A digitalização é
um desastre climático
Diogo Queiroz de
Andrade
29 Setembro 2019
A tecnologia
inteligente está a deixar-nos cada vez mais burros – porque trocar bancos de
dados por danos ambientais é de uma estupidez desmedida.
Um dos mitos mais
bacocos deste século é a imagem de “tecnologia limpa”. A tecnologia pode ser
muita coisa, mas limpa é que não é. Os centros de dados espalhados pelo planeta
têm já um enorme custo ambiental que raramente é ponderado na discussão das
indústrias mais poluentes. Há uma razão para isso: as análises setoriais tendem
a ser feitas ao longo do tempo, medindo-se o impacto ambiental em décadas; ora,
o crescimento das tecnológicas foi tão brutal neste século, e o dano que
provocam ao ambiente é tão extremo, que a análise ainda estará por quantificar
devidamente.
Já existem dados
quantificáveis que fazem temer pelo futuro. A crescente digitalização da
sociedade, com os triliões de equipamentos caseiros e industriais ligados à
net; acrescente-se ainda o compromisso com o desenvolvimento das tecnologias de
realidade aumentada e virtual, que implicam gigantescos blocos de dados a ser
transferidos cada vez mais rápido; cubra-se tudo com a tecnologia 5G e o WiFi6,
que implicam enormes redes digitais servidas por poderosos sistemas de gestão
de dados. O valor total é uma imensa pegada ecológica.
Para colocar as coisas
em contexto: as estimativas mais sérias apontam para que os centros de dados
que alimentam a nuvem digital consumam 200 horas-terawatt por ano (o
equivalente à África do Sul). O extremo crescimento que se antecipa vai fazer
dessa mesma nuvem o quarto maior consumidor de energia no planeta (ao nível do
Japão). Não deixa de ser irónico que grande parte deste consumo venha das
tecnologias de aprendizagem computorizada (deep learning), que se inspiraram no
cérebro humano – que tem uma impressionante eficiência energética.
Sim, está tudo
cada vez mais “inteligente”. As televisões, as cidades, os transportes, os
telemóveis são inteligentes – e os computadores estão quase lá. Mas os humanos
estão cada vez menos espertos. Já não chega perguntar se precisamos de mandar
tweets pelo frigorífico; a questão é outra: esta digitalização extrema da
sociedade serve quem? Aos cidadãos não é de certeza. Serve garantidamente as
empresas de tecnologia, que ficam com mais dados para vender mais produtos e
serviços; serve os poderes tradicionais, que ficam com mais mecanismos para
conhecer e controlar os seus cidadãos; e serve uma lógica de automação social
cada vez mais dependente de robots e de inteligências artificiais. Ir apenas
atrás do progresso vai matar-nos a todos, embora pelo meio enriqueça alguns
poucos. É mesmo isto que queremos?
Estamos a tomar
estas opções sem refletir sobre elas. Caminhamos para uma sociedade
completamente automatizada porque nos dizem que esse é o caminho do progresso,
como se essa fosse a nova religião unânime e universalmente reconhecida. E,
mesmo que o progresso fosse o único caminho, porque é que a única forma de lá
chegar há-de ser pela extrema digitalização? Não é, porque não tem de ser.
A tecnologia não
é a resposta para tudo, especialmente devido aos problemas que cria – e a
fatura ambiental já é uma das mais notórias. E há outras: as questões de
direitos dos cidadãos, de proteção de minorias, de acesso ao trabalho e à
educação… A lista é grande. Para pensarmos melhor sobre tudo isto precisamos de
líderes que estejam aptos a debater o problema. Ainda não os temos.
Ler mais: Este
artigo científico publicado no mês passado https://arxiv.org/pdf/1907.10597.pdf
apresenta uma medida provocadora e interessante: fazer da eficiência energética
um critério na avaliação de medidas propostas para a Inteligência Artificial.
Ao mesmo tempo propõe o conceito de Inteligência Artificial Verde, que será
aquela que não só não implica maiores necessidades computacionais como
idealmente até as reduz. Este documento é apenas um exemplo de que é possível –
e desejável – pensar fora da caixa em relação à tecnologia.
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