INVESTIMENTO
Empresas criadas para obtenção de “vistos gold”
liquidadas ao fim de poucos anos
Das 22 empresas criadas para obtenção de “vistos gold”,
pelo menos quatro já foram liquidadas, das quais três não cumpriram o período
mínimo exigido para a manutenção da autorização de residência.
Rafaela Burd Relvas
28 de Dezembro de
2022, 6:52
Desde 2012, foram concedidos 11.384 vistos "gold",
que resultaram num investimento total superior a 6674 milhões de euros
Em dez anos, os
22 “vistos gold” concedidos para a criação de um número mínimo de dez postos de
trabalho, uma das modalidades previstas no regime de autorização de residência
para investimento (ARI), resultaram na criação de 280 empregos – é o
equivalente a uma média de menos de 13 empregos por cada empresa criada no
âmbito deste programa, ligeiramente acima do mínimo exigido. Mas, mais do que
isso, algumas das já de si poucas empresas criadas para obtenção dos vistos
acabaram por mudar de mãos ou mesmo por ser liquidadas ao fim de poucos anos
depois de terem sido constituídas. Os detentores destes títulos de residência
que não tenham cumprido o período mínimo de investimento previsto na lei,
assegura o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), perderam os vistos.
Há vários anos
que os dados do SEF, entidade que trata a informação estatística relativa à
concessão de “vistos gold”, mostram que o programa serviu, essencialmente, para
atrair investimento estrangeiro em imobiliário.
Das 11.384
autorizações de residência concedidas entre Outubro de 2012, quando o programa
foi lançado, e Novembro de 2022, último mês para o qual já existem dados
disponíveis, resultou um investimento total superior a 6674 milhões de euros.
Destes 10.488 vistos destinaram-se à aquisição de bens imóveis, num
investimento total de 5981 milhões de euros, o equivalente a quase 90% do
montante total investido no âmbito deste programa.
Outros 874
“vistos gold” foram obtidos através da transferência de capitais, num
investimento total de 693 milhões de euros, e as últimas 22 autorizações de
residência foram concedidas a cidadãos que criaram um mínimo de dez postos de
trabalho.
O SEF não
divulga, nestas estatísticas, quantos postos de trabalho foram criados, nem o
nome das empresas criadas neste âmbito. Mas, tal como já adiantou recentemente
ao PÚBLICO, estes 22 vistos resultaram na criação de 280 empregos; ao mesmo
tempo, uma troca de correspondência entre o SEF e a associação de combate à
corrupção Transparência Internacional Portugal, datada de 2020 e a que o
PÚBLICO teve acesso, revela o nome das 16 empresas que, naquela altura, tinham
sido criadas para obtenção de “vistos gold”.
Foram essas 16
empresas que o PÚBLICO analisou, com base na documentação relativa a actos
societários disponível no portal do Ministério da Justiça. Entre estas, duas
foram constituídas muito antes da entrada em vigor do programa de “vistos
gold”, uma mudou de mãos, não sendo certo o que aconteceu ao fundador, e outras
quatro já foram liquidadas (três das quais menos de cinco anos depois de terem
sido constituídas, o período mínimo de investimento exigido para a manutenção
da autorização de residência).
A primeira
situação (criadas antes da entrada em vigor do programa) diz respeito às
empresas Beyond Fresh, fundada no Porto em 2011 e dedicada ao sector do
comércio a retalho de equipamentos de telecomunicações e outros produtos, e
Marsilto, firma de construção sediada em Lisboa, criada em 2002. Contactada, a
Marsilto não respondeu às questões postas.
Já a Beyond Fresh
respondeu que “não tem nada que ver com ‘vistos gold’” e que a informação
fornecida pelo SEF “não é verdadeira”. Disse ainda que “os sócios são
estrangeiros, mas isso não implica que estejam ligados à obtenção de ‘vistos
gold’”.
Contactado
directamente, o sócio fundador desta empresa também começou por dizer que não
foram criados empregos para obtenção de “vistos gold”. Mas acrescentou: “A
empresa tem 90 postos de trabalho, mas não me lembro se foram criados para
obtenção de ‘vistos gold’.” Contudo, o SEF confirmou ao PÚBLICO o número de
identificação fiscal da empresa em causa, que corresponde ao da Beyond Fresh, e
esclareceu que foram criados dez postos de trabalho na mesma (o mínimo exigido)
para a obtenção de “visto gold”.
