Zero chumba
Montijo e alerta para “emissões enormes” de carbono
A associação
ambientalista dá um parecer negativo ao Aeroporto do Montijo. E alerta para os
danos ambientais provocados pelas emissões, numa altura em que as metas de
neutralidade carbónica já estão a apertar.
Francisco Alves
Rito 20 de Setembro de 2019, 7:00
A associação
ambientalista Zero entregou um parecer negativo, no âmbito da consulta pública
ao Estudo de Impacte Ambiental (EIA) ao projecto do Aeroporto do Montijo e
Respectivas Acessibilidades, “enquadrado na queixa que foi feita à União
Europeia”, explicou ao PÚBLICO o seu presidente, Francisco Ferreira. E nesse
parecer chama especial atenção para o impacto que a infra-estrutura vai ter em
termos de emissões de carbono.
“As emissões de
gases com efeito de estufa não são adequadamente avaliadas. Não é avaliado o
impacte dos voos associados. Isso é muito significativo tendo em conta que
temos um objectivo de neutralidade carbónica, estamos a descer as outras
emissões, e aqui vamos ter conjunto de emissões enormes”, sublinhou,
acrescentando que “a aposta na duplicação de tráfego de passageiros nos
aeroportos de Lisboa nos próximos 40 anos – dos 30 milhões para 60 milhões – é
uma visão completamente contra a sustentabilidade do planeta”.
“Não há nenhuma infra-estrutura destas
encostada a uma zona tão relevante de conservação da natureza como esta junto
ao Estuário do Tejo. Esta área tem dois estatutos – Sítio de Interesse
Comunitário (ao abrigo da directiva Habitats) e Zona de Protecção Especial
(directiva Aves) – que incluem a Rede Natura”, exemplifica.
Sobre o impacto
sonoro nas populações, Francisco Ferreira conclui que “os receptores sensíveis
nas zonas de sobrevoo são 66, entre Barreiro (48) e Moita (18)”. “É uma
quantidade impressionante. Os efeitos do sobrevoo dos aviões, na saúde humana,
vão sendo crescentes com o passar do tempo.”
Para além disso,
Francisco Ferreira partilha aquela que diz ser a “principal razão” para estar
“contra o Montijo”: “Montijo vai ser decidido, porque é opção política que está
tomada e este processo de Avaliação de Impacte Ambiental é ingrato porque vão
ser ignorados muitos argumentos válidos. Quando Montijo for aprovado, as duas
infra-estruturas estão interligadas, pelo que Lisboa irá prevalecer pelo menos
mais 40 anos. Um outro aeroporto deixa de estar em cima da mesa. Essa discussão
devia ser agora. Ponderar todas as opções.”
Cinco outras
organizações não-governamentais na área do ambiente fizeram saber em comunicado
conjunto que deram igualmente parecer negativo ao EIA. GEOTA, Liga para a
Protecção da Natureza, Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, SPEA —
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e A Rocha consideram que o estudo
“falha em todas as vertentes relacionadas com a avaliação de impactes, a
mitigação e as medidas compensatórias”. E que está em desconformidade com
“directivas europeias, legislação nacional e compromissos assumidos pelo Estado
português perante tratados internacionais”, no que diz respeito à conservação
do património natural e ao desenvolvimento sustentável.
Consideram também
que ele não demonstra que esta seja a única solução, além de que “não avalia os
impactos na qualidade de vida e na saúde pública das populações que vivem nas
áreas que passarão a ser sobrevoadas por aeronaves”. No comunicado conjunto, é
ainda referido que o EIA desconsidera “habitats e espécies prioritários, bem
como áreas protegidas”, acrescentando que “não pondera suficientemente” os
riscos de colisão com aves.
“Este EIA, nas
suas fragilidades, vem no seguimento de uma falha com origens mais profundas:
considerar projectos desta natureza sem uma Avaliação Ambiental Estratégica é
de uma irresponsabilidade que nos dias de hoje não se pode aceitar”, salientam
no comunicado, defendendo que sejam estudadas e comparadas todas as
alternativas possíveis.
