Fardos de palha, girassóis e legumes tomaram conta de uma das principais artérias da cidade. Quem ficou preso no trânsito desesperou. Mas o cheiro no ar ficou diferente ( in Publico por Ana Henriques e Marisa Soares )
Primeiro Ricardo Silva irritou-se. Ia entregar uns documentos a um escritório da Avenida da Liberdade e ficou preso no trânsito que estava um caos, por causa da preparação do grande piquenique que hoje ali deverá juntar 80 mil pessoas. Resolveu enfiar o Volkswagen no estacionamento dos Restauradores e subir a pé. “Foi aí que a minha percepção das coisas mudou”, admite este engenheiro. “Em vez de cheirar a poluição, cheirava bem, a ervas aromáticas! Foi uma experiência diferente.”
As contrapartidas “valem mais de 100 mil euros”, garante o vereador Sá Fernandes
Para muitos dos que entre terçafeira à noite e ontem tiveram de subir ou descer de automóvel e autocarro a avenida, a experiência pode ter-se assemelhado a um martírio. Com as faixas centrais cortadas a maior parte do tempo, restaram as laterais para escoar o trânsito de uma das principais artérias lisboetas. Há relatos de quem tenha ficado preso mais de uma hora. O engarrafamento durou praticamente três dias, agravando-se à hora de ponta. Ontem os taxistas ameaçaram mesmo bloquear a avenida.
“Com tantos outros sítios para fazer isto, por que é que foi logo na Avenida da Liberdade?”, interroga um dos porteiros do hotel de cinco estrelas Sofitel, repetindo uma crítica que se ouviu um pouco por todo o lado. “Isto” são dezenas de canteiros com pepinos e legumes, fardos de palha e vedações de madeira mais próprias de uma pastagem do que de uma rua alcatroada. Tudo por conta da cadeia de supermercados Continente, do grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO), que patrocina um evento cujo cabeça de cartaz é o cantor Tony Carreira e que se destina a promover os produtos nacionais e a agricultura urbana. Com o apoio da autarquia, a iniciativa tem também um cariz social: amanhã vão ser entregues cinco toneladas de produtos frescos a 13 instituições de solidariedade de Lisboa.
Em troca da cedência do espaço pelo município, a Sonae pagou o arranjo dos jardins da avenida e a criação de uma horta comunitária em Campolide. “Tudo junto vale mais de 100 mil euros”, garante o vereador do Espaço Público, José Sá Fernandes, sem explicar se houve mais contrapartidas. “Só a festa vale dezenas de milhares de euros.” E, sem o patrocínio, “não havia dinheiro para organizar isto”, reconhece o presidente da câmara, António Costa, para quem as críticas “não fazem nenhum sentido”.
Quanto a montar a quinta num local mais apropriado, como o Parque da Bela Vista, o autarca diz que não era a mesma coisa: o impacto seria menor. “Estamos aqui nos nossos Campos Elísios”, afirma, comparando o evento a um semelhante organizado em Paris no ano passado e a um outro que decorre em Lyon também neste fim-de-semana. Além disso, o elevado número de camiões TIR necessários à montagem não eram compatíveis com uma zona verde como a Bela Vista, acrescenta Sá Fernandes.
WC à frente da Hugo Boss
Quem não ficou convencido foram os escassos moradores da avenida e imediações. “Houve sobretudo falta de consideração da câmara pelos habitantes, a quem tiraram estacionamento sem sequer um pré-aviso”, indigna-se uma residente da Travessa do Fala-Só. “Disseram-nos que iam colocar no local o estacionamento VIP do piquenique.” Nas lojas de luxo também há um certo desconforto. “Os nossos clientes não virão ao estabelecimento no dia do piquenique, de forma alguma”, lamenta uma empregada da Hugo Boss, apontando, desolada, os sanitários portáteis montados mesmo defronte da montra com fatos a 900 euros e T-shirts a 50 euros.
As couves e as abóboras levadas para a sombra das árvores frondosas da avenida geraram uma batalha de argumentos entre várias entidades. De um dos lados da trincheira, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal diz que o evento é “altamente prejudicial à actividade económica” da cidade. A Associação de Dinamização da Baixa Pombalina alinha pelo mesmo diapasão, afirmando que a zona “precisa de eventos, mas não com a dimensão deste”. Além disso, “a publicidade na avenida vale muito mais que 100 mil euros”.
Também o Bloco de Esquerda está contra a “privatização” do espaço público. Considera que a escolha, por parte da câmara, da Avenida da Liberdade é um “atentado ao interesse público”.
Do lado oposto da barricada está a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que considera a ideia benéfica para Lisboa, desvalorizando os prejuízos que possa causar aos comerciantes. A Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta também está a favor: o fecho da avenida é uma “medida altamente positiva para fomentar comportamentos sustentáveis que evitem os custos sociais, ambientais e económicos inerentes à dependência excessiva do uso do automóvel e das energias fósseis”.
O piquenique é bem visto pela associação ambientalista Quercus, embora com ressalvas. “Achamos que tem um conceito interessante e positivo, em que refere temáticas importantes sobre a agricultura em Portugal e o consumo de produtos naturais”, referiu Paulo Daniel, presidente do núcleo de Lisboa. Sobre a pegada ecológica resultante da preparação do piquenique o ambientalista avisa: “É preciso ter um certo cuidado. Antes e durante o evento deve haver uma prevenção a nível dos impactos de poluição e resíduos.” Salienta que essa tarefa deve ser “da responsabilidade da Câmara de Lisboa”. com Lusa
-------------------------------------------------------------------------------------
E que tal estender e alargar este conceito tão apurado de sustentabilidade ao Património Arquitectónico ?
Se a Avenida, como diz António Costa, é comparável aos Campos Elísios porque estão a destruí-la ?
Porque estão António Costa e Manuel Salgado a destruir o que resta do Património Arquitectónico das Avenidas ?
Lisboa Capital Europeia das Demolições ?
António Sérgio Rosa de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário