Clima. As
palavras bonitas estão ditas. Quando passamos à parte séria?
Paulo Ferreira
20:34
Governos devem
coordenar mas cidadãos devem estar disponíveis a suportar os custos que a
mudança económica, social, comportamental e de consumo implicam. Custos
económicos e de conforto e comodidade.
Há três meses, a
Reuters e o Instituto Ipsos fizeram uma sondagem aos norte-americanos sobre
alterações climáticas.
Perguntaram se
concordavam ou discordavam que os Estados Unidos deviam tomar medidas duras
para abrandar o aquecimento global – a pergunta formulada foi “… the United
States should take aggressive action to slow global warming?”.
A isto, 75%
responderam que concordavam, incluindo uma maioria de eleitores ou
simpatizantes republicanos.
Numa outra
questão foi perguntado o que cada um estava disposto a fazer no próximo ano
para ajudar a conter as alterações climáticas. Só cerca de um terço (34%) está
disponível para pagar mais 100 dólares (cerca de 91 euros) de impostos por ano
para o efeito. Ou menos ainda (29%) quando se trata de um aumento de igual
montante na factura da electricidade.
Olhando para as
respostas a esta questão é revelador que os cidadãos se mostrem disponíveis
para alterações de comportamentos mais vagas, não vinculativas ou que até
envolvam poupanças mas que estejam menos receptivos a pagar uma parte da
factura quando esta é quantificada.
O inquérito da
Reuters foi feito no âmbito da próxima corrida presidencial e das políticas
públicas que começam a ser colocadas em cima da mesa pelos candidatos a
candidatos. Do lado democrata, Joe Biden já falou de um plano de 1,7 milhões de
milhões de dólares – o número é um 1 e um 7 seguidos de 11 zeros – para anular
as emissões até 2050 e Elizabeth Warren fala de um pouco mais, de 2 milhões de
milhões de dólares. Estamos a falar de cerca de 10% do PIB do país.
Cada um deles
apresenta depois caminhos diferentes para financiar essas medidas. E como não
se fazem omeletes sem ovos, tudo começa e acaba nos impostos.
Que não haja
então ilusões: lá, como cá, o que está em causa tem grandes custos e exige
enormes investimentos que, inevitavelmente, serão pagos pelos cidadãos enquanto
contribuintes ou consumidores.
Basta pensar na
reconversão de indústrias, nas redes de mobilidade eléctrica, na substituição
do parque automóvel, no investimento em transportes colectivos urbanos e na
ferrovia (rede e composições), nas infraestruturas de reciclagem e
reaproveitamento, na transformação de milhões de edifícios energeticamente
ineficientes… Enfim, trata-se “apenas” de virar de alto a baixo uma sociedade e
uma economia que durante muitas décadas se viciaram em petróleo e seus
derivados, na exploração muitas vezes sem regras e pouco senso de recursos
naturais e no conforto e comodidade que tudo isto permitiu.
E além desta há
mais duas certezas que importa ter muito presentes.
Uma é que além de
custos económicos, a descabornização da economia e o combate às alterações
climáticas exige de todos mudanças de hábitos e comportamentos que implicam que
se abdique desses níveis de conforto e comodismo na forma como hoje os
entendemos.
A outra é que se
não aceitarmos pagar esses custos agora vamos pagá-los muito mais caros no
futuro sob diversas formas, de cuidados de saúde à ajuda a largas fatias de
populações afectadas por fenómenos climáticos e naturais adversos – este custo
já o estamos a pagar. E, pior do que isso, há coisas que não têm preço, como a
redução da biodiversidade e a extinção de espécies, a perda de vidas humanas e
a perda de qualidade de vida de forma não voluntária, não planeada e não
controlada.
A tarefa é
ciclópica e só terá alguma eficácia com um nível de frontalidade e verdade que,
para já, está ausente dos discursos e das medidas que se vão vendo e ouvindo.
Pode ser giro ver
governantes a andar de carro eléctrico, reitores a banir a carne de vaca de
cantinas ou ministros a incentivar que no Verão as gravatas fiquem em casa para
que se possa poupar alguma energia no ar condicionado. Mas para além do
simbolismo e do bem que se fica nessas fotografias, pouco ou nada se resolve,
sobretudo porque são actos isolados de qualquer plano abrangente e consequente,
pensado e estudado para produzir resultados visíveis.
