EMPRESAS PÚBLICAS
Finanças têm de decidir se Alexandra Reis fica com pasta
da TAP
Injecção dos últimos 990 milhões e privatização da
empresa devem passar pelo Tesouro, cuja Secretaria de Estado é agora da
ex-administradora. Governo pediu dados sobre indemnização.
Luís Villalobos
27 de Dezembro de
2022, 6:02
Estado detém 100% da TAP, de onde a governante saiu com
indemnização de 500 mil euros
Em Fevereiro
deste ano, Alexandra Reis apresentou a sua renúncia ao cargo de administradora
executiva da TAP, levando consigo, sabe-se hoje, depois de uma notícia do
Correio da Manhã, o direito a uma indemnização de meio milhão de euros. Agora,
dez meses depois, é por ela que deve passar, enquanto secretária de Estado do
Tesouro, a última fatia do empréstimo à transportadora aérea do Estado, no
valor de 990 milhões de euros, algo que está planeado ocorrer esta semana
(completando assim a ajuda de Estado de 3200 milhões autorizada por Bruxelas).
Uma vez passado o
último cheque, Alexandra Reis posiciona-se também para ter um papel importante
a desempenhar no processo de privatização da companhia aérea que deverá ocorrer
nos próximos dois anos – e que tem um enorme impacto político e na opinião
pública. Isto, no entanto, está dependente da confirmação oficial, uma vez que
ainda não foi publicada a delegação de competências de Alexandra Reis enquanto
secretária de Estado do Tesouro (iniciou funções a 2 de Dezembro).
No caso do seu
antecessor, João Nuno Mendes, actual secretário de Estado das Finanças, estava
claro que era esta pasta que supervisionava a Direcção-Geral do Tesouro e
Finanças (DGTF) e as “empresas públicas e empresas participadas que integram o
sector empresarial do Estado”, como é o caso da TAP.
O PÚBLICO
questionou as Finanças sobre se se mantém tudo como tem sido até agora, com a
TAP no Tesouro, e se Alexandra Reis tem algum tipo de incompatibilidade em
relação à transportadora (no sentido de delegar em outra pessoa das Finanças,
quando se tratar de matérias ligadas à empresa), mas não obteve resposta.
Também as perguntas enviadas à TAP ficaram por responder. Enquanto empresa
estatal, a tutela da TAP está dividida entre Finanças (é a DGTF quem controla a
TAP) e o Ministério das Infra-Estruturas, de Pedro Nuno Santos.
Segundo as
informações recolhidas pelo PÚBLICO, a renúncia de Alexandra Reis da TAP
ocorreu depois de uma falta de entendimento com a presidente da transportadora
aérea, Christine Ourmières-Widener, com a qual trabalhou apenas oito meses,
após cerca de quatros anos na empresa. Isso, aliás, acabou por ser confirmado pelas
informações prestadas à Lusa por Alexandra Reis, quando afirmou que a saída do
cargo de administradora e a revogação do contrato de trabalho foram
“solicitadas pela TAP”. O próprio Presidente da República já afirmara que a
saída não tinha sido a “pedido da própria".
Secretária de Estado fala em legalidade
De acordo com os
dados da TAP referentes a 2021, Alexandra Reis, tal como os restantes membros
da comissão executiva liderada por Ourmières-Widener formada para durar pelo
menos entre 2021 e 2024, estava a receber 245 mil euros por ano, pelo que a
indemnização em causa corresponde a dois anos de salário.
“Tendo sido
nomeada pelos anteriores accionistas, e na sequência da alteração da estrutura
societária da TAP, Alexandra Reis, vogal e membro do conselho de administração
e comissão executiva da TAP, apresentou hoje renúncia ao cargo, decidindo
encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos
desafios”, referiu o comunicado emitido pela companhia em Fevereiro deste ano.
Nunca aceitei – e devolveria de imediato caso já me
tivesse sido paga – qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta
de estar ancorada no estrito cumprimento da lei
Alexandra Reis, secretária de Estado do Tesouro e
ex-administradora executiva da TAP
Diversos partidos
já vieram pedir explicações por parte do Governo, que solicitou esta
segunda-feira à TAP, por via de um despacho do próprio Ministério das Finanças
e do Ministério das Infra-Estruturas, “informação sobre o enquadramento
jurídico do acordo celebrado no âmbito da cessação de funções” de Alexandra
Reis e “o apuramento do montante indemnizatório atribuído”. No entanto, segundo
as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o acordo entre Alexandra Reis e a TAP é
confidencial. O PÚBLICO questionou as Finanças para saber se a secretária de
Estado aceitou a divulgação do que foi pedido pelo Governo, mas não obteve
resposta.
