moção sobre o
tema. “Este Bairro Alto diurno e nocturno nas Avenidas Novas é
insustentável”, diz João Gonçalves Pereira ao PÚBLICO.
“É uma zona
residencial. As pessoas têm direito ao descanso””, acrescenta o
autarca, defendendo que a restrição determinada pelo município no
fim do ano passado não passa de “um paliativo”. “Se
casuisticamente se for reduzindo os horários”, considera, o único
efeito que se vai conseguir é fazer com que os jovens que enchem a
área vão “de uma porta para a outra, de uma rua para a outra”.
É por isso que o
vereador centrista vai pedir à câmara, como se lê na moção à
qual o PÚBLICO teve acesso, que esta avalie “a urgente redução
do horário de funcionamento dos estabelecimentos de comércio e
restauração na zona envolvente ao Jardim do Arco do Cego para as
21h (…) corrigindo as externalidades verificadas pela decisão
inicial”.
“A câmara não
tem dado uma resposta eficaz a esta situação”, avalia João
Gonçalves Pereira, que na sua moção fala numa “situação
insólita de desrespeito da sã convivência e bem-estar” e numa
“crescente e desorganizada utilização do espaço público”
junto ao espaço verde, nascido em 2005, onde antes existia um
terminal de autocarros.
Também os
moradores, vários dos quais se uniram recentemente para criar a
Associação de Moradores do Arco do Cego, querem que a câmara “olhe
para os munícipes” e encontre soluções para este problema. “De
dia para dia está a piorar… Ou travam isto rapidamente ou não
sei”, desabafa um deles, constatando que são já muitas as pessoas
que encaram a possibilidade de mudar de casa.
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