OPINIÃO
Uma eleição, que
escolhas?
Nesta campanha
não se falou de dívida pública, o elefante na sala, a única conta certa de
Mário Centeno são os mais de 7 mil milhões de euros por ano em juros, quem a
contraiu e porque é até hoje desconhecido dos portugueses – nunca houve uma
auditoria à mesma
Raquel Varela
30 de Setembro de
2019, 6:41
Gramsci
distinguiu a pequena política da grande política. Pequena política seriam os
longos debates sobre temas secundários, superficiais, recheados de linguagem
técnica e desprezo pela estratégica. A grande política é o Estado, o regime, o
lugar do país no sistema internacional de Estados, o quotidiano das suas
populações.
Nesta campanha
não se falou de dívida pública, o elefante na sala, a única conta certa de
Mário Centeno são os mais de 7 mil milhões de euros por ano em juros, quem a
contraiu e porque é até hoje desconhecido dos portugueses – nunca houve uma
auditoria à mesma. Não se debateu a ausência de uma banca portuguesa robusta –
hoje os investimentos portugueses estão dependentes da banca espanhola, que
arrebatou o lado “bom” dos bancos; aqui ficaram os pedaços maus do bolo, as
PPP, os aviões da TAP, as dívidas impagáveis do Metro, CP, etc... Não falámos
da monocultura do turismo, baseada em low cost – restaurantes, hotéis e
companhias aéreas de massas de má qualidade e baixo valor agregado, numa
economia sem diversidade, vulnerável à próxima crise cíclica; o eucaliptal em
que se transformou o país; e espetáculos pirotécnicos garantidos na famosa
“época de fogos” onde já se anuncia o programa mínimo – “não morreu ninguém” –
como programa máximo; a dependência alimentar estrutural; o vazio do interior;
o adoecimento de trabalhadores exaustos e desmotivados, mal pagos e assediados,
tudo isto acompanhado – oh surpresa! – da queda da produtividade; a desestruturação
do SNS, cada vez mais um banco de formação para o sector privado, sector que
mais além da saúde também são parte do mercado hoteleiro, distribuem dividendos
aos acionistas; não debatemos o empobrecimento científico da escola, agora
flexível, para servir força de trabalho flexível para este mercado
subdesenvolvido – chamam-lhe “ensino profissional” e “autonomia; os melhores
cientistas são recrutados e acarinhados pelas melhores universidades
estrangeiras, cá ficam os bolseiros aos 50 anos ou desempregados; o país
depende, talvez numa escala de meio milhão de pessoas (incluindo famílias), da
montagem e não da produção (moldes, Autoeuropa, eletrónica, vidros, etc.) da
indústria automóvel alemã. Quando esta despencar o que vamos fazer? As duas grandes
cidades expulsaram os seus moradores para 30 km de distância. O Governo reagiu
subsidiando o passe para todos os dias fazerem três horas de viagem para
trabalharem – em uma hora chegam a qualquer cidade europeia para trabalharem
por mais e melhor... Gostei da medida, sou a favor, mas é mais um passo em
frente rumo ao precipício.
Hans Christian
Anderson visitou Portugal no século XIX. Constatou que aqui o que mais se
produzia para exportar eram homens. O único debate de grande política nesta
campanha não foi sobre o Estado que queremos, foi sobre uma crise de Estado:
Tancos.
Historiadora,
Universidade Nova de Lisboa
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