CORONAVÍRUS
O tempo corre contra ou a favor dos “coronabonds”?
A norte mantém-se a recusa de partilhar riscos que não
são seus e a sul teme-se a repetição de ajudas semelhantes às dadas pela
troika. Ao mesmo tempo que a crise aperta, a zona euro mostra dificuldades em
caminhar para um consenso
Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 1
de Abril de 2020, 6:08
Alguns dizem que
a crise actual é tão séria que é apenas uma questão de tempo até que a zona
euro se decida finalmente a avançar para uma verdadeira mutualização de dívida.
Outros respondem que, pelo contrário, não é possível dar um passo tão grande e
tão complexo como o lançamento de “eurobonds” a tempo de responder à crise
trazida pelo novo coronavírus. A Europa, mais uma vez, hesita sobre o que fazer
perante a crise e os quinze dias dados ao Eurogrupo liderado por Mário Centeno
para encontrar uma solução de consenso parecem, em simultâneo, serem pouco e
demasiado tempo.
Em confronto
estão duas visões diferentes sobre como é que os Estados devem obter o
financiamento de que precisam para tomar as medidas que limitem a dimensão da
crise económica já em curso na zona euro.
De um lado, entre
os países situados mais a sul, defende-se, perante um choque externo comum, que
dificilmente poderia ter sido antecipado por alguém, que os fundos usados pelos
Estados deveriam ser obtido de forma conjunta, partilhando os encargos e os
riscos, como forma de evitar que alguns países em situação mais frágil fiquem
especialmente sobrecarregados e comecem a ser pressionados pelos mercados.
Do outro lado,
tendencialmente mais a norte, a ideia é a de que, embora com algumas verbas a
virem de um fundo comum, cada país deve assumir, enquanto puder, os custos do
seu próprio financiamento, não fazendo os parceiros assumirem riscos que não
são seus.
Destas duas
visões resultaram dois tipos de propostas, que, embora com algumas semelhanças,
estão ainda longe de conseguir gerar o consenso entre todos os países da zona
euro.
Nove países,
entre os quais a França, Itália, Espanha e Portugal defendem o lançamento dos
“coronabonds”, o nome que é dado no contexto da actual crise aos já muitas
vezes sugeridos no passado “eurobonds”, títulos obrigacionistas emitidos em
conjunto pelos 19 países da zona euro.
Actualmente, cada
um dos Estados emite a sua própria dívida, a taxas de juros diferentes, ficando
responsável pelo pagamento do capital e dos juros. No caso de uma emissão
conjunta, com uma mutualização da dívida, todos os países garantiriam
financiamento à mesma taxa de juro e todos partilhariam o risco de ter de
responder em caso de um dos países ser incapaz de fazer face aos seus
compromissos.
Em princípio,
países como a Itália e Portugal beneficiariam de taxas de juro mais baixas do
que as que se praticam actualmente. Em contrapartida, países como a Alemanha ou
a Holanda, actualmente com taxas de juro negativas a 10 anos, poderiam ver os
seus custos agravarem-se ligeiramente.
Vários modelos
possíveis
Há vários tipos
de “coronabonds” que podem ser pensados. Guntram Wolff, director do think tank
europeu Bruegel, numa entrevista recente ao PÚBLICO, sugeria uma emissão de
pelo menos um bilião de euros, cujo capital nunca fosse pago, renovando-se a
dívida sempre, e em que cada país receberia os fundos e pagaria os juros de
acordo com a sua participação no capital do BCE. E garantia que é apenas uma
questão de tempo (e de agravamento da crise) até que a zona euro faça alguma
coisa do género.
Carlos Costa,
governador do Banco de Portugal, sugeria, por seu lado, que a emissão, de muito
longo prazo, fosse sendo amortizada, recorrendo a uma parcela do orçamento
europeu, isto é, os países iam pagando a dívida através das suas contribuições
europeias.
Os opositores
Este tipo de
sugestões de mutualização de dívida é no entanto recebida com uma oposição
consistente de quatro países em particular: Alemanha, Holanda, Áustria e
Finlândia.
Para os
responsáveis políticos destes países, a mutualização de dívida é uma forma de
caminhar para uma união monetária como transferências permanente e volumosas de
rendimento dos países mais ricos e mais disciplinados orçamentalmente para os
mais pobres e menos disciplinados.
Na actual crise,
causada por um factor externo que afectou todos ao mesmo tempo, dizem-se mais
dispostos a conceder apoios, mas a linha vermelha que traçaram até agora está
mesmo nos “coronabonds”.
Um dos últimos
argumentos apresentados é o de que não há tempo para pôr em prática uma medida
tão complexa.
Klaus Regling, o
alemão que lidera o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), defendeu esta
terça-feira em entrevista ao Financial Times que seriam precisos dois ou três
anos para que a zona euro pudesse concluir todas as alterações legislativas
necessárias para pôr uma nova instituição europeia a emitir “coronabonds” -
demasiado tempo para que pudesse ser útil no combate à actual crise.