Em nome das aves,
cientista arrasa Estudo de Impacto Ambiental do Montijo
Investigador
entregou, por iniciativa própria, parecer que denuncia um “ataque gritante” à
conservação da avifauna em áreas protegidas e que terá consequências que vão
muito além do Tejo.
Andrea Cunha
Freitas 20 de Setembro de 2019, 7:02
Deficiente,
desactualizado e, pior do que isso, minado de falhas e erros graves –esta é a
conclusão de um cientista da Universidade de Aveiro sobre o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) do novo aeroporto do Montijo. José Alves, investigador
especializado no estudo das aves que já publicou vários artigos científicos em
revistas prestigiadas como a Nature ou a Science, entregou no passado dia 18,
quase no final do prazo de consulta pública, um detalhado e demolidor parecer
sobre o projecto que acredita que deve ser inviabilizado. Segundo conclui, o
EIA não faz uma avaliação actual nem correcta dos possíveis efeitos deste
projecto nas aves que vivem (ou apenas passam) nas áreas protegidas (Reserva
Natural do Estuário do Tejo e Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo).
A avifauna é
apenas uma das frentes avaliadas pelo EIA do Montijo. É o “anexo 6”, nota José
Alves, que assina o parecer que espera que sirva para que a Agência Portuguesa
do Ambiente emita uma declaração desfavorável ao projecto. Os dados e
conclusões do EIA sobre as aves baseiam-se numa mera “recolha de informação
bibliográfica, muito dela desactualizada e não disponível para a vasta maioria
das espécies”, denuncia o investigador da Universidade de Aveiro. Um exemplo:
os dados de distribuição e abundância das aves nestes locais foram recolhidos
há dez ou 15 anos e não foram sequer validados. As fontes de informação (e
respectivas datas de recolha de dados) são expressamente assumidas no EIA, bem
como ali se admite a falta de informação para muitas espécies ou sobre
eventuais factores de perturbação.
Depois, prossegue
o cientista, há ainda erros na aplicação do modelo de perturbação das aves (por
ruído) à situação prevista para o aeroporto do Montijo. No EIA, a estimativa
apoiou-se num estudo que analisou os efeitos de um ruído emitido durante três
segundos, o que claramente não vai corresponder à realidade. Falta também
prever os efeitos mais abrangentes das rotas dos aviões a descolar e a aterrar
nas zonas de alimentação e refúgio. Para o cálculo de uma possível zona de
impacto, apenas foi considerada uma espécie (o pilrito-de-peito-preto), com base
num estudo de 2002 e 2003, que não é válido para outras espécies. O resultado
são estimativas “muito duvidosas e até erradas”. No que se refere a medidas de
compensação, o EIA refere apenas a possibilidade da “beneficiação de habitat em
zonas de refúgio”. É preciso muito mas do que isso, diz José Alves, sublinhando
que o documento se limita a considerar (e com erros e falhas) duas ameaças à
avifauna: a perturbação pelo ruído e a mortalidade por colisão com aeronaves.
“O projecto vai
certamente causar perturbação sobre as aves que usam as áreas protegidas
estabelecidas e consagradas na lei para esse efeito (Reserva Natural do
Estuário do Tejo e Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo). O Estudo de
Impacto Ambiental reconhece isso mesmo, mas não é rigoroso nesse aspecto e,
como tal, os impactes são maiores do que o descrito”, refere ao PÚBLICO.
Temendo o pior, o cientista pede pelo menos que, “caso, ainda assim, o projecto
avance”, seja elaborado um estudo mais detalhado e rigoroso para a adopção de
medidas de mitigação ou compensação que possam responder, de facto, aos
estragos causados. “Uma avaliação inadequada resultará em medidas de mitigação
ou compensação que ficam aquém do impacte real causado pelo projecto”, avisa.
