quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A inevitável queda de uma estrela

 


 EDITORIAL

A inevitável queda de uma estrela

 

A estrela da ala esquerda do PS cai e com ela cai um pouco da aura do Governo. Sem o seu enfant terrible, o elenco de António Costa depreciou-se.

 

Manuel Carvalho

29 de Dezembro de 2022, 1:35

https://www.publico.pt/2022/12/29/politica/editorial/inevitavel-queda-estrela-2033083

 

Aconteceu o inevitável: uma das mais brilhantes estrelas do Governo caiu. Com estrondo. Por sua inteira responsabilidade. Com merecimento. Se existe alguma razão para uma demissão de um ministro, ela estava escancarada aos olhos dos cidadãos. Seria intolerável numa democracia madura que depois de tudo o que se soube nestes dias alucinantes Pedro Nuno Santos se mantivesse em funções. O homem que um dia acreditou que o não pagamento da dívida pública portuguesa deixaria os credores a tremer sucumbiu a falhas tão comezinhas como não saber que numa empresa sob a sua tutela tinha sido paga uma indemnização de meio milhão de euros a uma gestora que, mais tarde, havia de contratar para outras funções.

 

Não é uma boa notícia para o Governo, nem para o PS. Num elenco contaminado pela modorra e inquinado pelo conformismo, Pedro Nuno Santos era o rosto da determinação, da crença e da vontade de mudar. Por muito que se saiba da existência de uma linha ténue entre a propaganda e a acção, o seu trabalho na CP, por exemplo, é exemplar. Pedro Nuno Santos é um fazedor num Governo que navega à bolina. Mas o voluntarismo tem problemas. O erro terrível que cometeu ao anunciar uma solução para o novo aeroporto ao arrepio do primeiro-ministro prova-o.

 

A sua saída é por isso uma consequência lógica do limite das suas fragilidades. Depois da história do aeroporto, submeteu-se a uma sessão de expiação de culpas que contradizia toda a sua imagem e percurso. O ministro de pose convicta, o político pré-destinado a suceder a António Costa, transformou-se nesse momento penoso numa antítese da sua persona política. Foi um momento definidor. Que o condicionou. Qualquer falha seria fatal. A indecorosa história de Alexandra Reis encostou-o à parede. Não tinha alternativa, a não ser demitir-se.

 

A culpa originária pode ser do seu secretário de Estado e fiel amigo. Mas ele tinha de saber o que supostamente ele sabia. Não ter conhecimento da indemnização e ter avançado com a contratação da gestora para a NAV nessa condição era uma falha insuperável para um político condenado a não falhar. Depois de tanto empenho, tanto dinheiro dos contribuintes e tantas promessas na salvação da TAP, ele tinha de saber. O desconhecimento era nada mais, nada menos do que um atestado de incompetência. Ou, talvez pior, de negligência.

 

A estrela da ala esquerda do PS cai e com ela cai um pouco da aura do Governo. Sem o seu enfant terrible, o elenco de António Costa depreciou-se. Sem ele, sem Siza Vieira ou sem Vieira da Silva, sobra um naipe de damas e valetes. António Costa tem agora nas mãos um dos grandes desafios da sua carreira: mudar de alto a baixo e apostar em figuras de prestígio. Ele precisa muito dessa mudança. O país também.

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