OPINIÃO
E agora o que é que eu faço?
O que terá acontecido a António Costa para não se dar
conta desta bomba-relógio? Não, não estou a exagerar na metáfora. Há limites de
tolerância para com os erros de quem manda.
Helena Roseta
28 de Dezembro de
2022, 15:15
https://www.publico.pt/2022/12/28/opiniao/opiniao/faco-2033011
A inevitável
demissão de Alexandra Reis não põe termo à estupefação e indignação
generalizadas. É preciso não ter um pingo de decência para perfazer o périplo
que a secretária de Estado, agora demissionária, conseguiu percorrer em muito
pouco tempo, de responsável pelo pelouro do pessoal numa TAP em crise a membro
do Governo, com uma indemnização milionária no bolso e sem peso na consciência
pelos milhares de trabalhadores cujo despedimento forçado geriu.
Não vou entrar
nos meandros e bastidores deste caso, que já pululam nas redes sociais. Não
serei a primeira pessoa a questionar-me perante tudo isto. O que terá
acontecido a Fernando Medina e a Pedro Nuno Santos para permitirem que uma
situação indecente como esta tivesse sucedido? O que terá acontecido a António
Costa, que tem uma inteligência política superior, para não se dar conta desta
bomba-relógio? Não, não estou a exagerar na metáfora. Há limites de tolerância
para com os erros de quem manda, que, sendo ultrapassados, dinamitam a
confiança e ameaçam a paz social.
Estou há dois
anos concentrada na coordenação de um programa público de apoio a territórios e
comunidades vulneráveis, que, com uma dotação total de 10 milhões de euros, tem
permitido apoiar mais de 240 projetos em todo o país. Estamos a chegar ao fim
do programa Bairros Saudáveis, altura de prestação de contas. Muito se fez e
agora há que validar os relatórios das entidades locais, todas elas de natureza
associativa e solidária.
Não há ninguém
tão escrutinado em Portugal como as pessoas e organizações pobres
Há dias,
deparei-me com uma pequena discrepância de 1 euro numa despesa de combustível,
submetida por uma associação cigana entre as suas centenas de despesas. A
fatura era de 11 euros, mas a associação só declarou 10, porque descontou 1
euro pago por uma garrafa de água na bomba de gasolina. A isto chega o
escrúpulo de gente com poucos recursos chamada a gerir dinheiros públicos em
prol da sua comunidade.
Dei comigo a
pensar que não há ninguém tão escrutinado em Portugal como as pessoas e
organizações pobres. E que moral temos nós para exigir transparência nas suas
contas, quando os poderosos escondem em acordos legais duvidosos a indignidade
dos seus privilégios? Ressoa em mim, com tristeza insistente, uma única
pergunta: e agora o que é que eu faço?
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