Do norte, as
propostas de apoio e solidariedade que surgem são, numa primeira linha, a
utilização flexível dos fundos estruturais europeus, a utilização dos
empréstimos do Banco Europeu de Investimento e, em última análise, o recurso,
pelos países em dificuldades, aos mecanismos de emergência criados durante a
anterior crise e utilizados por países como a Grécia e Portugal.
Perante a
evidência de que o orçamento europeu e o BEI nunca terão uma dimensão sequer
próxima daquilo que é exigido pela crise, manifestaram abertura para um outro
tipo de solução: a utilização das linhas de crédito cautelares já existentes no
MEE, podendo cada país aceder, a taxas de juro reduzidas, a um financiamento
equivalente a 2% do seu PIB (4000 milhões de euros no caso de Portugal).
Na última reunião
do Eurogrupo, antes da cimeira de líderes, houve, de acordo com Mário Centeno,
um acordo “amplo” em relação a esta proposta, que depois acabou por ser
recusada na cimeira de líderes, com uma oposição particularmente forte da
Itália.
Regresso ao
passado
É uma versão
light de mutualização de dívida, em que, apesar de o valor total ser
relativamente baixo, os Estados podem realmente beneficiar de taxas de juro
mais baixas. No entanto tem, particularmente na Itália e nos países com a
experiência da troika, um problema: tem demasiadas semelhanças com os programas
de resgate do passado.
Em primeiro lugar
porque em vez de todos receberem o dinheiro, cada país tem de escolher
recebê-lo ficando sujeito a um estigma negativo nos mercados.
Depois porque,
nas linhas de crédito cautelares do MEE está prevista a imposição de condições
aos países. Na entrevista ao Financial Times, Klaus Regling garantiu que, dadas
as circunstâncias, as condições exigidas serão mínimas. “Deve estar presente um
compromisso de respeitar os mecanismos de vigilância europeus, não será mais do
que isso”, afirmou.
Esta garantia não
convence no entanto a Itália que parece ter desenhado a sua linha vermelha
claramente atrás desta proposta.
A Mário Centeno,
presidente do Eurogrupo, cabe-lhe a difícil tarefa de tentar encontrar uma
forma de gerar um consenso, a única maneira de se poder caminhar para algum
tipo de decisão. Esta terça-feira, numa carta enviada a todos os ministros das
Finanças da zona euro, o ministro português, num primeiro passo para a
preparação da reunião agendada para a próxima terça-feira, dia 7 de Abril,
sinalizou a intenção de ir mais longe na discussão de modelos de financiamento
comuns entre os Estados-membros, comprometendo-se desde já a avançar com novas
propostas “concretas, bem justificadas e efectivas” e traçando como objectivo
que o “inevitável” aumento da dívida pública em todos os países “não se torne
uma fonte de fragmentação”
Também esta
terça-feira, Charles Michel, Ursula von der Leyen e Christine Lagarde,
presidentes respectivamente, do Conselho Europeu, Comissão Europeia e Banco
Central Europeu, defenderam que “chegou a altura de pensar fora da caixa”.
“Qualquer opção que seja compatível com o Tratado da União Europeia deve ser
considerada”, disseram.
Já dos países que
parecem estar mais longe de uma posição de consenso, tanto surgem razões para
optimismo como para pessimismo. Em Itália, o ambiente em relação ao projecto do
euro voltou a deteriorar-se, existindo o receio de que as forças políticas
antieuropeístas voltem a conquistar terreno, o que força o actual governo a não
se mostrar disponível para grandes cedências.
Na Holanda,
depois da reacção muito negativa com que foram recebidas nos países do sul –
incluindo Portugal - as declarações do ministro das Finanças, assistiu-se a um
debate interno que promete suavizar a posição do país em Bruxelas.
Vários
responsáveis políticos integrantes da actual coligação governamental defenderam
uma maior abertura da Holanda a mecanismos extraordinários de apoio entre os
diversos países europeus. E o governador do banco central, uma figura
respeitada a nível económico, assumiu a posição, que é quase generalizada entre
os bancos centrais da zona euro, de que os Estados devem procurar formas,
incluindo a mutualização de dívida, para poderem responder à crise, não
deixando apenas para o BCE o encargo de evitar subidas descontroladas das taxas
de juro em países como a Itália.
O próprio ministro
das Finanças holandês reconheceu que as suas declarações sobre a falta de
capacidade orçamental de Espanha e Itália para fazerem frente à pandemia do
novo coronavírus foram “mal recebidas” e revelaram “pouca compaixão”. Ainda
assim, reafirmou a sua oposição a qualquer ideia mais ambiciosa de mutualização
de dívida. “Os ‘coronabonds’ ou ‘eurobonds’, seja qual for o nome, não são uma
solução prudente. É uma solução para um problema que não existe neste momento”,
disse.
|
Sem comentários:
Enviar um comentário