AGRICULTURA
Seca implacável deixa olival de Portugal em risco. Sem
água, não há azeite
A seca extrema do último ano causou uma descida drástica
na produção de azeite e os preços subiram para valores nunca vistos. Na
campanha em curso tudo aponta para mais do mesmo mal.
Carlos Dias
28 de Maio de
2023, 19:58
É tempo de
reconhecer que há um conjunto de circunstâncias que estão a deixar de ser
atípicas. O agravamento da intensidade das alterações climáticas, redução da
precipitação anual, aumento das temperaturas médias, mínimas e máximas e a
diminuição do frio invernal, já não são a excepção, mas estão a fazer parte da
regra. As condições meteorológicas em 2022 deram lugar à pior colheita de
azeitona do século XXI e as consequências revelam-se na alta de preços do
azeite, que atingiu valores só comparáveis às campanhas da década de 90 do
século passado. Os olivais de sequeiro foram os mais atingidos pela seca e
esperam-se declínios ainda mais significativos na produção de 2023/2024.
Os sinais de
alerta vindos de Espanha anunciam que a produção de azeite pode estar “à beira
de um colapso”. E percebe-se porquê: dados do Ministério da Agricultura, Pesca
e Alimentação (MAPA) referem que, em anos normais, o país vizinho fornece cerca
de 50 por cento do azeite mundial.
Porém, na
campanha de 2021-2022 a falta de chuva e as temperaturas extremas fizeram com
que a produção de azeite caísse 55 por cento, para 660 mil toneladas, face a
1,48 milhões de toneladas, produção recorde do ano anterior. Uma quebra tão
drástica na produção de azeite acabaria por realçar um paradoxo: a diminuição
da produção do olival espanhol fez com que o país que era o maior produtor
mundial se tornasse o maior importador de azeite europeu, com uma subida de
38,6%, constatou Juan Luis Vicente, do Departamento de Estudos Económicos e
Estatísticas do Conselho Oleícola Internacional (COI).
Este organismo
reconhece que os oito principais países produtores da União Europeia, um dos
quais é Portugal, produziram na campanha de 2021/2022 cerca de 1,5 milhões de
toneladas de azeite, “bem abaixo da média de 2,17 milhões de toneladas dos
últimos cinco anos”.
E este ano? Para
já, prevê-se o pior para o olival de sequeiro (que representa entre 75 a 80% do
olival que existe em Portugal). Na agricultura de sequeiro a plantação envolve
no máximo 300 árvores por hectare e depende da água da chuva, ao contrário da
cultura de regadio (sendo que, no caso do regime superintensivo, o número de
árvores por hectare pode chegar às duas mil). Em 2020, o olival ocupava um
total de 379.444 hectares em Portugal: olival tradicional de sequeiro ocupava
284 758 hectares.
Os resultados da
campanha oleícola de sequeiro em curso são preocupantes. Nem a precipitação
atmosférica que caiu nos últimos dias mitigou a escassez hídrica no Sul de
Espanha e no Nordeste transmontano, Vale do Tejo, Baixo Alentejo e Algarve.
Em Janeiro e na
região de Andaluzia uma tonelada de azeite foi vendida a 5300 euros, quando em
igual período de 2022 o seu valor se situou nos 3500 euros. Em meados do
passado mês de Abril, subiu para 5800 euros a tonelada e, tudo indica, a “tendência
dos preços em alta, vai continuar”, admite Fanny de Gasquet, dirigente da
empresa Baillon Intercor, especializada em óleos e gorduras.
As perspectivas
para os consumidores apresentam-se sombrias, já que o preço mundial do azeite
depende muito da realidade espanhola. “O virgem extra já atingiu valores
insustentáveis superiores a 6 euros o quilo”, confirmou ao PÚBLICO Carlos
Martins, consultor na União de Cooperativas Agrícolas do Sul (Ucasul).
Os produtores
culpam as altas temperaturas e o défice hidrológico que danificaram as árvores
na época da floração e também os efeitos de uma seca sem precedentes. Um estudo
publicado recentemente na Nature Geoscience concluiu que o Sul de Espanha está
a sofrer os efeitos de uma seca como não acontecia “há mais de 1000 anos” e que
o fenómeno climático extremo “foi igualmente implacável em Portugal”, ao ter em
2022 metade das chuvas que normalmente ocorrem durante um ano hidrológico,
acrescenta o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Acesso ao bem precioso da água
Os olivais de
sequeiro foram os mais atingidos pela seca. Hélder Transmontano, director-geral
da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos (CAMB), disse ao PÚBLICO que os
cerca de 1400 olivicultores associados na cooperativa que exploram quase 21.000
hectares de olival, dos quais cerca de 16.000 hectares de olival de sequeiro,
“estão a viver uma situação extremamente delicada” por não terem acesso à água
de Alqueva.
“Temos a barragem
no nosso concelho e, depois de ficarmos com milhares de hectares agrícolas
debaixo de água [leito da albufeira], continuamos sem ter acesso a um bem tão
precioso.” E as consequências evidenciam-se: “Dois anos seguidos com quebras de
produção brutais, por causa da seca, serão um desastre. Muitos dos nossos
associados estão à beira do colapso.”
“Vamos ter uma
produção muito curta e consequentemente dificuldade em satisfazer a procura”
[sobretudo em azeite DOP (Denominação de Origem Protegida)].” Cerca de 80% do
azeite DOP produzido em Portugal tem origem nas explorações de Moura.
A baixa produção,
por sua vez, incentiva a subida dos preços. Em resposta, os consumidores
começam a optar pelos óleos vegetais e Hélder Transmontano sabe que “depois
recuperá-los é um processo demorado, oneroso e difícil”.