Sobre o facto de
estas duas empresas terem sido constituídas antes da entrada em vigor da lei
dos “vistos gold”, o SEF esclarece que “o que explica a concessão de ARI é a
criação de, pelo menos, dez postos de trabalho e, nesse contexto, a existência
da empresa antes da vigência do programa é irrelevante”. E especifica: “Para um
pedido de ARI por via da criação de, pelo menos, dez postos de trabalho, o
requerente tem de assinar uma declaração sob compromisso de honra, pela qual
declara que cumprirá os requisitos quantitativos e temporais mínimos (cinco
anos) da actividade de investimento em território nacional.”
Nos termos da lei
de estrangeiros, acrescenta ainda o SEF, “a autorização de residência para
actividade de investimento é renovada por períodos de dois anos, desde que o
requerente comprove manter os requisitos”. Caso tal não se verifique, “a ARI
não é renovada e o respectivo titular perde esse direito”.
Por fim, explica
o SEF, “o investimento escolhido pelo requerente da ARI deve encontrar-se
realizado no momento da apresentação do pedido de autorização de residência”,
pelo que, nestes casos, “os postos de trabalho devem estar criados à data de
entrada do pedido ARI”.
Autorizações retiradas
Já a empresa que
mudou de accionista é a Paymentwall Portugal, dedicada a serviços de
pagamentos. Fundada em 2016, em Lisboa, por um cidadão ucraniano – que assumiu
os cargos de gerente e titular único da empresa, constituída com um capital de
1000 euros –, a empresa acabou por mudar de mãos em 2019, quando este cidadão
resignou ao cargo de gerente e o mesmo foi assumido por outro cidadão
estrangeiro. Não é claro se o detentor original do “visto gold” se manteve como
sócio da empresa, uma questão posta pelo PÚBLICO à Paymentwall, que não
respondeu em tempo útil.
Sobram ainda
outras quatro empresas criadas para obtenção de “vistos gold”, que, entretanto,
já desapareceram.
A Amouri Services
é a única destas em que o investimento se manteve por mais do que cinco anos.
Fundada em 2013, em Águeda, por dois cidadãos argelinos, a lista de serviços
que prestava era extensa. “Concepção de máquinas, aparelhos e instalações
industriais; consultoria no âmbito da elaboração de projectos de engenharia
industrial, fabricação de máquinas e de equipamentos para indústrias dos
materiais de construção, cerâmica e de vidro; instalação especializada de
maquinaria num complexo industrial; desmantelamento de maquinaria e
equipamentos; montagem de equipamento de controlo de processos industriais, de
equipamento de elevação e movimentação, de balanças e equipamento de pesagem,
de equipamento industrial de refrigeração e ventilação, de fornos e
queimadores; motores, geradores e transformadores eléctricos”, é a descrição
encontrada na documentação de constituição de empresa disponibilizada no portal
do Ministério da Justiça.
A sociedade ainda
mudou de nome, em 2015, para Aladtc Services, antes de ser dissolvida e
liquidada, em 2020.
Todas as
restantes sobreviveram por menos de cinco anos: a Diversity Trading, criada em
2015 em Lisboa e liquidada em 2017, que actuava na importação e exportação de
produtos não especificados; Paraíso das Letras, empresa da área da educação e
formação profissional, fundada em 2016 em Lisboa e liquidada em 2019; e a 1818
Engineering, consultora das áreas de tecnologias de informação e engenharia,
constituída em 2017 em Cascais e liquidada em 2020.
Ao PÚBLICO o SEF
explica que, “tendo a empresa em causa cessado actividade antes dos cinco anos,
o seu titular perde direito à autorização de residência por via do programa
ARI”.
O SEF foi ainda
questionado sobre as restantes seis empresas entretanto criadas entre 2020 e
Novembro deste ano, mas respondeu apenas que o pedido será avaliado, “podendo
estar em causa a lei da protecção de dados”. Assim, fica por saber se estas
seis empresas se mantêm em actividade, bem como quais as suas áreas de
actuação. Com Marta Moitinho Oliveira
Sem comentários:
Enviar um comentário