PS
redescobre a social-democracia
São José Almeida / 6-6-2016
/ PÚBLICO
O XXI Congresso do
PS foi um dos conclaves com mais debate ideológico dos largos
últimos anos. Sob a aparência do unanimismo - e com apenas uma
figura da primeira linha do partido, Francisco Assis, a subir ao
palco para discordar -, o PS de António Costa subiu um degrau na
redefinição do partido, nomeadamente no domínio ideológico.
O processo foi
transparente e passou sempre pelo palco do Congresso e não pelos
bastidores. Perante uma União Europeia (UE) em que as directivas
neoliberais do PPE e da direita europeia imperam, o PS só pode ter
uma posição crítica. O próprio Costa o garantiu no encerramento,
ao defender que é “afirmando uma alternativa e não capitulando
perante o neoliberalismo” que o PS quer permanecer na UE.
Esclarecendo, porém, que “fora do quadro da UE, é impossível ser
socialista”.
A nova atitude
crítica do PS em relação às orientações neoliberais da UE teve
como representante principal no debate do Congresso o eurodeputado
Pedro Silva Pereira e como principal crítico Francisco Assis. E se
Assis alertou para os riscos da contaminação “populista” pela
proximidade com o PCP e o BE, Silva Pereira foi peremptório a
afirmar que “defender uma mudança na política económica e
financeira não é aderir a nenhuma retórica anti-europeia, é
salvar o projecto europeu”. Isto depois dos seguristas Ana Gomes e
Carlos Zorrinho terem defendido uma outra Europa, tendo Zorrinho
feito questão de garantir: “Não há uma Bruxelas, mas há muitas,
e nós estamos do lado certo da história.”
Em contrapartida, e
no momento em que assume que não aceita mais estar contaminado e
agir politicamente de acordo com a influência neoliberal, o PS
enterra o que ainda pudesse restar de Terceira Via, de Tony Blair a
Gerhard Schröder, e assumese como o bastião da defesa do Estado
Social num regresso ao ideário social-democrata. Foi mesmo curioso e
simbólico ouvir de novo ser citado Olof Palme num congresso do PS,
no caso por Manuel Alegre.
Como simbólico foi
ver António Guterres, que enquanto líder do PS (1992-2001)
antecipou e integrou a Terceira Via, voltar a entrar numa sala
congressual do partido que liderou, catorze anos depois de se ter
demitido e prefeitos dezasseis anos sobre o seu derradeiro conclave.
Uma geração depois e quando é líder aquele que será
provavelmente o último secretário-geral do PS que com ele trabalhou
e cujas direcções e governos integrou, Guterres passa o testemunho,
reconhecendo o momento de mudança no partido. Refira-se que todos os
ex-líderes foram convidados e que o ex-primeiroministro, José
Sócrates, declinou o convite mas foi aplaudido pelos congressistas,
ao ser referido primeiro por Daniel Adrião e depois por Paulo
Campos.
Num congresso em que
foi visível o rejuvenescimento etário do PS, foram os
representantes da história do partido que trataram de legitimar a
redefinição socialdemocrata em curso. Coube, aliás, a um outro
antigo secretáriogeral do PS, aquele que foi o líder mais à
esquerda que o partido teve até hoje, Eduardo Ferro Rodrigues, fazer
a mais importante intervenção ideológica do fim-de-semana. Além
de inovar a política portuguesa, ao manter a actividade partidária
quando é Presidente da Assembleia da República, Ferro tratou de
proclamar: “O Estado Social tem de ser a nossa linha vermelha”.
Ou seja, deixou claro que o coração da social-democracia é a
defesa do Modelo Social Europeu e do seu Estado-Providência.
O tom de defesa dos
serviços públicos, como suporte e instrumento de acção de um
Estado democrático que pratica a igualdade de oportunidades para
todos, foi uma constante de inúmeras intervenções. A começar pela
veemente defesa do ministro da Educação feita pelo primeiroministro
no encerramento. Até Álvaro Beleza, que é distante de Costa e
integrou o secretariado de António José Seguro, subiu ao palco para
aplaudir a defesa do Estado Social e a ideia de que o Orçamento do
Estado tem que financiar primeiro os serviços públicos, como o
Serviço Nacional de Saúde e a Escola Pública. E também ele
elogiar o ministro da Educação. Na perspectiva da defesa dos
pilares do Estado Social, nomeadamente do SNS, Beleza foi um dos
oradores que saudou o facto de o presidente honorário do PS ser
agora António Arnaut.
Mas o papel central
de Ferro Rodrigues neste congresso foi mais longe do que a marcação
de linhas vermelhas ao que classificou de “descredibilização
ética” do neoliberalismo. Tratou mesmo de lançar o alerta para a
necessidade do PS “conseguir consolidar” os próprios
“instrumentos de formação política” doutrinária e procurar
formar também uma opinião favorável, à semelhança do que o
neoliberalismo fez durante décadas, dominando espaços de
comunicação e de formação de opinião.
A defesa ideológica
da socialdemocracia teve outro momento alto com outro histórico:
Manuel Alegre. “Quem radicalizou a vida portuguesa foi a coligação
de direita” que “fez um PREC ao contrário”, disse o histórico
socialista para fazer então uma importante chamada de atenção para
a necessidade de redefinir conceitos e libertar palavras capturadas
pela lógica neoliberal. Lembrando que o PS é um partido reformista,
citou então Olof Palme para falar das “reformas democráticas, as
reformas da esquerda”.
O resgatar de
conceitos reformistas foi também defendido por Pedro Nuno Santos, o
secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que é responsável
no dia-a-dia pelas relações entre o Governo e os parceiros de
entendimentos bilaterais: o BE, o PCP e o PEV. No palco do Congresso,
Pedro Nuno Santos garantiu que o que o Governo tem feito é uma
governação reformista de esquerda.
A persecução de um
caminho reformista foi defendida logo de manhã pelo presidente da
Câmara de Lisboa e membro do secretariado Fernando Medina.
Sublinhando a importância das reformas para o crescimento da
economia, Medina foi dos poucos congressistas a falar da realidade da
economia portuguesa, como quem alerta para o óbvio.
Um alerta que foi
deixado também no seu peculiar histrionismo pelo antigo deputado e
apoiante de António José Seguro, Ricardo Gonçalves: “Ou pomos o
país a crescer ou não temos futuro. Prometemos que o país ia
crescer 2,6% este ano e para o ano 3,1%. Segundo os últimos dados:
1,2% este ano e 1,3% para o ano. Isto é o fim. Vamos chegar as
autárquicas de rastos e vamos perder.”
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