Neste momento a
produção em Moura apresenta árvores “em que não se vê uma única azeitona e as
que têm são tão pequenas que se desfazem”, salienta Transmontano, que é natural
do Alentejo. Antevê um cenário que o assusta: “Não há como a água que vem do
céu. E, quando falta dois anos seguidos, equivale a uma catástrofe.”
No concelho
vizinho de Serpa, Bento Teresa produtor de olival de sequeiro na serra que
desponta em Vila Verde de Ficalho, recorre à expressão que se tornou recorrente
entre os que exploram olival de sequeiro: “Estamos a viver uma situação
catastrófica.” As razões para a constatação pessimista são evidentes: “O ano
passado não tivemos azeite e este ano vai pelo mesmo caminho.”
A seca constante
que está a aparecer com intervalos de tempo mais curtos entre si suscita-lhe
uma certeza: “O olival de sequeiro sem água é impossível [para cerca de meia
centena de agricultores que exploram na serra de Ficalho áreas com cinco, dez e
20 hectares].” E explica: “Eu sou proprietário de uma área com 70 hectares. E
só vou ter algum azeite porque retiro água do aquífero subterrâneo
Moura/Ficalho.”
É preciso mais água e outra mentalidade
Embora as
oliveiras sejam resistentes à seca, muitos povoamentos em quase toda a região
alentejana não receberam as quantidades mínimas de água em momentos críticos do
seu desenvolvimento, fazendo com que as árvores deixassem cair os frutos para
se preservarem. Esta é a interpretação que os produtores fazem no Alentejo e no
Nordeste transmontano.
À semelhança do
que está a acontecer no Sul do país, “as temperaturas mais elevadas durante o
ciclo produtivo afectaram negativamente a floração, o vingamento e,
posteriormente, a acumulação de azeite nas azeitonas durante a maturação”,
explica ao PÚBLICO Francisco Pavão, presidente da Associação dos Produtores em
Protecção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro (APPITAD).
Nesta altura do
ano ainda não é possível estimar a dimensão das consequências, mas “a
preocupação é grande”, admitindo Francisco Pavão que o cenário anterior se
possa repetir na campanha em curso. A realidade tal como se está a revelar
demonstra “mais do nunca”, e numa altura em que os ciclos de seca são mais
curtos entre si, que é “fundamental estudar novas técnicas para mitigar os efeitos
da seca”, por exemplo, através da instalação de pequenas bacias de retenção de
água que permitam aos agricultores regar e preservar o olival de sequeiro.
“Chove imenso na
região nortenha, mas pouca dessa água é armazenada”, constata Francisco Pavão. E
alerta que muitas economias familiares no interior do país têm por base o
olival. “Urge, pois, encontrar uma estratégia nacional para a valorização do
olival tradicional português que não olhe só para a produtividade, mas também
para o contributo que pode ter para a biodiversidade, para a definição do
mosaico da paisagem e fixação de populações.”
Patrícia Falcão
Duarte, secretária-geral da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de
Olivicultores (Fenazeites), partilha das preocupações expressas pelo presidente
da APPITAD. “Se os olivais em Trás-os-Montes não forem regados, perdem-se.”
Outra consequência surge associada à falta de água: o risco de abandono pelas
famílias que obtêm parte do seu rendimento da produção olivícola, que este ano
“vai sofrer muito”. “Provavelmente acabaremos por enfrentar os mesmos problemas
que se observam em Espanha”, observa a dirigente associativa.
Os efeitos da
seca já se fazem sentir no olival de sequeiro depois de longos períodos sem
chuva a que se juntam os “efeitos da quebra muito grande na produção do ano
passado”, confirma ao PÚBLICO Patrícia Duarte. E realça mais um pormenor: “Há
quem pense que a oliveira é uma árvore de deserto, mas não é.” “[Se] não
tivermos uma Primavera mais chuvosa, o olival de sequeiro não se aguenta.”
Apesar de mais
vulnerável às alterações climáticas, há especialistas que defendem que o olival
de sequeiro é mais benéfico para o clima. Um estudo recente de uma equipa de
investigadores da Universidade de Jaén conclui que os olivais de sequeiro
contribuem para a mitigação das alterações climáticas comparado com os que usam
sistemas de rega. "Os olivais de sequeiro cultivados da forma tradicional
absorveram significativamente mais CO2 do que os olivais que usam regadio e que
os olivais intensivos, que se estão a tornar cada vez mais comuns".
Mas se a água que
cai do céu é vital para a manutenção do olival de sequeiro, a mudança de
mentalidades é igualmente decisiva, quando as alterações climáticas vieram
impor novas regras no modo como se cultivam os campos, com exigência acrescida
na região montanhosa do Norte do país.
“Temos de acabar
com a forma excessiva como se continua a mobilizar o solo”, vincou ao PÚBLICO
Carlos Correia professor e investigador na Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro (UTAD). A erosão do solo é um dos principais problemas ambientais na
região mediterrânica. “Um século é o tempo que demora, em média, a formação de
um centímetro de solo e, na actualidade, em poucas horas sofremos perdas superiores.”
A experiência e o
conhecimento adquirido dizem-lhe que um solo em que não se mexe “retém melhor a
precipitação atmosférica, facilita a infiltração da água e aumento da matéria
orgânica”. Esta técnica poderá ser uma das soluções para “manter os olivais de
sequeiro com viabilidade económica em termos futuros”, refere o investigador.
Considera que ainda não estaremos a assistir “ao fim do olival de sequeiro”,
mas, se se continuarem a verificar precipitações muito baixas, o seu abandono
será irreversível. Carlos Correia conclui: “Ainda não é uma realidade, mas é
uma ameaça muito séria e está a ser difícil aceitar a mudança.”
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