“Nunca aceitei –
e devolveria de imediato, caso já me tivesse sido paga – qualquer quantia em
relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento
da lei”, sublinhou Alexandra Reis à Lusa, garantindo que “esse princípio se
aplica também aos termos” da sua “cessação de funções na TAP”.
Nomeada pelo Governo para outra empresa pública
Nascida em 1974,
a actual secretária de Estado do Tesouro é licenciada em Engenharia Electrónica
e Telecomunicações pela Universidade de Aveiro, tendo depois concluído, segundo
o seu CV, um “Executive Master in Business Administration (eMBA) pelo IESE-AESE
Business School” e dois programas avançados, um dos quais em “Negociação e
Influência” pela Stanford Graduate School of Business. A sua entrada na TAP
deu-se em Setembro de 2017, quando a empresa era gerida pelos accionistas
privados, David Neeleman e Humberto Pedrosa, com o cargo de “chief procurement
and real estate officer da TAP Air Portugal”. Antes tinha estado na Netjets,
depois de passar pela REN, PT e Alcatel.
A sua ascensão à
comissão executiva dá-se com a saída de Humberto Pedrosa e de David Pedrosa da
administração da TAP (Humberto Pedrosa era não executivo, cabendo ao seu filho,
David, a presença na comissão executiva) em Outubro de 2020. Nesse mês, em vésperas
de reforço do Estado no capital da TAP, que voltou a ser então uma empresa
pública, dá-se a troca de David Pedrosa por Alexandra Reis devido à mudança de
regras que passaram a reger a empresa, nomeadamente ao nível de
incompatibilidades dos gestores (Humberto Pedrosa é o dono e gestor da
Barraqueiro, tendo o filho ao seu lado).
Enquanto
administradora executiva, Alexandra Reis teve várias funções, incluindo, num
determinado momento, a pasta financeira (é a gestora quem assina o comunicado a
dar nota do reforço do Estado na TAP SA em Maio de 2021). Quatro meses depois
de sair da TAP com direito a indemnização, Alexandra Reis foi escolhida pelo
novo ministro das Finanças, Fernando Medina, e pelo ministro Pedro Nuno Santos
para presidir à NAV, empresa pública que gere o espaço aéreo, onde ficou meia
dúzia de meses até entrar no Governo ao lado de Medina (cuja mulher, Stéphanie
Silva, ocupava o cargo de directora jurídica da TAP e do qual se demitiu em
Março, quando o ex-presidente da Câmara de Lisboa tomou posse).
Sindicatos criticam
Do lado dos
sindicatos da TAP, empresa que mantém um apertado controlo de custos e cortes
salariais (25% acima dos 1410 euros), a notícia da indemnização foi mal
recebida. “A ser verdade”, afirma José Sousa, do Sitava (pessoal de terra), “é
claro que coloca a TAP e a tutela numa situação de grande incoerência.” O
Sitava tem “uma proposta de reposição do poder compra dos salários perdido com
a inflação, que passa entre outras coisas pela diminuição do corte nos salários
de 25% para 20%”. “Esperamos que não venha agora a TAP, depois desta notícia,
argumentar com a necessidade de reduzir custos de pessoal. Essa seria uma
posição insustentável e de grande cinismo”, destaca este responsável sindical.
“[Esta é] mais
uma decisão lamentável por parte do conselho de administração da TAP e que
surge no seguimento de tantas outras, como a renovação e upgrade da frota
automóvel ou a mudança de instalações (pensamos que, entretanto, revertida),
lesivas do interesse da TAP e dos contribuintes portugueses”, fez saber o SPAC,
o sindicato dos pilotos.
Ricardo
Penarroias, presidente do SNPVAC, sindicato dos tripulantes de cabina, diz que
“ao longo dos últimos meses têm sido vários os episódios que demonstram as
razões que levaram à actual situação financeira da TAP”. “Como director
sindical e como trabalhador do Grupo TAP, acaba por ser frustrante toda a
promiscuidade de valores, de nomeações, e de indemnizações”, refere. “Ao longo
destes meses temos sido confrontados por uma feroz rigidez financeira, quando o
assunto é a melhoria das condições de trabalho”, acrescenta, falando de “uma
total anarquia ou de decisões discutíveis, quando os assuntos são do foro
administrativo”. “Os episódios vão-se sucedendo”, mas os trabalhadores “não
vêem qualquer sinal de mudança”, diz.
André Teives,
presidente do Sindicato dos Técnicos de Handling de Aeroportos, afirma que em
“em termos legais quem se despede não tem direito a qualquer indemnização” e
que a situação é “ética e moralmente reprovável”.
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