segunda-feira, 30 de setembro de 2019

À espera do grande estoiro que há de vir ! / Cartões de crédito dominam falhas das famílias no pagamento de dívidas



Cartões de crédito dominam falhas das famílias no pagamento de dívidas

No primeiro semestre, os consumidores “falharam” o pagamentos de 268.425 contratos de crédito aos consumidores, 77% dos quais relativos a crédito renovável (cartões de crédito e descobertos bancários). Incumprimento no crédito à habitação caiu.

Rosa Soares
Rosa Soares 30 de Setembro de 2019, 11:20
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Já não é novidade que o crédito aos consumidores para aquisição de bens ou serviços é, destacadamente, o que apresenta maior incumprimento, levando milhares de famílias à “falência” financeira. O que é novidade é o crescente aumento de “sinistralidade” neste tipo de empréstimos, especialmente nos cartões de crédito, o que mostra “falhas” ou “facilidades” na avaliação do rendimento das famílias para fazer face aos encargos assumidos neste segmento.

A prová-lo está o número de processos abertos no âmbito do programa especial de regularização de dívidas, ainda na esfera dos bancos, iniciados nos primeiro seis meses do corrente ano: um total de 318.304 processos, envolvendo 268.425 contratos de crédito. A diferença de números é explicada pelo facto de muitas famílias entrarem várias vezes em incumprimento, num curto espaço de tempo, relativamente ao mesmo empréstimo, originando abertura de novo processo.

O número de processos abertos no âmbito do PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações em incumprimento) aumentou 6,7% face ao último semestre de 2018, ano em que o número total representou um acréscimo de 12,3% face a 2017 (ano em que se verificou um forte recuo face a 2016).

Este aumento verifica-se numa altura em que a conjuntura económica é mais favorável para as famílias, nomeadamente pela descida do desemprego e das taxas de juros no crédito ao consumo, e particularmente no segmento da habitação. Mas também num período em que o crédito ao consumo tem atingido valores recordes, com muitas famílias a apresentam vários créditos no mesmo segmento, nomeadamente cartões de crédito (conseguidos com demasiada facilidade), o que acaba por prejudicar o êxito da regularização de dívidas. De acordo com dados do Gabinete de Apoio Financeiro da Deco, cada família endividada apresenta, em média, quatro empréstimos, dois créditos pessoais (para férias, saúde, educação, compra de equipamentos e outros destinos) e dois cartões de crédito.

Os dados divulgados recentemente pelo Banco de Portugal (BdP), na Sinopse das Actividades de Supervisão Comportamental, relativa à primeira metade do ano, mostram que a maioria dos contratos em incumprimento continuou a ser de crédito renovável (revolving), representado cerca de 77% do total, “destacando-se as dívidas resultantes da utilização de cartões de crédito, que estão na base de metade dos processos”, destaca o supervisor do sector bancário. No crédito revolving também entram os descobertos bancários, como as contas ordenado.

Os restantes incumprimentos verificaram-se no crédito pessoal (16,9%) e automóvel (6,2%).

O conjunto dos contratos em PERSI apresentava, entre Janeiro e Junho, 614,7 milhões de euros em dívida, um rácio de incumprimento de 10,4%, ligeiramente mais baixo que o verificado ao longo do ano passado.

Ainda no segmento do consumo, no primeiro semestre foram concluídos 312.405 processos PERSI relativos a 252.845 contratos de crédito aos consumidores (alguns ainda de 2018). E no final de Junho estavam em análise ou negociação 130.635. No universo de processos concluídos, verificou-se a regularização do incumprimento em 44,8% dos casos, acima do observado no segundo semestre de 2018 (41,4%). Mas em 52,7% dos processos, a situação não foi resolvida por falta de acordo entre as partes, contra 55,9% no semestre anterior.

De acordo com a Sinopse, a solução mais frequentemente acordada foi a renegociação do contrato, envolvendo, nomeadamente, o diferimento do pagamento de capital para a última prestação e o alargamento do prazo do contrato. A segunda solução mais frequente foi o refinanciamento da dívida seguido da consolidação de créditos.

Menos falhas na habitação

Apesar de as dívidas ascenderem a montantes bem mais elevadas, o crédito à habitação continua a apresentar menor incumprimento. E os dados do relatório do BdP mostram isso mesmo: no primeiro semestre, as instituições iniciaram 37.888 processos PERSI relativos a contratos de crédito à habitação e hipotecário, envolvendo 30.193 contratos. O montante total em dívida ascendeu a 1391,7 milhões de euros, o que corresponde a um rácio de incumprimento de 1,3%. Face ao segundo semestre de 2018, o número de processos iniciados diminuiu 6,4%, o que poderá ser parcialmente explicado pela sucessiva descida das taxas de juros e pela facilidade de venda das casas quando os encargos se tornam incomportáveis ou há alterações no agregado familiar, designadamente por divórcio.

Entre Janeiro e Junho foram concluídos 36.783 PERSI, envolvendo 26.204 contratos, e estavam pendentes 23.112.

A regularização das situações de incumprimento foi o desfecho da maioria dos PERSI concluídos (64,5%), ligeiramente abaixo do segundo semestre de 2018 (65,6%), na maior parte dos casos pelo pagamento dos montantes em atraso pelos clientes, o que inclui a possibilidade de regularização em várias mensalidades.

Em segundo lugar surge a renegociação dos contratos, com destaque para a introdução de períodos de carência de capital e/ou juros, e ainda para a concessão de empréstimos adicionais para pagamento de prestações. Num número mais reduzido de casos, verificou-se a dação em cumprimento do imóvel (dez processos) e o refinanciamento do contrato.

O número de processos PERSI concluídos sem acordo aumentou ligeiramente, passando de 30,5%, no segundo semestre de 2018, para 31,5%, no corrente ano.

O PERSI estabelece um conjunto de procedimentos que os bancos têm de seguir quando as famílias deixam de pagar os empréstimos. Mas em caso de incumprimento continuado, os bancos podem “vender” esses créditos a fundos especializados na recuperação de dívidas ou a outras entidades privadas, deixando as famílias mais desprotegidas, especialmente em relação à possibilidade de manterem as suas casas.

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