segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Arrendamento: Pressão para saída dos centros está a aumentar em Lisboa e no Porto



Arrendamento: Pressão para saída dos centros está a aumentar em Lisboa e no Porto

Exercício académico demonstra que no caso hipotético de uma família que veja o seu contrato de arrendamento caducado nos centros de Lisboa e do Porto não conseguirá arranjar casa no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível a uma distância inferior a 20 minutos em Lisboa e a 10 minutos no Porto.

Luísa Pinto 16 de Setembro de 2019, 6:18

Se um agregado familiar perdesse o seu T2 situado no centro do Lisboa, em Campo de Ourique, porque o senhorio não pretendia renovar o contrato, só conseguiria encontrar um T2 nas mesmas condições se andasse vinte minutos num percurso de carro com trânsito normal. Se esse agregado vivesse no centro do Porto, por exemplo, na freguesia do Bonfim, não conseguiria encontrar esse apartamento sem se meter num percurso de carro que lhe tomaria um mínimo de dez minutos. Sem trânsito.

Estas foram as conclusões a que foi possível chegar no segundo exercício feito pelo PÚBLICO em parceria com os investigadores da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e que trabalham na área da Morfologia e Dinâmicas do Território. Num esforço para aferir o impacto no acesso à habitação e nas dinâmicas do mercado de arrendamento que poderia ter o programa de Arrendamento Acessível (PAA), um instrumento que integra a Nova Geração das Políticas de Habitação, percebeu-se, numa primeira fase, que 75 % da população do Porto e 80% da população de Lisboa está excluída do acesso a este programa.

Agora, procurou-se perceber até onde teriam de se deslocar os agregados que procurassem um habitação no âmbito deste programa, assim como se a tendência tem sido melhorar, ou piorar. Isto porque é possível avaliar a variação das rendas no período de um ano, tendo em conta o segundo semestre de 2017 (o primeiro período para o qual há dados das rendas medianas publicados pelo INE) e segundo semestre de 2018 (o último período para o qual há dados).


Volume
Os dados analisados permitiram perceber que apesar de se tratar de um curto período de tempo (um semestre), as variações são significativas, ultrapassando os 10% e até os 20% em vários territórios. O crescimento das rendas é mais expressivo nas áreas do Porto, Lisboa e Algarve – e que são exactamente as mesmas onde os valores são já mais elevados. No entanto, identificam-se já taxas de crescimento significativas em áreas mais afastadas (Braga, Guimarães, Paredes, Aveiro, Évora, etc.). As áreas onde os valores das rendas desceram são minoritárias.

Equilibrar o que se desequilibrou
Quanto tempo leva?
Relativamente à pergunta sobre quanto se teria de afastar uma família para encontrar uma nova habitação que conseguisse pagar, tendo em conta as condições propostas pelo PAA, os investigadores das Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) conseguiram responder com uma mancha de cores num mapa: a vermelho as áreas onde já não seria possível encontrar um apartamento nas condições impostas pelo PAA (que limita a taxa de esforço a 35%) tendo em conta os valores das rendas do segundo semestre de 2017 (o primeiro período para o qual há dados publicados pelo INE); a laranja, as áreas onde não seria possível tendo em conta os valores do segundo semestre de 2018 (o último período para o qual há dados).

Olhando para o mapa, consegue-se perceber que o tal agregado familiar hipotético seria obrigado a deslocar-se face ao centro da área metropolitana. No caso de Lisboa, o acesso ao apartamento é impossível dentro de uma linha que delimita um percurso de 20 minutos de carro. No Porto, essa dificuldade está na linha de dez minutos. Mas percebe-se que a situação está a piorar, e que já há muita mancha a laranja antes da isócrona dos 20 minutos.

O cálculo das linhas não tem em conta a variação do tráfego, pelo que este percurso, em condições reais, poderá corresponder a intervalos de tempo bastante mais elevados, em particular em horas de ponta. Os cálculos das isócronas foram feitos usando como referência o centro da freguesia de Campo de Ourique, em Lisboa, e o centro da freguesia do Bonfim, no Porto. Foram usadas estas dois exemplos por eles terem sido usados como apartamento-tipo pelo Governo para a divulgação do PAA.

Recorde-se que dois meses e meio depois de entrar em vigor a PAA só há 20 contratos assinados, e um claro desequilíbrio entre procura (mais de 8000 inquilinos interessados) e a oferta (há apenas 135 alojamentos registados no Portal da Habitação).

Quando foi lançado o Programa de Arrendamento Acessível, o Governo anunciou a intenção de dar resposta aos agregados cujo rendimento não era suficiente para suportar as rendas que estavam a ser praticadas pelo mercado. O anúncio surgiu como promessa de conforto para as muitas famílias que viviam nas principais cidades do país, onde a pressão de preço é maior, e enfrentavam anúncios de não renovação de contrato. Mas também para aquelas famílias e agregados que procuravam casa próximo do seu local e trabalho.

O Estado isenta de impostos todos os senhorios que aceitem baixar a renda para um valor de referência definindo pelo programa e que seja 20% abaixo do praticado pelo mercado.

A equipa do núcleo de Morfologia e Dinâmicas Territoriais (MDT) do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo da FAUP sublinha, no entanto, que este exercício não permite tirar conclusões absolutas, já que os agregados familiares são muito variáveis na sua composição, o que implica que sejam igualmente distintas as suas necessidades habitacionais e as suas fontes de rendimento. E recordam que de acordo com o Censos de 2011 serão mais de 20% as famílias com apenas um elemento, que não poderão contar com dois ordenados e que, muito provavelmente, não necessitariam de um T2.

tp.ocilbup@otnip.asiul

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