GOVERNO
Perda de “controlo político” pode levar Governo de Costa
a “colapsar”
Politólogos atribuem remodelações sucessivas do Governo à
falta de “coordenação” e “controlo político” e alertam para perigo de colapso
do executivo.
Ana Bacelar
Begonha
28 de Dezembro de
2022, 23:24 actualizado a 29 de Dezembro de 2022, 1:58
Que existam
remodelações na composição dos governos faz parte do funcionamento das
democracias. Que existam tantas em menos de um ano de exercício de um governo
maioritário é atípico, tanto face aos executivos anteriores de António Costa,
quanto às maiorias absolutas de José Sócrates e de Aníbal Cavaco Silva. Para o
Presidente da República, o fenómeno deve-se a um maior escrutínio público, para
os cientistas políticos ouvidos pelo PÚBLICO trata-se de “falta de coordenação”
e de “planificação”, bem como “cansaço”. E os especialistas avisam mesmo que a
situação pode “explodir” – um receio que é partilhado por socialistas e um
cenário para o qual a oposição já se posiciona.
Segundo o Presidente,
a sucessão de demissões explica-se com o aumento do escrutínio ao poder
político. E, em declarações aos jornalistas esta quarta-feira, Marcelo Rebelo
de Sousa considerou que “houve uma mudança nas democracias” no sentido de
“aumentar o nível de exigência e apurar aquilo que não se apurava”. “O ritmo da
vida política é tal e o escrutínio é tão mais intenso que as situações se podem
multiplicar”, declarou.
O Presidente
tinha mesmo deixado em cima da mesa a possibilidade de mais demissões, quando,
ao falar sobre a saída da ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis e a
necessidade de eficácia no aproveitamento dos fundos europeus, afirmou: “Se,
para isso, for necessário ir mudando o Governo, muda-se o Governo. Se para isso
basta aquilo que já se mudou, então, veremos se isso é suficiente.” Foi uma
declaração premonitória, pois poucas horas depois era anunciada a demissão de
Pedro Nuno Santos, ministro das Infra-estruturas e da Habitação.
André Freire,
professor universitário, concorda com o diagnóstico e considera “positivo” que
os eleitores e a comunicação social estejam “mais exigentes” e que a oposição
esteja “mais atenta” — em comparação com um chefe de Estado que “está sempre a
pôr água na fervura”. Mas, para o politólogo, as sucessivas remodelações no
Governo “reflectem cansaço e um défice de coordenação política”, diz ao
PÚBLICO.
Independentemente
de os motivos por trás das demissões serem diversos, o professor do Iscte
aponta que as saídas são sintomáticas de uma “maneira de estar dos
socialistas" que têm vindo a pautar-se por uma “displicência na gestão da
coisa pública” – particularmente, em casos como o de Alexandra Reis, que passam
a ideia de que “há dois pesos e duas medidas para os governados e os
governadores”.
Existe ainda o
factor maioria absoluta, que poderá ser mais propícia a este tipo de casos, já
que nos governos de alianças políticas os partidos “se fiscalizam uns aos
outros”. Embora o primeiro-ministro tenha prometido que a sua maioria não seria
sinónimo de “poder absoluto”, André Freire considera que essa “primeira grande
promessa foi violada”.
O mesmo defende
Marina Costa Lobo, ao afirmar que “o PS não se exime” da “arrogância” da
maioria absoluta. A cientista política considera ainda que as demissões “deixam
perceber o desgaste governativo que existe”, até porque os anteriores
executivos PS presidiram “a situações muito difíceis, a saber, a pandemia, a
crise inflacionária, a guerra na Ucrânia”. E defende que “era preferível que a
coordenação política funcionasse melhor”.
O politólogo
António Costa Pinto, por sua vez, diz que é “muito incaracterístico na
democracia” existirem tantas remodelações e tão cedo, visto tratar-se de um
executivo “monopartidário com maioria” que, ainda por cima, “reforçou a
componente política”, isto é, o número de governantes com carreira política.
