terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Finanças têm de decidir se Alexandra Reis fica com pasta da TAP

 


EMPRESAS PÚBLICAS

Finanças têm de decidir se Alexandra Reis fica com pasta da TAP

 

Injecção dos últimos 990 milhões e privatização da empresa devem passar pelo Tesouro, cuja Secretaria de Estado é agora da ex-administradora. Governo pediu dados sobre indemnização.

 

Luís Villalobos

27 de Dezembro de 2022, 6:02

https://www.publico.pt/2022/12/27/economia/noticia/financas-decidir-alexandra-reis-fica-pasta-tap-2032805

 

Estado detém 100% da TAP, de onde a governante saiu com indemnização de 500 mil euros

 

Em Fevereiro deste ano, Alexandra Reis apresentou a sua renúncia ao cargo de administradora executiva da TAP, levando consigo, sabe-se hoje, depois de uma notícia do Correio da Manhã, o direito a uma indemnização de meio milhão de euros. Agora, dez meses depois, é por ela que deve passar, enquanto secretária de Estado do Tesouro, a última fatia do empréstimo à transportadora aérea do Estado, no valor de 990 milhões de euros, algo que está planeado ocorrer esta semana (completando assim a ajuda de Estado de 3200 milhões autorizada por Bruxelas).

 

Uma vez passado o último cheque, Alexandra Reis posiciona-se também para ter um papel importante a desempenhar no processo de privatização da companhia aérea que deverá ocorrer nos próximos dois anos – e que tem um enorme impacto político e na opinião pública. Isto, no entanto, está dependente da confirmação oficial, uma vez que ainda não foi publicada a delegação de competências de Alexandra Reis enquanto secretária de Estado do Tesouro (iniciou funções a 2 de Dezembro).

 

No caso do seu antecessor, João Nuno Mendes, actual secretário de Estado das Finanças, estava claro que era esta pasta que supervisionava a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) e as “empresas públicas e empresas participadas que integram o sector empresarial do Estado”, como é o caso da TAP.

 

O PÚBLICO questionou as Finanças sobre se se mantém tudo como tem sido até agora, com a TAP no Tesouro, e se Alexandra Reis tem algum tipo de incompatibilidade em relação à transportadora (no sentido de delegar em outra pessoa das Finanças, quando se tratar de matérias ligadas à empresa), mas não obteve resposta. Também as perguntas enviadas à TAP ficaram por responder. Enquanto empresa estatal, a tutela da TAP está dividida entre Finanças (é a DGTF quem controla a TAP) e o Ministério das Infra-Estruturas, de Pedro Nuno Santos.

 

Segundo as informações recolhidas pelo PÚBLICO, a renúncia de Alexandra Reis da TAP ocorreu depois de uma falta de entendimento com a presidente da transportadora aérea, Christine Ourmières-Widener, com a qual trabalhou apenas oito meses, após cerca de quatros anos na empresa. Isso, aliás, acabou por ser confirmado pelas informações prestadas à Lusa por Alexandra Reis, quando afirmou que a saída do cargo de administradora e a revogação do contrato de trabalho foram “solicitadas pela TAP”. O próprio Presidente da República já afirmara que a saída não tinha sido a “pedido da própria".

 

Secretária de Estado fala em legalidade

De acordo com os dados da TAP referentes a 2021, Alexandra Reis, tal como os restantes membros da comissão executiva liderada por Ourmières-Widener formada para durar pelo menos entre 2021 e 2024, estava a receber 245 mil euros por ano, pelo que a indemnização em causa corresponde a dois anos de salário.

 

“Tendo sido nomeada pelos anteriores accionistas, e na sequência da alteração da estrutura societária da TAP, Alexandra Reis, vogal e membro do conselho de administração e comissão executiva da TAP, apresentou hoje renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios”, referiu o comunicado emitido pela companhia em Fevereiro deste ano.

 

Nunca aceitei – e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga – qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei

Alexandra Reis, secretária de Estado do Tesouro e ex-administradora executiva da TAP

 

Diversos partidos já vieram pedir explicações por parte do Governo, que solicitou esta segunda-feira à TAP, por via de um despacho do próprio Ministério das Finanças e do Ministério das Infra-Estruturas, “informação sobre o enquadramento jurídico do acordo celebrado no âmbito da cessação de funções” de Alexandra Reis e “o apuramento do montante indemnizatório atribuído”. No entanto, segundo as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o acordo entre Alexandra Reis e a TAP é confidencial. O PÚBLICO questionou as Finanças para saber se a secretária de Estado aceitou a divulgação do que foi pedido pelo Governo, mas não obteve resposta.

