Ambientalistas
portugueses preocupados com transvase do rio Tejo autorizado pelo
governo espanhol
A
“guerra da água” espanhola que está a afectar o Rio Tejo e
chega a Lisboa
POR O CORVO • 13
JUNHO, 2016 • Texto: Daniel Toledo
A
bacia do rio Tejo é a mais importante entre as cinco que Portugal
partilha com Espanha. Mas, além de desaguar no imenso estuário
junto da capital portuguesa, um pouco mais acima, na passagem pelo
Ribatejo, alberga também as terras mais férteis do país. Numa das
últimas comissões parlamentares sobre meio-ambiente, autarcas de
vários municípios ribeirinhos reuniram-se em Lisboa para expor as
suas preocupações em relação à qualidade das águas que vêm de
Espanha. O jornalista espanhol Daniel Toledo, a viver em Lisboa, dá
aqui conta, em exclusivo para O Corvo, dos desafios que se põem ao
rio que confere identidade à nossa cidade.
Quando a água
deixa de ser um direito, transforma-se num bem de consumo. E, como
tal, dá origem a controvérsias, a rivalidades. Inclusivamente o que
Ximo Puig, Presidente do Parlamento Valenciano, e o comissário
europeu do Meio Ambiente, Janez Potocnik, descreveram, já em 2013,
como uma guerra: a “guerra da água”.
Em Espanha, esta
contenda político-mediática ficou emperrada nas suas trincheiras
regionais, mas Portugal é o último afectado nesta corrida pelos
recursos hídricos. O nosso país é o último destino de cinco
grandes afluentes hidrográficos que nascem em Espanha: do Rio Minho,
do Douro, do Tejo, do Guadiana e do Rio Lima. Por isso, existe entre
nós uma expressão pouco habitual em Espanha: do lado de lá e do
lado de cá.
Do lado de lá, em
Espanha, dizer que o debate sobre o direito à água se converteu
numa arma política é dizer pouco. As razões são óbvias. Basta
mencionar os transvases que afectam Portugal. O do Tejo-Segura
abastece 147.000 hectares de irrigação e 76 pontos urbanos, e o
transvase do Condado, em Huelva, fornece água proveniente do
Guadiana e do Rio Tinto, Odiel e Piedras aos 3.600 hectares de
cultura de morango na região de Huelva (empregando, directa ou
indirectamente, aproximadamente 80.000 pessoas). Sendo estas apenas
dois dos dezasseis transvases comuns a todo o território espanhol.
Segundo a
organização não governamental ecologista World Wide Fund (WWF),
Espanha é o país com mais barragens per capita do mundo. Tem
aproximadamente 1.200 grandes barragens. Apenas na bacia espanhola do
rio Tejo existem 58 barragens, algumas cuja construção remonta a
princípios do século XX. É o caso da barragem de Bolarque, em
Guadalajara, onde arranca, precisamente, o transvase Tejo-Segura.
Espanha, a par de
Israel, lidera a tecnologia da água a nível mundial, algo
facilmente explicável, tendo em conta o lugar que a Península
Ibérica ocupa geograficamente. É uma questão de sobrevivência. Do
espaço, poderia parecer a um astronauta que a desertificação do
Saara ocidental há muito tempo nos vem pisando os calcanhares.
Não é apenas uma
questão de caudais, de quantidade, mas também uma questão de
qualidade. O porta-voz da associação portuguesa Movimento Pelo Tejo
(ProTejo), Paulino Constantino, assegura que “os transvases para o
sul de Espanha retiram água limpa da cabeceira ao rio Tejo em
Espanha, que fica apenas com as águas residuais, mal depuradas, que
vêm de Madrid e, portanto, afeta negativamente a qualidade e a
quantidade de água pelo leito natural do rio” até Lisboa.
Quando a água chega
à capital portuguesa, a Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL)
precisa de a submeter a vários tratamentos com cloro, correções e
coagulações químicas, filtração em antracite e areia e
desinfeção final com cloro gasoso.
Apesar das estações
de tratamento que actuam sobre os rios que passam por Madrid (Lozoya,
Manzanares, Guadalix, Henares e Tajuña), a capital espanhola
continua a ser um ponto fraco na biografia do Tejo. No documentário
de 2014 intitulado El eje del Tajo, produzido por El Escarabajo
Verde, da RTVE (Serviço Público de Rádio e Televisão Espanhola),
a jornalista Ana Wonham afirmava que “o rio de transportadores de
madeira que nos relatava José Luís San Pedro (no seu livro El río
que nos lleva, de 1961), de bosques, ulmeiros, veigas, regadios,
trutas e barbos, já não existe para a Comunidade de Madrid”.
Seria lógico
perguntarmo-nos se, do lado de cá, também estamos dispostos a que o
nosso rio de avieiros e bateiras, de salgueiros, freixos, álamos e
bordos, de andorinhas, enguias, camarões, sáveis e lampreias acabe
por desaparecer. É uma simples questão de hierarquia geográfica.
Os que estão acima determinarão, em grande medida, o que acontecerá
abaixo.