De igual modo,
colectivamente estamos na fase reivindicativa de pedir – não se sabe bem o quê,
concretamente, ou a quem – que se faça alguma coisa.
As manifestações,
protestos, greves e discursos são importantes para colocar o assunto nas
agendas e isso já foi conseguido. Prova disso é a importância que os temas
ambientais já tiveram nesta campanha eleitoral – independentemente da forma
mais séria ou populista e extremista das várias abordagens – e os ecos globais
que tem cada passo dado por Greta Thunberg.
Mas ainda estamos
muito longe. Depois desta fase “discurso de Miss Mundo”, em que se apela a um
mundo melhor, livre de fome, guerras e com bom ambiente, com que quase todos
concordam, teremos que passar rapidamente às medidas concretas, pensadas,
discutidas, planeadas, calendarizadas e devidamente orçamentadas entre custos,
proveitos e impactos económicos e sociais.
É que é fácil e
cómodo ir e vir de automóvel a gasolina ou gasóleo participar no protesto
contra a prospecção de petróleo. Ou ir carregado de telemóveis e máquinas
fotográficas e de vídeo que só funcionam com baterias de lítio reivindicar que
não se explore esse minério no país.
A menos que o que
se pretende, afinal, é o dumping ambiental em relação a outras regiões –
queremos continuar a usufruir destas matérias-primas mas não queremos pagar os
custos de explorá-las no nosso quintal.
Também é cómodo
protestar contra o capitalismo, o pai de todas as desgraças, em marchas
convocadas através do Facebook e Whatsapp e depois devidamente documentadas no
Instagram. Mark Zuckerberg, dono das três, deve sorrir com o aumento de tráfego
nas suas plataformas, que só funcionam tão bem porque têm data centers imensos
que consomem muita energia – neste estudo publicado pela Nature calcula-se que
o sector das tecnologias de informação tenha neste momento uma pegada de
carbono semelhante à da aviação. Mas como os data centers não libertam fumo não
dão tanto nas vistas.
E o Guardian diz
que esse sector pode ser responsável por 20% do consumo de energia daqui a seis
anos.
E aqui chegamos à
velha questão: em vez de perguntarmos o que é que os governos estão a fazer
pelo planeta teremos que responder o que estamos todos – todos mesmo –
disponíveis para fazer por ele. Porque os governos, sejam eles quais forem, podem
e devem ser organizadores e promotores de políticas públicas. Mas uma parte
essencial do que tem de ser feito depende das sociedades e da disponibilidade
que cada um terá para mudar de vida.
Os governos
dispõem de ferramentas para condicionar os cidadãos e conduzi-los à mudança de
hábitos. São os incentivos e penalizações dados pelas leis e, sobretudo, pelas
medidas fiscais.
Conhecemos essas
ferramentas do tabaco e do álcool, por exemplo, que pagam impostos elevados,
têm a venda e publicidade condicionadas e utilizações reguladas por causa dos
impactos individuais e sociais que podem provocar.
Mais
recentemente, o pacote da fiscalidade verde taxou, e bem, os sacos de plástico
de supermercado, provocando alterações no comportamento de muitos consumidores
e incentivando empresas a criar alternativas.
Os veículos
eléctricos comprados por empresas também dispõem de incentivos fiscais.
Chega então a
hora de enfrentar o problema e de pedir clareza sobre o que ele implica.
Aos governos e
aos políticos exige-se frontalidade, verdade e transparência sobre os custos
dos planos de descabornização, o seu financiamento e impacto económico.
Como vai ser
utilizada a política tributária para provocar a alteração de comportamentos e
padrões de consumo? Que produtos e serviços vão ser penalizados e quais vão ser
incentivados? Se vamos optar por condicionar o crescimento económico para
proteger o ambiente, que impacto social devemos esperar? Como vão ser
repartidos os custos pela sociedade?
É que nos
discursos cheios de boas e genuínas intenções por regra não se abordam estas
questões aborrecidas.
Aos cidadãos
pede-se que, na parte que lhes diz respeito, estejam disponíveis a suportar os
custos que a mudança económica, social, comportamental e de consumo implicam.
Custos económicos e de conforto e comodidade.
Pensar que o que
está em causa se faz com pequenos ajustamentos e sem custos e concessões
importantes do nosso modo de vida é uma ilusão que deve ser rapidamente
afastada.
Nota: O autor
escreve segundo o antigo acordo ortográfico.
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