 

“Nunca aceitei – e devolveria de imediato, caso já me tivesse sido paga – qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei”, sublinhou Alexandra Reis à Lusa, garantindo que “esse princípio se aplica também aos termos” da sua “cessação de funções na TAP”.

 

Nomeada pelo Governo para outra empresa pública

Nascida em 1974, a actual secretária de Estado do Tesouro é licenciada em Engenharia Electrónica e Telecomunicações pela Universidade de Aveiro, tendo depois concluído, segundo o seu CV, um “Executive Master in Business Administration (eMBA) pelo IESE-AESE Business School” e dois programas avançados, um dos quais em “Negociação e Influência” pela Stanford Graduate School of Business. A sua entrada na TAP deu-se em Setembro de 2017, quando a empresa era gerida pelos accionistas privados, David Neeleman e Humberto Pedrosa, com o cargo de “chief procurement and real estate officer da TAP Air Portugal”. Antes tinha estado na Netjets, depois de passar pela REN, PT e Alcatel.

 

A sua ascensão à comissão executiva dá-se com a saída de Humberto Pedrosa e de David Pedrosa da administração da TAP (Humberto Pedrosa era não executivo, cabendo ao seu filho, David, a presença na comissão executiva) em Outubro de 2020. Nesse mês, em vésperas de reforço do Estado no capital da TAP, que voltou a ser então uma empresa pública, dá-se a troca de David Pedrosa por Alexandra Reis devido à mudança de regras que passaram a reger a empresa, nomeadamente ao nível de incompatibilidades dos gestores (Humberto Pedrosa é o dono e gestor da Barraqueiro, tendo o filho ao seu lado).

 

Enquanto administradora executiva, Alexandra Reis teve várias funções, incluindo, num determinado momento, a pasta financeira (é a gestora quem assina o comunicado a dar nota do reforço do Estado na TAP SA em Maio de 2021). Quatro meses depois de sair da TAP com direito a indemnização, Alexandra Reis foi escolhida pelo novo ministro das Finanças, Fernando Medina, e pelo ministro Pedro Nuno Santos para presidir à NAV, empresa pública que gere o espaço aéreo, onde ficou meia dúzia de meses até entrar no Governo ao lado de Medina (cuja mulher, Stéphanie Silva, ocupava o cargo de directora jurídica da TAP e do qual se demitiu em Março, quando o ex-presidente da Câmara de Lisboa tomou posse).

 

Sindicatos criticam

Do lado dos sindicatos da TAP, empresa que mantém um apertado controlo de custos e cortes salariais (25% acima dos 1410 euros), a notícia da indemnização foi mal recebida. “A ser verdade”, afirma José Sousa, do Sitava (pessoal de terra), “é claro que coloca a TAP e a tutela numa situação de grande incoerência.” O Sitava tem “uma proposta de reposição do poder compra dos salários perdido com a inflação, que passa entre outras coisas pela diminuição do corte nos salários de 25% para 20%”. “Esperamos que não venha agora a TAP, depois desta notícia, argumentar com a necessidade de reduzir custos de pessoal. Essa seria uma posição insustentável e de grande cinismo”, destaca este responsável sindical.

 

“[Esta é] mais uma decisão lamentável por parte do conselho de administração da TAP e que surge no seguimento de tantas outras, como a renovação e upgrade da frota automóvel ou a mudança de instalações (pensamos que, entretanto, revertida), lesivas do interesse da TAP e dos contribuintes portugueses”, fez saber o SPAC, o sindicato dos pilotos.

 

Ricardo Penarroias, presidente do SNPVAC, sindicato dos tripulantes de cabina, diz que “ao longo dos últimos meses têm sido vários os episódios que demonstram as razões que levaram à actual situação financeira da TAP”. “Como director sindical e como trabalhador do Grupo TAP, acaba por ser frustrante toda a promiscuidade de valores, de nomeações, e de indemnizações”, refere. “Ao longo destes meses temos sido confrontados por uma feroz rigidez financeira, quando o assunto é a melhoria das condições de trabalho”, acrescenta, falando de “uma total anarquia ou de decisões discutíveis, quando os assuntos são do foro administrativo”. “Os episódios vão-se sucedendo”, mas os trabalhadores “não vêem qualquer sinal de mudança”, diz.

 

André Teives, presidente do Sindicato dos Técnicos de Handling de Aeroportos, afirma que em “em termos legais quem se despede não tem direito a qualquer indemnização” e que a situação é “ética e moralmente reprovável”.

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