Manuel Carvalho
EDITORIAL
Um retrato
deprimente do Estado português
A forma como um
programa nacional de extrema importância para o país se degradou e pereceu
entre os gabinetes do Governo é um sinal óbvio de que o Estado não é capaz de
dar resposta aos desafios colectivos.
4 de Setembro de
2019, 0:41
O relatório do
Tribunal de Contas sobre o pomposo e outrora ambicioso Programa de Acção
Nacional de Combate à Desertificação diz-nos mais sobre a forma como somos
governados do que uma dúzia de debates quinzenais no Parlamento. Nele se
combinam a devoção à propaganda de quem está no poder, a incompetência, o
laxismo, a demissão, a ligeireza e, como corolário, a irresponsabilidade. Entre
o que foi anunciado para as páginas dos jornais e o que acabou por ser
concretizado no terreno sobra o voluntarismo inconsequente, a degradação da
qualidade dos serviços do Estado e o autismo dos dirigentes dos serviços face
aos problemas reais do país. Nos intervalos entre 1960-1990 e 1980-2010, a área
do território nacional susceptível de se desertificar aumentou de 36% para 58%.
Apesar da gravidade da situação, o Estado, diz o tribunal, nada fez para a
contrariar.
E, quando se
escreve nada, quer-se mesmo dizer nada. O relatório é categórico: o programa
fixou objectivos no papel, mas depois não identificou, nem concretizou acções,
não distribuiu responsabilidades entre as diferenças instâncias da
administração, não calendarizou, não fixou nem angariou os recursos
necessários. Foi criada uma comissão central nacional e núcleos regionais que
mobilizaram 155 entidades, mas acabaram por se transformar em actores de uma
peça sem argumento. A comissão nacional reuniu-se uma única vez em 2017. Entre
2014 e 2018 o núcleo do Norte juntou-se 20 vezes, enquanto o do Alentejo, onde
os problemas são mais graves, limitou-se a quatro reuniões. Entre o anúncio
pomposo de mais um programa e a sua queda no esquecimento, passaram anos
cruciais. A desertificação e a degradação dos solos nacionais permaneceu sem as
respostas que o programa poderia dar.
Quando se fala
num Estado macrocéfalo, labiríntico e ineficiente, é disto que se está a falar.
Os que receiam a descentralização ou as autarquias regionais acabam de forma
involuntária por legitimar o gigantismo de uma organização que, incapaz de
responder aos desafios que o país lhe coloca, se perde e degrada na impotência.
Por muito que haja responsabilidades a pedir a directores de serviços ou a
institutos ou a ministros, a forma como um programa nacional de extrema importância
para o país se degradou e pereceu entre os gabinetes do Governo é um sinal
óbvio de que o Estado não é capaz de dar resposta aos desafios colectivos. E
não se trata apenas de pessoas ou de governos: trata-se fundamentalmente de um
modelo de governo arcaico e desligado dos desafios e soluções do mundo moderno.
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