António Costa
está tranquilo, mas não devia
Demasiadas vezes
o pragmatismo de Costa confunde-se com um conformismo diante das falhas éticas
recorrentes de membros do governo e dos seus camaradas de partido.
João Miguel Tavares
21 de Setembro de
2019, 6:46
As primeiras
declarações do primeiro-ministro após a demissão do secretário de Estado da
Protecção Civil, na sequência das buscas relacionadas com as golas antifumo (e
não só), foram estas: “Sempre que o sistema de justiça funciona, o governo está
tranquilo.” Depois, António Costa, possuído ainda pelo espírito da
tranquilidade, aliviou-se de mais um trio de generalidades catitas – a
importância da separação de poderes, a garantia de que ninguém está acima da
lei, a independência da investigação criminal –, disse tchauzinho aos
jornalistas, e seguiu para a campanha eleitoral, a assobiar para o ar, como se
aquilo não fosse nada com ele ou com o seu ministro e amigo Eduardo Cabrita.
Mas esperem lá –
serão as coisas assim tão simples? Não me parece que sejam. O Jornal Económico
fez as contas e contabilizou 15 demissões por polémicas nesta legislatura.
Entre elas, há licenciaturas falsas; um secretário de Estado da Saúde com
ligações à ex-presidente da instituição Raríssimas; três secretários de Estado
que foram ao Europeu 2016 pagos pela Galp; um ministro da Defesa apanhado em
trapalhadas inqualificáveis a propósito de Tancos; os primos, os maridos e as
mulheres do Familygate; e agora esta confusão que envolve o ministério da
Administração Interna e a Autoridade Nacional da Protecção Civil. É obra. Todas
essas pessoas (à excepção de Azeredo Lopes) foram bastante rápidas a demitirem-se,
é verdade. Mas será que a velocidade da demissão diminui a responsabilidade de
quem escolheu essas pessoas para os seus cargos?
A frase “sempre
que o sistema de justiça funciona, o governo está tranquilo” é absurda neste
contexto, porque o senhor primeiro-ministro não está a falar dos negócios
escuros de um banco privado, nem de suspeitas de corrupção praticadas por um
anónimo funcionário. António Costa está a falar da sua equipa. Mesmo que a
justiça funcione, o que é óptimo, o governo não pode estar tranquilo, na medida
em que, pelos vistos, se equivocou na equipa que escolheu. Seria como um
treinador de futebol estar tranquilo depois de levar 15-0, argumentando que foi
o sistema desportivo a funcionar.
Sim, Costa é
muito esperto, mas há certas chico-espertices que não podemos engolir sem
pestanejar, nomeadamente a táctica habilidosa de correr com todos os membros do
governo assim que são constituídos arguidos. Atenção: a táctica está correcta.
O que é incorrecto é aquilo que se segue: António Costa aproveita para atirar
os problemas pela janela de São Bento, põe um cordão sanitário à sua volta,
lava as mãos, e já está. Depois, diz aos jornalistas: “Problema? Qual problema?
Então estes senhores não saíram imediatamente do governo? É o sistema a
funcionar.” Sim, é verdade, eles saíram, mas quem lá os meteu ficou, e não cabe
na cabeça de ninguém não haver um dever sério de explicação e uma reflexão
aprofundada sobre os problemas endémicos de aproveitamento dos dinheiros
públicos para receber vantagens próprias ou alheias. Isto não são casos
isolados. São estruturas de corrupção instaladas de pedra e cal no Estado.
Esta reflexão,
infelizmente, está toda por fazer. Demasiadas vezes o pragmatismo de Costa
confunde-se com um conformismo diante das falhas éticas recorrentes de membros
do governo e dos seus camaradas de partido. Ainda se lembram que Eduardo
Cabrita chamou “cobras” aos jornalistas em off, a propósito deste caso das
golas? Está agora à vista de todos onde é que estava o veneno.
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