quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

E agora o que é que eu faço?

 



OPINIÃO

E agora o que é que eu faço?

 

O que terá acontecido a António Costa para não se dar conta desta bomba-relógio? Não, não estou a exagerar na metáfora. Há limites de tolerância para com os erros de quem manda.

 

Helena Roseta

28 de Dezembro de 2022, 15:15

https://www.publico.pt/2022/12/28/opiniao/opiniao/faco-2033011

 

A inevitável demissão de Alexandra Reis não põe termo à estupefação e indignação generalizadas. É preciso não ter um pingo de decência para perfazer o périplo que a secretária de Estado, agora demissionária, conseguiu percorrer em muito pouco tempo, de responsável pelo pelouro do pessoal numa TAP em crise a membro do Governo, com uma indemnização milionária no bolso e sem peso na consciência pelos milhares de trabalhadores cujo despedimento forçado geriu.

 

Não vou entrar nos meandros e bastidores deste caso, que já pululam nas redes sociais. Não serei a primeira pessoa a questionar-me perante tudo isto. O que terá acontecido a Fernando Medina e a Pedro Nuno Santos para permitirem que uma situação indecente como esta tivesse sucedido? O que terá acontecido a António Costa, que tem uma inteligência política superior, para não se dar conta desta bomba-relógio? Não, não estou a exagerar na metáfora. Há limites de tolerância para com os erros de quem manda, que, sendo ultrapassados, dinamitam a confiança e ameaçam a paz social.

 

Estou há dois anos concentrada na coordenação de um programa público de apoio a territórios e comunidades vulneráveis, que, com uma dotação total de 10 milhões de euros, tem permitido apoiar mais de 240 projetos em todo o país. Estamos a chegar ao fim do programa Bairros Saudáveis, altura de prestação de contas. Muito se fez e agora há que validar os relatórios das entidades locais, todas elas de natureza associativa e solidária.

 

Não há ninguém tão escrutinado em Portugal como as pessoas e organizações pobres

Há dias, deparei-me com uma pequena discrepância de 1 euro numa despesa de combustível, submetida por uma associação cigana entre as suas centenas de despesas. A fatura era de 11 euros, mas a associação só declarou 10, porque descontou 1 euro pago por uma garrafa de água na bomba de gasolina. A isto chega o escrúpulo de gente com poucos recursos chamada a gerir dinheiros públicos em prol da sua comunidade.

 

Dei comigo a pensar que não há ninguém tão escrutinado em Portugal como as pessoas e organizações pobres. E que moral temos nós para exigir transparência nas suas contas, quando os poderosos escondem em acordos legais duvidosos a indignidade dos seus privilégios? Ressoa em mim, com tristeza insistente, uma única pergunta: e agora o que é que eu faço?

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