terça-feira, 17 de julho de 2012

O maior Barrete do Mundo ! A Opinião de António Sérgio Rosa de Carvalho Segunda Feira 2/4/2007 in Público.



O maior Barrete do Mundo !
A imagem que este título sugere reflecte uma retórica fácil, ou mesmo populista. A mente é falível. Sobretudo sob o efeito da tortura. Tortura é o estado de espírito em que qualquer lisboeta que ame a sua cidade se encontra perante a situação na CML.

Assim, quando me encontrava no eléctrico, vindo de Belém e ao passar pela Praça do Comércio, no passado dia dos namorados, ao ver flutuando pateticamente um balão em forma de coração, com a pretensão de ser o "maior coração do mundo", a minha mente sucumbiu. Sucumbiu esgotada e trouxe-me imediatamente a imagem de um barrete monumental montado sobre a estrutura metálica da já desaparecida mega-árvore de Natal. Daqueles barretes farfalhudos. Versão "campina-ribatejana" do barrete de Pai Natal. E enfiado na estrutura tal como o barrete de forcado até ao pescoço, naquela condição de estupefacção abrutalhada, que caracteriza o nosso estado de espírito de alfacinhas manipulados e atordoados pelos acontecimentos. Este seria, sem dúvida, o monumento ideal ao nosso descontentamento.

(...) Já sabemos. Lisboa é magnífica no seu potencial. Situação geográfica invejável, luz única, variedade topográfica incomparável, património acumulado através dos séculos ... E de que nos serve tudo isto?

De que nos serve conceber "hotéis de charme", para um turismo civilizado e cultural, se a ilusão de unidade coerente oferecida pelo ambiente dos mesmos não é correspondida na experiência exterior e real? De que nos serve falar continuamente de reabilitação urbana, se mesmo para as nossas pseudo-elites "habitar património" significa, em primeiro lugar, um comando à distância de uma porta de garagem electrónica, significa a destruição de tudo quanto é autêntico num interior histórico e o zunir permanente de "caixotes" de ar condicionado significa "jardim"?

Sim. Já sei . Lisboa no seu ecletismo apresenta uma organicidade e uma variedade colorida que constitui verdadeiro shabby chic. Só que com o estado de decadência, sujidade e falta de manutenção em que a cidade está só resta o shabby. Nada de chic. Para aqueles que não sabem o que significa shabby, eu traduzo, agora não de forma populista, mas popularucha. Significa "chunga".

E os nossos magníficos passeios? Experimentem estudar o seus desenhos preciosos em plena Avenida da Liberdade num dia de espectáculo na rua do coliseu...

Pois é. Temos mesmo que avançar com este novo projecto monumental. O maior barrete do mundo! Vão ver que, com a conhecida criatividade que o "tuga" sempre demonstrou para a venda ambulante, vão logo surgir vendedores oferecendo tais barretes, em versões variadas. Desde o têxtil ao electrónico. E made in Chindia, claro.

António Sérgio Rosa de Carvalho

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