quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Empresas criadas para obtenção de “vistos gold” liquidadas ao fim de poucos anos

 



INVESTIMENTO

Empresas criadas para obtenção de “vistos gold” liquidadas ao fim de poucos anos

 

Das 22 empresas criadas para obtenção de “vistos gold”, pelo menos quatro já foram liquidadas, das quais três não cumpriram o período mínimo exigido para a manutenção da autorização de residência.

 

Rafaela Burd Relvas

28 de Dezembro de 2022, 6:52

https://www.publico.pt/2022/12/28/economia/noticia/empresas-criadas-obtencao-vistos-gold-liquidadas-fim-anos-2031917

 

Desde 2012, foram concedidos 11.384 vistos "gold", que resultaram num investimento total superior a 6674 milhões de euros

 

Em dez anos, os 22 “vistos gold” concedidos para a criação de um número mínimo de dez postos de trabalho, uma das modalidades previstas no regime de autorização de residência para investimento (ARI), resultaram na criação de 280 empregos – é o equivalente a uma média de menos de 13 empregos por cada empresa criada no âmbito deste programa, ligeiramente acima do mínimo exigido. Mas, mais do que isso, algumas das já de si poucas empresas criadas para obtenção dos vistos acabaram por mudar de mãos ou mesmo por ser liquidadas ao fim de poucos anos depois de terem sido constituídas. Os detentores destes títulos de residência que não tenham cumprido o período mínimo de investimento previsto na lei, assegura o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), perderam os vistos.

 

Há vários anos que os dados do SEF, entidade que trata a informação estatística relativa à concessão de “vistos gold”, mostram que o programa serviu, essencialmente, para atrair investimento estrangeiro em imobiliário.

 

Das 11.384 autorizações de residência concedidas entre Outubro de 2012, quando o programa foi lançado, e Novembro de 2022, último mês para o qual já existem dados disponíveis, resultou um investimento total superior a 6674 milhões de euros. Destes 10.488 vistos destinaram-se à aquisição de bens imóveis, num investimento total de 5981 milhões de euros, o equivalente a quase 90% do montante total investido no âmbito deste programa.

 

Outros 874 “vistos gold” foram obtidos através da transferência de capitais, num investimento total de 693 milhões de euros, e as últimas 22 autorizações de residência foram concedidas a cidadãos que criaram um mínimo de dez postos de trabalho.

 

O SEF não divulga, nestas estatísticas, quantos postos de trabalho foram criados, nem o nome das empresas criadas neste âmbito. Mas, tal como já adiantou recentemente ao PÚBLICO, estes 22 vistos resultaram na criação de 280 empregos; ao mesmo tempo, uma troca de correspondência entre o SEF e a associação de combate à corrupção Transparência Internacional Portugal, datada de 2020 e a que o PÚBLICO teve acesso, revela o nome das 16 empresas que, naquela altura, tinham sido criadas para obtenção de “vistos gold”.

 

Foram essas 16 empresas que o PÚBLICO analisou, com base na documentação relativa a actos societários disponível no portal do Ministério da Justiça. Entre estas, duas foram constituídas muito antes da entrada em vigor do programa de “vistos gold”, uma mudou de mãos, não sendo certo o que aconteceu ao fundador, e outras quatro já foram liquidadas (três das quais menos de cinco anos depois de terem sido constituídas, o período mínimo de investimento exigido para a manutenção da autorização de residência).

 

A primeira situação (criadas antes da entrada em vigor do programa) diz respeito às empresas Beyond Fresh, fundada no Porto em 2011 e dedicada ao sector do comércio a retalho de equipamentos de telecomunicações e outros produtos, e Marsilto, firma de construção sediada em Lisboa, criada em 2002. Contactada, a Marsilto não respondeu às questões postas.

 

Já a Beyond Fresh respondeu que “não tem nada que ver com ‘vistos gold’” e que a informação fornecida pelo SEF “não é verdadeira”. Disse ainda que “os sócios são estrangeiros, mas isso não implica que estejam ligados à obtenção de ‘vistos gold’”.

