É
a confiança e a banca, “é a economia, estúpido”
Helena Garrido /
9-6-2016 / OBSERVADOR
A
recuperação da nossa economia seria sempre difícil por causa da
crise bancária e porque o mundo vive um tempo de estagnação. Mas
fizemos a nós próprios o favor de tornar a retoma ainda mais
difícil.
O Banco de Portugal
juntou-se nesta segunda semana de Junho às restantes instituições
internacionais para perspectivar um crescimento da economia
portuguesa de 1,3% que é inferior ao previsto e reafirmado pelo
Governo (1,8%). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE), que divulgou o seu exercício na semana passada,
tem a projecção mais pessimista (1,2%) e a Comissão Europeia a que
se aproxima mais da perspectiva do Governo (1,5%), sendo, no entanto,
a menos recente (Maio).
“Previsões são
previsões”. A declaração é do primeiro-ministro ainda sobre as
perspectivas da OCDE. Sem dúvida. Poderíamos até usar as palavras
de John Kenneth Galbraith: “O único papel das previsões
económicas é tornar a astrologia respeitável”.
O problema é que
neste momento, passados cinco meses do ano de 2016, já não estamos
a falar de prever mas de projectar. As projecções do Banco de
Portugal, por exemplo, integram a informação económica disponível
até 18 de Maio.
Existem já algumas
certezas sobre a evolução recente da economia portuguesa. A
primeira é que a retoma perdeu velocidade na segunda metade do ano
passado por causa do investimento e das exportações. A segunda é
que o consumo privado está de facto a aumentar, reagindo à subida
do rendimento disponível por via do aumento do salário mínimo e
recuperação dos salários da função pública. Mas o dinamismo do
consumo é insuficiente para compensar a perda de ritmo na frente
empresarial que faz aumentar o investimento e as vendas para o
exterior.
O comportamento do
investimento é o mais preocupante. As condições meteorológicas
são apontadas como a causa da sua queda no primeiro trimestre, por
causa da construção. Mas uma recuperação baseada no cimento e no
betão, que seguramente ocorrerá com as obras de calendário
autárquico, não é aquilo que o país precisa. Está finalmente
generalizada a ideia de que o aumento da produtividade passa por
aumentar o capital investido nas empresas. Quem trabalha nas empresas
portuguesas percebe bem como há défice de ferramentas e
equipamentos. Mas investir exige confiança e é aqui que chegamos às
causas deste abrandamento da retoma.
Há, nesta perda de
velocidade da recuperação económica, razões externas mas também
internas ou específicas à realidade portuguesa. Mas umas e outras
têm um elemento em comum: a incerteza. Portugal juntou nuvens às
nuvens que já estavam (e existem) no horizonte europeu e
internacional.
Comecemos pela
Europa. O Índice europeu de Incerteza Económica começou a subir no
início deste ano atingindo no primeiro trimestre o valor mais alto
desde Março de 2013. Baseado na contagem de palavras, como incerto e
incerteza, e englobando as maiores economias europeias, a degradação
da confiança está essencialmente relacionada com o referendo no
Reino Unido que poderá ditar a sua saída da União Europeia. Este é
o acontecimento que poderá ter maiores efeitos no quadro europeu.
Mas o evento
Brexit/Bremain é um que se soma a um quadro de incertezas sobre o
futuro da União Europeia tendo como referência as divisões a que
temos assistido sobre as migrações e as políticas económicas,
monetárias e financeiras. A par deste quadro, França e Bélgica
sofreram violentamente com o terrorismo. Nada parece resolver-se,
tudo parece arrastar-se, com especial relevo para a crise das dívidas
soberanas e para o problema dos bancos, com Portugal contagiado
nessas duas frentes.
As regras económicas
que pretendem prevenir novos excessos de endividamento são
assimétricas, na medida em que se concentram apenas sobre os
devedores – como Portugal – e não sobre os credores – como a
Alemanha. Um quadro que dificulta significativamente a resolução do
problema dos endividados, uma vez que a correcção dos seus
desequilíbrios externos fica em parte nas mãos de países fora do
euro.
É aqui que entramos
nos eventos que afectam especificamente Portugal. Angola foi um dos
países que amorteceu a crise portuguesa quer pela via das
exportações como através da emigração. Com o turismo, foi uma
das vias que impediu uma recessão ainda mais grave. A situação em
que está a economia angolana mas também a brasileira têm efeitos
mais significativos em Portugal do que nos outros países europeus. E
soma-se ao quadro de incerteza que se vive na Europa.
Mas Portugal somou
incerteza à incerteza e à degradação da economia em Angola e no
Brasil. O Índice de Stress Financeiro do BCE revela, para Portugal,
uma tendência de agravamento desde Outubro de 2015, o que coincide
com a fase da incerteza política e depois com as mensagens e medidas
anunciadas por este Governo, em contramão com o que atrai
investimento financeiro e empresarial.
A anulação das
concessões nos transportes, onde estavam envolvidas empresas
estrangeiras, o retrocesso na privatização da TAP, as alterações
no IRC, a reposição dos salários da função pública apenas num
ano e agora mais recentemente a redução do horário de trabalho de
40 para 35 horas para os trabalhadores em funções públicas (cerca
de 84% das pessoas que trabalha para o Estado) foram as medidas que,
mesmo que tenham efeitos limitados (o que levanta dúvidas),
transmitem insegurança. As “reversões” foram acompanhadas por
um discurso inicial que viabilizou comparações com a Grécia quando
Portugal se tentou sempre encostar à Irlanda.
Como se isso não
bastasse, no fim do ano descobriu-se que o Novo Banco ainda tinha de
fazer limpezas e foi preciso intervencionar o Banif. Juntemos agora a
tudo isto os sucessivos conflitos públicos com a Comissão Europeia
e as conversas sobre a necessidade de se criar um “banco mau”
para o sector financeiro e as nuvens transformam-se em nevoeiro.
A raiz de toda a
fragilidade da recuperação económica está obviamente na incerteza
que convida a “esperar para ver” acabando por agravar a situação
financeira e, com ela, o problema da banca.
Continua a ser “a
economia, estúpido”, a frase de James Carville na campanha de Bill
Clinton. Na conjuntura actual o problema está em dois pilares da
economia, a confiança e a banca, que é preciso recuperar para a
retoma.
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