A inevitável queda de uma estrela
A estrela da ala esquerda do PS cai e com ela cai um
pouco da aura do Governo. Sem o seu enfant terrible, o elenco de António Costa
depreciou-se.
Manuel Carvalho
29 de Dezembro de
2022, 1:35
https://www.publico.pt/2022/12/29/politica/editorial/inevitavel-queda-estrela-2033083
Aconteceu o
inevitável: uma das mais brilhantes estrelas do Governo caiu. Com estrondo. Por
sua inteira responsabilidade. Com merecimento. Se existe alguma razão para uma
demissão de um ministro, ela estava escancarada aos olhos dos cidadãos. Seria
intolerável numa democracia madura que depois de tudo o que se soube nestes
dias alucinantes Pedro Nuno Santos se mantivesse em funções. O homem que um dia
acreditou que o não pagamento da dívida pública portuguesa deixaria os credores
a tremer sucumbiu a falhas tão comezinhas como não saber que numa empresa sob a
sua tutela tinha sido paga uma indemnização de meio milhão de euros a uma
gestora que, mais tarde, havia de contratar para outras funções.
Não é uma boa
notícia para o Governo, nem para o PS. Num elenco contaminado pela modorra e
inquinado pelo conformismo, Pedro Nuno Santos era o rosto da determinação, da
crença e da vontade de mudar. Por muito que se saiba da existência de uma linha
ténue entre a propaganda e a acção, o seu trabalho na CP, por exemplo, é
exemplar. Pedro Nuno Santos é um fazedor num Governo que navega à bolina. Mas o
voluntarismo tem problemas. O erro terrível que cometeu ao anunciar uma solução
para o novo aeroporto ao arrepio do primeiro-ministro prova-o.
A sua saída é por
isso uma consequência lógica do limite das suas fragilidades. Depois da
história do aeroporto, submeteu-se a uma sessão de expiação de culpas que
contradizia toda a sua imagem e percurso. O ministro de pose convicta, o
político pré-destinado a suceder a António Costa, transformou-se nesse momento
penoso numa antítese da sua persona política. Foi um momento definidor. Que o
condicionou. Qualquer falha seria fatal. A indecorosa história de Alexandra
Reis encostou-o à parede. Não tinha alternativa, a não ser demitir-se.
A culpa
originária pode ser do seu secretário de Estado e fiel amigo. Mas ele tinha de
saber o que supostamente ele sabia. Não ter conhecimento da indemnização e ter
avançado com a contratação da gestora para a NAV nessa condição era uma falha
insuperável para um político condenado a não falhar. Depois de tanto empenho,
tanto dinheiro dos contribuintes e tantas promessas na salvação da TAP, ele
tinha de saber. O desconhecimento era nada mais, nada menos do que um atestado
de incompetência. Ou, talvez pior, de negligência.
A estrela da ala
esquerda do PS cai e com ela cai um pouco da aura do Governo. Sem o seu enfant
terrible, o elenco de António Costa depreciou-se. Sem ele, sem Siza Vieira ou
sem Vieira da Silva, sobra um naipe de damas e valetes. António Costa tem agora
nas mãos um dos grandes desafios da sua carreira: mudar de alto a baixo e
apostar em figuras de prestígio. Ele precisa muito dessa mudança. O país
também.
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