sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Foi você que pediu uma garagem para Coches Antigos ? por António Sérgio Rosa de Carvalho.02/08/2011.



Foi você que pediu uma garagem para Coches Antigos ? 


Belém, espaço simbólico da Lusitanidade, é caracterizado de forma única pela luminosidade do Tejo-Oceano, pelo tom pastel do seu edificado vernáculo e erudito e pelo simbolismo da sua vegetação arquétipamente Mediterrânica.
Este espaço de Identidade foi criado por várias gerações, num processo acumulativo, baseado num consenso de leitura, apreciação e reconhecimento da sua importância.
Na Praça Afonso de Albuquerque, a elegância apropriada do estilo “Seize” do Picadeiro Real e a erudição Neo-Clássica dos seus interiores, constituem o contexto perfeito para a apreciação da internacionalmente reconhecida colecção de Coches.
O êxito do Museu, ilustra um produto cultural consolidado, com desafios de conservação, mas perfeito no seu conjunto.
Num processo apressado, sem concurso público, decidido por um Ministro pouco económico ( mais do que três dezenas de milhões) determinado a deixar marca de Regime através da afirmação pelo contraste e ruptura, este novo projecto deixa-nos preocupados.
Acima de tudo porque é um símbolo de um despesismo inconsciente e irresponsável, destruidor de um equilibrio perfeito já existente e criador de novas despesas num futuro muito incerto de penúria e crise no universo do Património Cultural e Museus.
Além disso, ao o compararmos na mesma zona, com o C.C.B. concluimos que o Projecto do mesmo, revelava preocupações de contextualização arquitectónica com a envolvente, esta já determinada na Exposição do Mundo Português em 1940.
Volumetrias sintonizadas com a massa dos Jerónimos, jardins suspensos para usufruto tanto do horizonte natural como simbólico, contextualização cuidada dos materiais, linguagem arquitectónica intemporal, monumentalidade apropriada à “gravitas” e “tectónica”da zona.
Além disso, apresentava um programa de funções e de apropriação do espaço de usufruto quotidiano, muito claro na sua relação com a Arquitectura.
Ora, o Novo Museu dos Coches, apesar das suas promessas de valorização urbana e pretendidas garantias de vivência turística (elevação do solo) ; apesar da sua pretensão de monumentalidade minimalista, capaz de valorisar através da imensidão abstracta e branca a exposição de objectos de “ourivesaria” movíveis (coches), deixa-nos muito apreensivos. Porque, apesar de todos os argumentos, é um projecto formalista, dirigido fundamentalmente à forma e estilo do objecto arquitectónico, ao qual a função tem que se adaptar, afirmando-se este objecto pela rotura, tanto em forma como materiais.
Enfim, receita apropriada e aliciante, para políticos que desejam deixar marca dinástica de Regime, mas altamente preocupante quando falamos do “Genius Loci” de Belém e das suas características cuidadosamente consolidadas.
O Projecto lembra-nos um modelo de garagem com rampas, saído de uma miniatura do nosso quarto de brincadeiras, ou um espaço caricatural de um filme de Jacques Tati.
A imensidão branca e clíníca dos seus espaços interiores ( salas ou hangares (?) com 130 metros por 20 e 8 de altura), vai obrigar ao restauro exaustivo de todos os objectos, expostos agora a um escrutinio detalhado e implacável. Os seus espaços (“Praça” e rampas) exteriores correm o risco de confirmarem a sua vocação de “Garagem”, ou “no place”, vazio, inóspito e sujeito às “correntes de ar”.
Enquanto que, a elegância perfeita e erudita do Picadeiro fica condenada à subavaliação e subutilização.
Um projecto desnecessário, como até António Costa, reconheceu públicamente.
No entanto, a Associação de Arquitectos, tal como no Largo do Rato, veio apoiar públicamente com 200 assinaturas este Projecto, apesar de ausência de qualquer concurso ...
Continua a ser a Associação, tal como os seus estatutos o afirmam, uma Instituição de Utilidade Pública ou transformou-se descaradamente num Clube de Interesses Corporativos ?

António Sérgio Rosa de Carvalho
Historiador de Arquitectura




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