No passado dia 12 de
Janeiro, a associação ProTejo participou numa Comissão Parlamentar
sobre o meio-ambiente para reivindicar soluções políticas para “os
males que o rio Tejo padece”. Em reunião com os presidentes das
câmaras municipais de Mação, Nisa, Abrantes, Gavião,
Castelo-Branco, Vila Velha de Ródão, Constância e Idanha-a-Nova,
denunciou que a agricultura intensiva recorre à utilização de
fertilizantes e adubos químicos — que podem provocar um excesso de
nutrientes inorgânicos, acabando por desestabilizar os
ecossistemas—, que existe um grave descontrolo na precipitação de
águas residuais provenientes das aldeias e cidades espanholas e que
a central nuclear de Almaraz —a mais antiga de Espanha—, no rio
Tejo, a apenas uma centena de quilómetros da fronteira com Portugal,
não deixa de dar motivos para alarme, pelas suas contínuas falhas e
avisos de caducidade.
En junio de 2012,
fecha del 40 aniversario de la prohibición de baño en el Tajo por
su alta contaminación, esa misma mañana el río dejaba cientos
de peces muertos a su paso por Toledo
“A água é um
negócio”. É o que afirma a Associação Espanhola de Operadores
Públicos de Abastecimento e Saneamento, nas palavras do seu gerente,
Luís Babiano. Quer isto dizer que a água é como o trigo, a saúde
ou o metro quadrado de terreno. O seu preço varia como o do petróleo
e as suas aparências podem ser muito semelhantes. “Hoje, quando
atravessei o concelho de Abrantes, o Tejo tinha a habitual espuma
branca e, a seguir, viria um líquido negro que deixa a areia
completamente impossível de ser usada”, afirmou o presidente da
Câmara Municipal de Gavião, José da Silva Pio, em declarações
proferidas na referida Comissão Parlamentar.
É claro que o
problema não tem a sua raiz apenas em Espanha. Quando o Guadiana
cruza a fronteira em direcção a Portugal, o que o espera não é um
“mar de rosas”. A uma centena de quilómetros de Badajoz, no
Alentejo, o Guadiana é recebido pela maior barragem da Europa, a
barragem do Alqueva. Outra vintena de barragens se seguirão à do
Alqueva, até que o rio desague junto a Vila Real de Santo António,
no Golfo de Cádiz.
Outro dos entraves
enfrentados pelos rios em território português são as empresas
nacionais cujos resíduos estão longe de cumprir as normas
europeias. É, por exemplo, o caso da fábrica de papel Celtejo, em
Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco, à qual a
Directiva-Quadro da Água, aprovada no ano 2000 para toda a União
Europeia, estabeleceu um prazo até 2015 para que “as massas de
água estivessem em bom estado ecológico”. Este prazo foi
recentemente alargado até 2027.
Neste mesmo sentido
se manifestou o deputado do Bloco de Esquerda (BE) por Santarém
Carlos Matias, depois de, no princípio de 2016, o Ministério do
Ambiente confirmar o agravamento dos problemas no Tejo durante 2015.
Matias disse à agência Lusa que as empresas “têm de parar com as
descargas e as autoridades têm de actuar”. E considerou que “é
inaceitável que uma empresa tenha sido intimada para parar com
descargas ilegais e que ainda não o tenha feito”.
Outras empresas
identificadas pelo Ministério de Ambiente como principais poluidoras
do Tejo foram a Centroliva, também em Vila Velha de Ródão, a
Etar/Fossa e o Parque de Campismo da Ortiga, em Mação, ou a ETAR
(Estação de Tratamento de Águas Residuais) da empresa Queijo
Saloio, em Abrantes, entre outras.
O próprio Paulino
Constantino, porém, denuncia que um dos principais problemas é a
gestão das barragens pelos concessionários da produção de energia
hidroeléctrica: Iberdrola, Endesa e EDP. Este assegura que, apesar
da Convenção de Albufeira (assinada em 1998) definir para a bacia
do Tejo a passagem para Portugal de pelo menos 2700 hectómetros
cúbicos por ano, a própria convenção também permite “uma
grande flexibilidade para as barragens de produção hidroelétrica
gerirem os caudais de acordo com o preço da energia em determinado
momento, privilegiando o caudal energético em detrimento do caudal
ecológico”. Isto é possível, segundo Constantino, porque o
caudal mínimo anual não tem em conta os caudais mínimos diários
ou semanais.
Em todo o caso, a
solução poderá, por um lado, passar apenas pelo cumprimento das
directivas vindas da Europa e, por outro, pela criação de
instrumentos de regulação constantes e conjuntos entre Espanha e
Portugal.
Hélder Careto,
secretário executivo e engenheiro do ambiente da associação
conservacionista portuguesa GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do
Território e Ambiente), não tem dúvidas: “A actuação das
autoridades ambientais é lenta na reação e pouco eficaz na
prevenção. Segundo Careto, “a monitorização em contínuo de
alguns parâmetros indicadores da poluição do Tejo na fronteira, e
em pontos negros já conhecidos, permitiria uma intervenção mais
assertiva e eficaz das autoridades ambientais dos dois países, com
custos relativamente reduzidos, ajudando também a que a sociedade
civil, nos municípios ribeirinhos, possa contribuir com a sua parte
de co-responsabilização e vigilância”.
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