terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O caso Alexandra Reis: isto é gozar com quem trabalha

 



OPINIÃO

O caso Alexandra Reis: isto é gozar com quem trabalha

 

Como Alexandra Reis foi, de facto, simpática e saiu a bem da TAP para abraçar “novos desafios”, logo os dois ministros que tutelam a TAP lhe ofereceram um novo desafio.

 

João Miguel Tavares

26 de Dezembro de 2022, 19:14

https://www.publico.pt/2022/12/26/opiniao/opiniao/caso-alexandra-reis-gozar-trabalha-2032769

 

Tudo começa com uma mentira, que é a mentira mais usada e coçada do Estado português: sempre que alguém abandona um cargo de confiança política, a demissão deve-se invariavelmente a “motivos pessoais”. Nunca, mas nunca, há secretário de Estado, director-geral ou administrador de empresa pública que saia antes do final do mandato porque simplesmente foi despedido, empurrado ou escorraçado por um ministro ou pelo novo chefe. É claro que eles foram mesmo despedidos, empurrados ou escorraçados, mas aquilo que surge escrito na pia nota para a comunicação social ou para a CMVM é um singelo: o senhor X ou a senhora Y apresentaram a sua demissão “por motivos pessoais”. E está feito.

 

Esta manifesta hipocrisia passa por boa educação. É uma espécie de acordo de cavalheiros na hora da despedida, que permite “sair a bem”, outra actividade muito apreciada num país pequeno, no qual manda a prudência que as pessoas não se zanguem demasiado umas com as outras. Só que desta vez a hipocrisia virou-se contra Alexandra Reis, secretária de Estado do Tesouro em Dezembro de 2022, presidente da Navegação Aérea de Portugal (NAV) em Junho de 2022 e administradora da TAP em Fevereiro de 2022, que deve andar esgotada só de actualizar o LinkedIn.

 

A nota que a TAP enviou para a CMVM a 4 de Fevereiro diz assim: “Alexandra Reis, vogal e membro do conselho de administração e comissão executiva da TAP, apresentou hoje a renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando novos desafios.” Ora, em bom português, isto significa que foi Alexandra quem renunciou. Foi ela que decidiu encerrar o capítulo TAP. Foi ela que quis muito ir abraçar “novos desafios”. E aí o povo pergunta, cheiinho de razão: então, por que raio é que a senhora recebeu meio milhão de euros de indemnização? Não foi ela que se quis ir embora? Não é isso que está escrito no comunicado? Porque é que cada um dos dez milhões de habitantes deste país à beira-mar plantado foi chamado a colocar cinco cêntimos no porta-moedas da actual secretária de Estado do Tesouro? O que é que eu tenho, afinal, que ver com esse peditório?

 

A resposta é esta: o caro leitor e contribuinte tem que ver com esse peditório porque não foi Alexandra Reis que se quis ir embora, como é óbvio. Ela entrou para a administração da TAP em 2020, após as saídas de Humberto e David Pedrosa (do grupo Barraqueiro), e renunciou ao cargo meio ano após a nova CEO da companhia, Christine Ourmières-Widener, assumir a liderança da TAP – com altíssima probabilidade, por divergências estratégicas com ela, daí o meio milhão de indemnização que a empresa teve de pagar.

 

E como Alexandra Reis foi, de facto, simpática e saiu a bem da TAP para abraçar “novos desafios”, logo os dois ministros que tutelam a TAP (o das Infra-Estruturas, a nível sectorial, e o das Finanças, a nível financeiro) lhe ofereceram um novo desafio para abraçar: a presidência da igualmente por eles tutelada NAV, onde Alexandra apenas se manteve cinco meses, porque entretanto o ministro das Finanças gostou tanto dela que lhe ofereceu a pasta do Tesouro, na sequência da ida de António Mendonça Mendes para a coordenação do Governo.

 

 

 

 

E como são sempre as mesmas caras em todo o lado, a girarem à volta das mesmas mesas, o resultado está à vista: neste contexto, a indemnização de meio milhão é realmente uma vergonha para quem trabalha e um novo problema político para António Costa resolver. Boa sorte para ele.

 

O autor é colunista do PÚBLICO

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