 

Contactado directamente, o sócio fundador desta empresa também começou por dizer que não foram criados empregos para obtenção de “vistos gold”. Mas acrescentou: “A empresa tem 90 postos de trabalho, mas não me lembro se foram criados para obtenção de ‘vistos gold’.” Contudo, o SEF confirmou ao PÚBLICO o número de identificação fiscal da empresa em causa, que corresponde ao da Beyond Fresh, e esclareceu que foram criados dez postos de trabalho na mesma (o mínimo exigido) para a obtenção de “visto gold”.

 

Sobre o facto de estas duas empresas terem sido constituídas antes da entrada em vigor da lei dos “vistos gold”, o SEF esclarece que “o que explica a concessão de ARI é a criação de, pelo menos, dez postos de trabalho e, nesse contexto, a existência da empresa antes da vigência do programa é irrelevante”. E especifica: “Para um pedido de ARI por via da criação de, pelo menos, dez postos de trabalho, o requerente tem de assinar uma declaração sob compromisso de honra, pela qual declara que cumprirá os requisitos quantitativos e temporais mínimos (cinco anos) da actividade de investimento em território nacional.”

 

Nos termos da lei de estrangeiros, acrescenta ainda o SEF, “a autorização de residência para actividade de investimento é renovada por períodos de dois anos, desde que o requerente comprove manter os requisitos”. Caso tal não se verifique, “a ARI não é renovada e o respectivo titular perde esse direito”.

 

Por fim, explica o SEF, “o investimento escolhido pelo requerente da ARI deve encontrar-se realizado no momento da apresentação do pedido de autorização de residência”, pelo que, nestes casos, “os postos de trabalho devem estar criados à data de entrada do pedido ARI”.

 

Autorizações retiradas

Já a empresa que mudou de accionista é a Paymentwall Portugal, dedicada a serviços de pagamentos. Fundada em 2016, em Lisboa, por um cidadão ucraniano – que assumiu os cargos de gerente e titular único da empresa, constituída com um capital de 1000 euros –, a empresa acabou por mudar de mãos em 2019, quando este cidadão resignou ao cargo de gerente e o mesmo foi assumido por outro cidadão estrangeiro. Não é claro se o detentor original do “visto gold” se manteve como sócio da empresa, uma questão posta pelo PÚBLICO à Paymentwall, que não respondeu em tempo útil.

 

Sobram ainda outras quatro empresas criadas para obtenção de “vistos gold”, que, entretanto, já desapareceram.

 

A Amouri Services é a única destas em que o investimento se manteve por mais do que cinco anos. Fundada em 2013, em Águeda, por dois cidadãos argelinos, a lista de serviços que prestava era extensa. “Concepção de máquinas, aparelhos e instalações industriais; consultoria no âmbito da elaboração de projectos de engenharia industrial, fabricação de máquinas e de equipamentos para indústrias dos materiais de construção, cerâmica e de vidro; instalação especializada de maquinaria num complexo industrial; desmantelamento de maquinaria e equipamentos; montagem de equipamento de controlo de processos industriais, de equipamento de elevação e movimentação, de balanças e equipamento de pesagem, de equipamento industrial de refrigeração e ventilação, de fornos e queimadores; motores, geradores e transformadores eléctricos”, é a descrição encontrada na documentação de constituição de empresa disponibilizada no portal do Ministério da Justiça.

 

A sociedade ainda mudou de nome, em 2015, para Aladtc Services, antes de ser dissolvida e liquidada, em 2020.

 

Todas as restantes sobreviveram por menos de cinco anos: a Diversity Trading, criada em 2015 em Lisboa e liquidada em 2017, que actuava na importação e exportação de produtos não especificados; Paraíso das Letras, empresa da área da educação e formação profissional, fundada em 2016 em Lisboa e liquidada em 2019; e a 1818 Engineering, consultora das áreas de tecnologias de informação e engenharia, constituída em 2017 em Cascais e liquidada em 2020.

 

Ao PÚBLICO o SEF explica que, “tendo a empresa em causa cessado actividade antes dos cinco anos, o seu titular perde direito à autorização de residência por via do programa ARI”.

 

O SEF foi ainda questionado sobre as restantes seis empresas entretanto criadas entre 2020 e Novembro deste ano, mas respondeu apenas que o pedido será avaliado, “podendo estar em causa a lei da protecção de dados”. Assim, fica por saber se estas seis empresas se mantêm em actividade, bem como quais as suas áreas de actuação. Com Marta Moitinho Oliveira

 


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