OPINIÃO
O que está errado no caso de Alexandra Reis?
Há uma pergunta que deve ser feita, mesmo considerando
que foi escasso o poder decisório do Estado: os ministros com a tutela da TAP
tinham conhecimento da indemnização?
Carmo Afonso
27 de Dezembro de
2022, 22:30
https://www.publico.pt/2022/12/27/opiniao/opiniao/errado-caso-alexandra-reis-2032930
É tão obrigatório
como difícil falar sobre o caso de Alexandra Reis. Porque é obrigatório? Porque
ouvindo a descrição dos factos – e não se conhecem todos –, é intuitivo
concluir que algo não soa bem. E porque é difícil? Porque é altamente
previsível que não esteja em causa o cometimento de qualquer ilegalidade e,
mesmo no universo dos princípios, é delicado escolher qual foi o princípio de
boas práticas que não foi seguido e qual a sua natureza.
Alexandra Reis
recebeu uma indemnização em sede de acordo que celebrou com a TAP e essa
indemnização terá sido calculada tendo em conta a sua remuneração e o tempo que
faltava para o termo do seu mandato. A este propósito li o artigo do Daniel
Oliveira no Expresso, “O problema do meio milhão de Alexandra Reis é político”,
em que é referido que não faz sentido esta forma de cálculo de uma
indemnização, porque isso seria impensável para um trabalhador. Ora, nos contratos
de trabalho a termo é precisamente esse o cálculo que deve ser feito em caso de
cessação, por iniciativa do empregador, antes do fim do termo do contrato. Ou
seja: por aí, não só não encontramos qualquer falha legal, como também temos um
raciocínio que se aplica a todos os trabalhadores contratados a termo.
A iniciativa que
culminou na cessação do contrato terá sido da empresa e não de Alexandra Reis.
É a lógica do recebimento de uma indemnização que assim o determina. Mas essa
iniciativa não é incompatível com a posterior renúncia de Alexandra Reis. Tudo
depende dos termos do acordo. Para já, e tendo em conta a informação que se
conhece, teremos mesmo de abandonar o terreno da legalidade para discutir este
caso.
Meio milhão soa
mal, sobretudo num país onde a esmagadora maioria das pessoas ganha salários
baixos ou muito baixos. O primeiro problema objetivo a apontar a este caso é
que ele põe a nu a existência de dois mundos – ou de duas classes – no que diz
respeito à valorização do trabalho prestado. A maioria dos trabalhadores da TAP
ganha escandalosamente abaixo do nível remuneratório de Alexandra Reis. A
partir desse desnível é fácil (não é só fácil, é necessário) que o cálculo de
uma indemnização leve a montantes que se afiguram pornográficos para a maioria
dos trabalhadores portugueses.
E entrámos na
política. É aqui que devemos continuar.
Se Alexandra Reis
chegou a acordo para sair da TAP, ela não ficou restringida em nenhum dos seus
direitos enquanto sujeito político e designadamente o de ser contratada para
desempenhar funções na NAV ou o de ser nomeada como secretária de Estado do
Tesouro.
Mas uma análise
política exige que vamos mais longe.
Alexandra Reis na
TAP tinha estado envolvida nos cortes salariais aos trabalhadores da companhia,
cortes esses que persistem em vigor. A primeira pergunta a fazer é se esses
cortes foram extensíveis a cargos como aquele que a nova secretária de Estado
ocupava. É que impor cortes aos outros e não ser atingida pela mesma medida é
um problema político. Sobretudo notar que as novas competências de Alexandra
Reis vão sempre tocar em finas matérias e que eventualmente estarão aí
incluídas as empresas públicas e as empresas participadas que integram o sector
empresarial do Estado, ou seja, poderia ser a responsável pelo dossier dos
empréstimos à TAP e pelo da anunciada privatização da empresa. Ainda este ano,
Alexandra Reis negociava uma indemnização na qualidade de contraparte.
Não é Alexandra
Reis a primeira da fila para responder perante os portugueses. Temos o próprio
Governo. Vejamos: se a TAP pagou a Alexandra Reis pela sua saída, mas o Governo
insiste em escolhê-la para cargos e funções de responsabilidade, parece ficar
demonstrado que foi escasso o poder decisório do Estado neste processo. A
hipótese contrária, que também deve ser equacionada, é ainda pior. E há uma
última pergunta que deve ser feita, mesmo considerando que foi escasso o poder
decisório do Estado: os ministros da tutela tinham conhecimento da
indemnização? Esta é a outra ponta do fio de que é feito este novelo.
Andamos a
movimentar nenúfares, quando falamos do caso de Alexandra Reis. O sentimento de
injustiça que ele suscita não tem acolhimento na lei, mas paira sobre
demasiados princípios. Ora, é missão da política trazer ao ordenamento e ao
campo das obrigações aquilo que traduz a justa percepção das situações por
parte dos cidadãos. Tem de se tornar clara a linha que separa um comportamento
incorreto de um comportamento racional que procura optimizar as oportunidades
que surgem.
Este lusco-fusco
encandeia.
A autora é
colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico
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