O parecer de José
Alves, docente no Departamento de Biologia e investigador no Centro de Estudos
do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, não foi encomendado por
ninguém. “Este parecer nasce da minha própria iniciativa como membro da
sociedade civil preocupado com o sexto evento de extinção em massa que
actualmente vivemos e que tem origem na acção humana. Mas também pela minha
responsabilidade profissional como investigador sobre o rigor
técnico-científico na área da ecologia e os efeitos de um projecto desta
natureza para a conservação da biodiversidade”, justifica.
José Alves estuda
as aves migradoras há 15 anos no estuário do Tejo, mas também no Árctico e na
África Ocidental. “Um ataque tão gritante à sua conservação (consagrada na lei)
não pode ser assente apenas em decisões políticas que se prendem com a ideia de
que o crescimento económico justifica tudo ou quase tudo”, argumenta ainda. O
cientista deixa ainda um desafio aos decisores políticos que têm levantado a
bandeira da sustentabilidade e protecção do ambiente: “Nós temos o privilégio
de ser os cuidadores deste planeta durante os poucos anos que aqui estamos e
podemos decidir deixar os ecossistemas naturais em melhor estado do que os
encontramos ou em pior estado, sendo que, na segunda possibilidade que
infelizmente tem prevalecido na larga maioria dos casos, quem irá pagar as
contas do nosso ‘crescimento económico’ são as gerações futuras, pelo menos até
enquanto houver ‘crédito’.”
É possível e
desejável fazer diferente neste caso, acredita José Alves. “É possível estimar
de forma mais rigorosa os impactos”, sublinha, apresentando no seu parecer uma
série de dados mais actuais, rigorosos e precisos. Mas, afinal, o que pode
acontecer com a avifauna se o projecto avançar? “Avançar com um projecto desta
natureza sem acautelar devidamente os impactos na avifauna pode resultar na
descaracterização do local, uma vez que as aves poderão vir a abandonar o mesmo
(com implicações ao nível dos ecossistemas).
Isto pode até
ocorrer com as ditas medidas de compensação, uma vez que os impactos previstos
podem ficar aquém dos reais, por isso é sempre um risco”, antevê. E as
consequências prometem um longo alcance que vai além das zonas protegidas.
“Mais do que a perda de biodiversidade local, como se trata de um estuário com
grandes concentrações de aves migradoras, os impactes terão repercussão muito
para além do estuário do Tejo e serão sentidos ao longo da rota migratória do
Atlântico Leste, da qual este estuário é uma peça fundamental”, diz o
cientista.
É que, explica,
há muitas aves migradoras que se reproduzem no Norte do continente europeu e
americano, incluindo no Árctico, que usam o estuário do Tejo como local de
“invernada”. E há outras ainda que migram até África Ocidental e que fazem do
estuário do Tejo um ponto de abastecimento nas suas migrações. “Se esta peça do
puzzle deixa de cumprir a sua função de ‘porto de abrigo seguro’, estas aves
correm o risco de não conseguir completar as suas migrações anuais com
potenciais implicações na dinâmica global destas espécies.”
José Alves nunca
viu nada assim. “Desconheço que exista um projecto desta envergadura no limite
de uma área protegida e com impactes tão assinaláveis dentro de áreas
protegidas a nível nacional e internacional.” No entanto, admite que a
tentativa de levar a cabo algo do género não é inédita. “Conheço tentativas
noutros países para a elaboração de projectos de grande dimensão com impactes
previstos em espécies e/ou habitats com estatuto legal de protecção e que foram
chumbados, prevalecendo a aplicação da lei.”
Mesmo quando não
estão inseridos em zonas protegidas, os aeroportos são forçados a conviver com
aves e a tomar medidas (umas mais drásticas do que outras) para evitar
acidentes. “Praticamente todos os aeroportos usam medidas de afastamento de
aves, por exemplo falcoaria (utilização de aves de rapina). Outros, localizados
em zonas de altas densidades de avifauna, recorrem a métodos sonoros (por
exemplo, pistolas pirotécnicas ou canhões de gás) e até ao abate de mais de mil
aves por ano, como acontece nos Estados Unidos”, lembra José Alves.
tp.ocilbup@satierfca
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