Cartões de
crédito dominam falhas das famílias no pagamento de dívidas
No primeiro
semestre, os consumidores “falharam” o pagamentos de 268.425 contratos de
crédito aos consumidores, 77% dos quais relativos a crédito renovável (cartões
de crédito e descobertos bancários). Incumprimento no crédito à habitação caiu.
Rosa Soares
Rosa Soares 30 de
Setembro de 2019, 11:20
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Já não é novidade
que o crédito aos consumidores para aquisição de bens ou serviços é,
destacadamente, o que apresenta maior incumprimento, levando milhares de
famílias à “falência” financeira. O que é novidade é o crescente aumento de
“sinistralidade” neste tipo de empréstimos, especialmente nos cartões de
crédito, o que mostra “falhas” ou “facilidades” na avaliação do rendimento das
famílias para fazer face aos encargos assumidos neste segmento.
A prová-lo está o
número de processos abertos no âmbito do programa especial de regularização de
dívidas, ainda na esfera dos bancos, iniciados nos primeiro seis meses do
corrente ano: um total de 318.304 processos, envolvendo 268.425 contratos de
crédito. A diferença de números é explicada pelo facto de muitas famílias
entrarem várias vezes em incumprimento, num curto espaço de tempo,
relativamente ao mesmo empréstimo, originando abertura de novo processo.
O número de
processos abertos no âmbito do PERSI (procedimento extrajudicial de
regularização de situações em incumprimento) aumentou 6,7% face ao último
semestre de 2018, ano em que o número total representou um acréscimo de 12,3%
face a 2017 (ano em que se verificou um forte recuo face a 2016).
Este aumento
verifica-se numa altura em que a conjuntura económica é mais favorável para as
famílias, nomeadamente pela descida do desemprego e das taxas de juros no
crédito ao consumo, e particularmente no segmento da habitação. Mas também num
período em que o crédito ao consumo tem atingido valores recordes, com muitas
famílias a apresentam vários créditos no mesmo segmento, nomeadamente cartões
de crédito (conseguidos com demasiada facilidade), o que acaba por prejudicar o
êxito da regularização de dívidas. De acordo com dados do Gabinete de Apoio
Financeiro da Deco, cada família endividada apresenta, em média, quatro
empréstimos, dois créditos pessoais (para férias, saúde, educação, compra de
equipamentos e outros destinos) e dois cartões de crédito.
Os dados
divulgados recentemente pelo Banco de Portugal (BdP), na Sinopse das
Actividades de Supervisão Comportamental, relativa à primeira metade do ano,
mostram que a maioria dos contratos em incumprimento continuou a ser de crédito
renovável (revolving), representado cerca de 77% do total, “destacando-se as
dívidas resultantes da utilização de cartões de crédito, que estão na base de
metade dos processos”, destaca o supervisor do sector bancário. No crédito
revolving também entram os descobertos bancários, como as contas ordenado.
Os restantes
incumprimentos verificaram-se no crédito pessoal (16,9%) e automóvel (6,2%).
O conjunto dos
contratos em PERSI apresentava, entre Janeiro e Junho, 614,7 milhões de euros
em dívida, um rácio de incumprimento de 10,4%, ligeiramente mais baixo que o
verificado ao longo do ano passado.
Ainda no segmento
do consumo, no primeiro semestre foram concluídos 312.405 processos PERSI
relativos a 252.845 contratos de crédito aos consumidores (alguns ainda de
2018). E no final de Junho estavam em análise ou negociação 130.635. No
universo de processos concluídos, verificou-se a regularização do incumprimento
em 44,8% dos casos, acima do observado no segundo semestre de 2018 (41,4%). Mas
em 52,7% dos processos, a situação não foi resolvida por falta de acordo entre
as partes, contra 55,9% no semestre anterior.
De acordo com a
Sinopse, a solução mais frequentemente acordada foi a renegociação do contrato,
envolvendo, nomeadamente, o diferimento do pagamento de capital para a última
prestação e o alargamento do prazo do contrato. A segunda solução mais
frequente foi o refinanciamento da dívida seguido da consolidação de créditos.
Menos falhas na
habitação
Apesar de as
dívidas ascenderem a montantes bem mais elevadas, o crédito à habitação
continua a apresentar menor incumprimento. E os dados do relatório do BdP
mostram isso mesmo: no primeiro semestre, as instituições iniciaram 37.888
processos PERSI relativos a contratos de crédito à habitação e hipotecário,
envolvendo 30.193 contratos. O montante total em dívida ascendeu a 1391,7
milhões de euros, o que corresponde a um rácio de incumprimento de 1,3%. Face
ao segundo semestre de 2018, o número de processos iniciados diminuiu 6,4%, o
que poderá ser parcialmente explicado pela sucessiva descida das taxas de juros
e pela facilidade de venda das casas quando os encargos se tornam
incomportáveis ou há alterações no agregado familiar, designadamente por
divórcio.
Entre Janeiro e
Junho foram concluídos 36.783 PERSI, envolvendo 26.204 contratos, e estavam
pendentes 23.112.
A regularização
das situações de incumprimento foi o desfecho da maioria dos PERSI concluídos
(64,5%), ligeiramente abaixo do segundo semestre de 2018 (65,6%), na maior
parte dos casos pelo pagamento dos montantes em atraso pelos clientes, o que
inclui a possibilidade de regularização em várias mensalidades.
Em segundo lugar
surge a renegociação dos contratos, com destaque para a introdução de períodos
de carência de capital e/ou juros, e ainda para a concessão de empréstimos
adicionais para pagamento de prestações. Num número mais reduzido de casos,
verificou-se a dação em cumprimento do imóvel (dez processos) e o
refinanciamento do contrato.
O número de
processos PERSI concluídos sem acordo aumentou ligeiramente, passando de 30,5%,
no segundo semestre de 2018, para 31,5%, no corrente ano.
O PERSI
estabelece um conjunto de procedimentos que os bancos têm de seguir quando as
famílias deixam de pagar os empréstimos. Mas em caso de incumprimento
continuado, os bancos podem “vender” esses créditos a fundos especializados na
recuperação de dívidas ou a outras entidades privadas, deixando as famílias
mais desprotegidas, especialmente em relação à possibilidade de manterem as
suas casas.
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