OPINIÃO
O caso Alexandra Reis: isto é gozar com quem trabalha
Como Alexandra Reis foi, de facto, simpática e saiu a bem
da TAP para abraçar “novos desafios”, logo os dois ministros que tutelam a TAP
lhe ofereceram um novo desafio.
João Miguel
Tavares
26 de Dezembro de
2022, 19:14
https://www.publico.pt/2022/12/26/opiniao/opiniao/caso-alexandra-reis-gozar-trabalha-2032769
Tudo começa com
uma mentira, que é a mentira mais usada e coçada do Estado português: sempre
que alguém abandona um cargo de confiança política, a demissão deve-se
invariavelmente a “motivos pessoais”. Nunca, mas nunca, há secretário de
Estado, director-geral ou administrador de empresa pública que saia antes do
final do mandato porque simplesmente foi despedido, empurrado ou escorraçado
por um ministro ou pelo novo chefe. É claro que eles foram mesmo despedidos,
empurrados ou escorraçados, mas aquilo que surge escrito na pia nota para a
comunicação social ou para a CMVM é um singelo: o senhor X ou a senhora Y
apresentaram a sua demissão “por motivos pessoais”. E está feito.
Esta manifesta
hipocrisia passa por boa educação. É uma espécie de acordo de cavalheiros na
hora da despedida, que permite “sair a bem”, outra actividade muito apreciada
num país pequeno, no qual manda a prudência que as pessoas não se zanguem
demasiado umas com as outras. Só que desta vez a hipocrisia virou-se contra
Alexandra Reis, secretária de Estado do Tesouro em Dezembro de 2022, presidente
da Navegação Aérea de Portugal (NAV) em Junho de 2022 e administradora da TAP
em Fevereiro de 2022, que deve andar esgotada só de actualizar o LinkedIn.
A nota que a TAP
enviou para a CMVM a 4 de Fevereiro diz assim: “Alexandra Reis, vogal e membro
do conselho de administração e comissão executiva da TAP, apresentou hoje a
renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e
abraçando novos desafios.” Ora, em bom português, isto significa que foi
Alexandra quem renunciou. Foi ela que decidiu encerrar o capítulo TAP. Foi ela
que quis muito ir abraçar “novos desafios”. E aí o povo pergunta, cheiinho de
razão: então, por que raio é que a senhora recebeu meio milhão de euros de
indemnização? Não foi ela que se quis ir embora? Não é isso que está escrito no
comunicado? Porque é que cada um dos dez milhões de habitantes deste país à
beira-mar plantado foi chamado a colocar cinco cêntimos no porta-moedas da
actual secretária de Estado do Tesouro? O que é que eu tenho, afinal, que ver
com esse peditório?
A resposta é
esta: o caro leitor e contribuinte tem que ver com esse peditório porque não
foi Alexandra Reis que se quis ir embora, como é óbvio. Ela entrou para a
administração da TAP em 2020, após as saídas de Humberto e David Pedrosa (do
grupo Barraqueiro), e renunciou ao cargo meio ano após a nova CEO da companhia,
Christine Ourmières-Widener, assumir a liderança da TAP – com altíssima
probabilidade, por divergências estratégicas com ela, daí o meio milhão de
indemnização que a empresa teve de pagar.
E como Alexandra
Reis foi, de facto, simpática e saiu a bem da TAP para abraçar “novos
desafios”, logo os dois ministros que tutelam a TAP (o das Infra-Estruturas, a
nível sectorial, e o das Finanças, a nível financeiro) lhe ofereceram um novo
desafio para abraçar: a presidência da igualmente por eles tutelada NAV, onde
Alexandra apenas se manteve cinco meses, porque entretanto o ministro das
Finanças gostou tanto dela que lhe ofereceu a pasta do Tesouro, na sequência da
ida de António Mendonça Mendes para a coordenação do Governo.
E como são sempre
as mesmas caras em todo o lado, a girarem à volta das mesmas mesas, o resultado
está à vista: neste contexto, a indemnização de meio milhão é realmente uma
vergonha para quem trabalha e um novo problema político para António Costa
resolver. Boa sorte para ele.
O autor é colunista do PÚBLICO
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