Em parte, o
problema é a “ausência de escrutínio político prévio” dos governantes, aponta,
mas, mais do que isso, o cerne da questão está na “ausência de planificação
global” do Governo, isto é, na falta de “remodelação” do executivo após as
eleições de Janeiro. Isto, sem esquecer o “carácter fraco de coordenação do
Governo”.
Costa Pinto
admite que esta perda de “controlo político” pode estar relacionada com “uma
maior distracção” do primeiro-ministro devido à “crise internacional” – mas
lembra que “é justamente por isso que existe um número dois”, pondo o ónus da
responsabilidade na ministra da Presidência.
Quanto ao futuro,
o investigador faz notar que “as decisões do passado podem explodir no futuro”,
mas é André Freire quem pinta um cenário mais negro: “Isto tem de mudar ou pode
colapsar”, defende, considerando que a situação se tornou “insustentável”.
Já Costa Lobo
deixa uma nota positiva sobre a resposta do Governo ao caso de Alexandra Reis:
“A demissão desta secretária de Estado sinaliza que o Governo está atento e
disposto a reagir aos erros que comete.” Uma reacção que teve continuidade com
a demissão de Pedro Nuno Santos.
Maioria de Costa é recordista em demissões
Olhando para a
história recente, o actual Governo é aquele que, em comparação com os
anteriores executivos de António Costa e as maiorias absolutas do PS e do PSD,
regista o maior número de demissões nos primeiros nove meses de vida. São já
onze (às oito contabilizadas até esta terça-feira, somam-se as de Pedro Nuno
Santos e, consequentemente, de Hugo Santos Mendes e Marina Gonçalves,
secretários de Estado das Infra-estruturas e da Habitação, respectivamente).
No primeiro
executivo de Costa, em 2016, houve apenas três demissões: João Soares, ministro
da Cultura, Isabel Botelho Leal, secretária de Estado da Cultura, e João
Wengorovius Meneses, secretário de Estado da Juventude e Desporto.
No Governo
seguinte, que entrou em funções em 2019, em nove meses também saíram três
governantes: o ministro das Finanças, Mário Centeno, seguido dos secretários de
Estado da pasta, Ricardo Moutinho Félix e Álvaro Novo.
Já o primeiro
Governo de José Sócrates, que constituiu a primeira maioria absoluta do PS,
registou igualmente três saídas num ano: Luís Campos e Cunha deixou o
ministério do Estado e das Finanças em conjunto com os secretários de Estado
Manuel Baganha e Maria dos Anjos Capote.
Quanto às
maiorias absolutas de Cavaco Silva, em 1987, foram exonerados, nos primeiros
tempos, dois secretários de Estado: Manuel Carvalho Fernandes, do Tesouro, e
Eduardo Arantes e Oliveira, da Ciência e Tecnologia.
No segundo executivo
maioritário, a leva de saídas ao longo de 1991 já rivaliza com a do actual
Governo, mas mesmo assim não ultrapassa as seis baixas. Contam-se na lista de
governantes demissionários o ministro da Educação, Diamantino Durão, os
secretários de Estado dessa área, Epifânio da França, Emídio Santos e José
Briosa e Gala, a secretária de Estado do Comércio Interno, Teresa Ricou, e a
subsecretária de Estado da Cultura, Maria José Nogueira Pinto.
PS e oposição admitem que Governo está fragilizado
No próprio PS,
fontes ouvidas pelo PÚBLICO vêem com apreensão esta sucessão de casos,
admitindo mesmo que os quatro anos de mandato poderão nem sequer ser
concluídos.
O PSD, aliás, já
se posicionou para suceder aos socialistas. Em reacção à demissão de Alexandra
Reis, o vice-presidente Miguel Pinto Luz declarou esta quarta-feira que os
ministros das Finanças e das Infra-Estruturas e Habitação estão “desprovidos de
capacidade política” e afirmou que, “se o Governo não inverter o rumo
rapidamente, não restará ao PSD outra alternativa que não assumir
responsabilidades”.
O líder do Chega,
André Ventura, falou, por seu lado, num “processo acelerado de desagregação” de
um governo que “começa a perder autoridade política” e que “politicamente está
muito fragilizado”.
Com Sofia
Rodrigues e Liliana Borges
Notícia
actualizada com demissão de Pedro Nuno Santos
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