Arrendamento:
Pressão para saída dos centros está a aumentar em Lisboa e no Porto
Exercício
académico demonstra que no caso hipotético de uma família que veja o seu
contrato de arrendamento caducado nos centros de Lisboa e do Porto não
conseguirá arranjar casa no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível a uma
distância inferior a 20 minutos em Lisboa e a 10 minutos no Porto.
Luísa Pinto 16 de
Setembro de 2019, 6:18
Se um agregado
familiar perdesse o seu T2 situado no centro do Lisboa, em Campo de Ourique,
porque o senhorio não pretendia renovar o contrato, só conseguiria encontrar um
T2 nas mesmas condições se andasse vinte minutos num percurso de carro com
trânsito normal. Se esse agregado vivesse no centro do Porto, por exemplo, na
freguesia do Bonfim, não conseguiria encontrar esse apartamento sem se meter num
percurso de carro que lhe tomaria um mínimo de dez minutos. Sem trânsito.
Estas foram as
conclusões a que foi possível chegar no segundo exercício feito pelo PÚBLICO em
parceria com os investigadores da Faculdade de Arquitectura da Universidade do
Porto, e que trabalham na área da Morfologia e Dinâmicas do Território. Num
esforço para aferir o impacto no acesso à habitação e nas dinâmicas do mercado
de arrendamento que poderia ter o programa de Arrendamento Acessível (PAA), um
instrumento que integra a Nova Geração das Políticas de Habitação, percebeu-se,
numa primeira fase, que 75 % da população do Porto e 80% da população de Lisboa
está excluída do acesso a este programa.
Agora,
procurou-se perceber até onde teriam de se deslocar os agregados que
procurassem um habitação no âmbito deste programa, assim como se a tendência
tem sido melhorar, ou piorar. Isto porque é possível avaliar a variação das
rendas no período de um ano, tendo em conta o segundo semestre de 2017 (o
primeiro período para o qual há dados das rendas medianas publicados pelo INE)
e segundo semestre de 2018 (o último período para o qual há dados).
Volume
Os dados
analisados permitiram perceber que apesar de se tratar de um curto período de
tempo (um semestre), as variações são significativas, ultrapassando os 10% e
até os 20% em vários territórios. O crescimento das rendas é mais expressivo
nas áreas do Porto, Lisboa e Algarve – e que são exactamente as mesmas onde os
valores são já mais elevados. No entanto, identificam-se já taxas de
crescimento significativas em áreas mais afastadas (Braga, Guimarães, Paredes,
Aveiro, Évora, etc.). As áreas onde os valores das rendas desceram são
minoritárias.
Equilibrar o que
se desequilibrou
Quanto tempo
leva?
Relativamente à
pergunta sobre quanto se teria de afastar uma família para encontrar uma nova
habitação que conseguisse pagar, tendo em conta as condições propostas pelo
PAA, os investigadores das Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
(FAUP) conseguiram responder com uma mancha de cores num mapa: a vermelho as
áreas onde já não seria possível encontrar um apartamento nas condições
impostas pelo PAA (que limita a taxa de esforço a 35%) tendo em conta os
valores das rendas do segundo semestre de 2017 (o primeiro período para o qual
há dados publicados pelo INE); a laranja, as áreas onde não seria possível
tendo em conta os valores do segundo semestre de 2018 (o último período para o
qual há dados).
Olhando para o
mapa, consegue-se perceber que o tal agregado familiar hipotético seria
obrigado a deslocar-se face ao centro da área metropolitana. No caso de Lisboa,
o acesso ao apartamento é impossível dentro de uma linha que delimita um percurso
de 20 minutos de carro. No Porto, essa dificuldade está na linha de dez
minutos. Mas percebe-se que a situação está a piorar, e que já há muita mancha
a laranja antes da isócrona dos 20 minutos.
O cálculo das
linhas não tem em conta a variação do tráfego, pelo que este percurso, em
condições reais, poderá corresponder a intervalos de tempo bastante mais
elevados, em particular em horas de ponta. Os cálculos das isócronas foram
feitos usando como referência o centro da freguesia de Campo de Ourique, em Lisboa,
e o centro da freguesia do Bonfim, no Porto. Foram usadas estas dois exemplos
por eles terem sido usados como apartamento-tipo pelo Governo para a divulgação
do PAA.
Recorde-se que
dois meses e meio depois de entrar em vigor a PAA só há 20 contratos assinados,
e um claro desequilíbrio entre procura (mais de 8000 inquilinos interessados) e
a oferta (há apenas 135 alojamentos registados no Portal da Habitação).
Quando foi
lançado o Programa de Arrendamento Acessível, o Governo anunciou a intenção de
dar resposta aos agregados cujo rendimento não era suficiente para suportar as
rendas que estavam a ser praticadas pelo mercado. O anúncio surgiu como
promessa de conforto para as muitas famílias que viviam nas principais cidades
do país, onde a pressão de preço é maior, e enfrentavam anúncios de não
renovação de contrato. Mas também para aquelas famílias e agregados que
procuravam casa próximo do seu local e trabalho.
O Estado isenta
de impostos todos os senhorios que aceitem baixar a renda para um valor de
referência definindo pelo programa e que seja 20% abaixo do praticado pelo
mercado.
A equipa do
núcleo de Morfologia e Dinâmicas Territoriais (MDT) do Centro de Estudos de
Arquitectura e Urbanismo da FAUP sublinha, no entanto, que este exercício não
permite tirar conclusões absolutas, já que os agregados familiares são muito
variáveis na sua composição, o que implica que sejam igualmente distintas as
suas necessidades habitacionais e as suas fontes de rendimento. E recordam que
de acordo com o Censos de 2011 serão mais de 20% as famílias com apenas um
elemento, que não poderão contar com dois ordenados e que, muito provavelmente,
não necessitariam de um T2.
tp.ocilbup@otnip.asiul
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