Com dívida de
Portugal nos 300%, "imaginem o choque de 2% nas taxas de juro",
alerta Horta Osório
O banqueiro
português do Lloyds esteve em Lisboa e partilhou os seus receios para a economia
portuguesa. A dívida total portuguesa — que chegou aos 289% do PIB — surge à
cabeça.
Nuno Vinha
Texto
27 sep 2019,
13:04 76
▲António Horta Osório é presidente da comissão executiva do britânico Lloyds Bank,
sedeado numa das principais praças financeiras do Mundo,
Londres.
“Imaginem o
choque de 2% nas taxas de juro. Isto acontecerá mais tarde ou mais cedo e, dado
que temos uma dívida no país de cerca de 300% do PIB, implicará um choque, num
período mais ou menos alargado, de cerca de 6 pontos percentuais no PIB”. Foi
com este alerta que o banqueiro António Horta Osório, presidente da comissão
executiva do Lloyds Bank, apontou um dos principais problemas que, na sua
opinião, a economia portuguesa terá de enfrentar: o alto nível de
endividamento. Não só do ponto de vista da dívida pública, mas do ponto de
vista da dívida total do país.
“É preciso que
não sejamos complacentes. E resolver”, disse Horta Osório na abertura o ano
letivo do ISCTE, em Lisboa, perante um auditório cheio de alunos e com o
ministro de Estado e da Economia, Siza Vieira, na plateia. “O que se passa no
país desde a crise? O esforço brutal que as famílias e as empresas portuguesas
fizeram dá-me a impressão de que a dívida deveria ter-se reduzido e não foi
isso que aconteceu”, salientou.
A dívida de
Portugal desde 2007 até hoje – dados do primeiro trimestre deste ano — mostram
que a dívida total do país aumentou em 24 pontos percentuais, explicou Horta
Osório, citando os últimos dados disponíveis. “É claro que as empresas passaram
de 110% do PIB (em 2007, no período pré-crise ) para cerca de 100%. As empresas
reduziram o seu endividamento, e bem, porque era — e na minha opinião ainda é —
bastante alto”.
Também as
famílias “fizeram um ajustamento brutal”, passando dos 87% de endividamento (em
2007) para cerca de 66%”. “Mas a dívida pública aumentou dos 68% [em 2007] — esteve nos 135% [nos piores anos da
intervenção da troika] — estando agora nos 123%. Tudo somado significa que o
total da dívida do pais aumentou em 24 pontos percentuais no espaço de 12 anos
“e está em cerca de 300% do PIB”, mais precisamente nos 289%.
“Porque é que
isto é muito relevante? Porque nós estamos num ambiente de taxas de juro muito
baixas, que nós não controlamos já que são determinadas pelo Banco Central
Europeu. Todas as indicações vão no sentido de que essas taxas baixas vão
continuar baixas por mais tempo do que se pensava, por exemplo, há seis meses”,
explicou Horta Osório.
Mas mais tarde ou
mais cedo, disse ainda o banqueiro português, “é normal que o BCE atinja o seu
objetivo de inflação — 2% — e em consequência, as taxas de juro tenderão a ser,
no mínimo, 2%”.
“Ora, imaginem o
choque de 2% nas taxas de juro. Isto acontecerá mais tarde ou mais cedo e, dado
que temos uma dívida no país de cerca de 300% do PIB, implicará um choque num
período mais ou menos alargado de cerca de 6 pontos percentuais no PIB. Ou
seja, tal como na fábula da formiga e da cigarra há que aproveitar os bons
tempos presentes para continuar a reduzir a dívida pública, por um lado, e a
dívida do país por outro”, concluiu.
E se recentemente
o ministro das Finanças, Mário Centeno, usou o caso de Espanha para comparar as
taxas de crescimento nos dois últimos anos [com as novas regras de cálculo
Portugal cresceu mais do que o país vizinho em 2017 e 2018], também Horta
Osório deu o exemplo espanhol para apontar os menores riscos que corre a
economia que faz fronteira connosco. “Quando comparamos com a Espanha, a
Espanha apenas aumentou 9 pontos percentuais a dívida nestes últimos doze anos,
e tem 250% do PIB: menos dívida pública, menos dívida das empresas e menos
dívida privada”.
E o caso de
Itália? “Nós temos 289% do PIB de dívida, a Itália — de quem muito se fala, e
que aumentou muito mais do que nós a dívida total do pais nestes últimos doze
anos, um total de 31 pontos percentuais —
a Itália tem uma dívida total de ‘apenas’, e digo apenas entre aspas, de
244% do PIB”, disse Horta Osório. “Mesmo tendo mais do que nós em dívida
pública – 134% — que era a grande preocupação que os mercados tinham até
recentemente, tem muito menos dívida das empresas e muito menos divida dos
particulares. E como sabemos é um país muito rico”, sublinhou.
“Um irlandês, em
média, ganha o dobro de um português. Essa é que é a realidade”.
Horta Osório
analisou ainda o crescimento de Portugal nos últimos 20 anos, “face aos
principais vizinhos ou países comparáveis”. “Se olharmos os últimos 20 anos,
como é que Portugal cresceu? Entre 2000-2007, o pré-crise, Portugal cresceu a
cerca de 1,5%, ou seja pior do que todos os outros. A Espanha cresceu quase 4%,
a Irlanda cresceu 6%, a Grécia cresceu 4%, nessa altura, e a média dos países
do espaço europeu cresceu 2%”.
No período entre
2008 e 2017, Portugal “não cresceu nada”, face aos 4% da Irlanda, “mesmo tendo
uma crise muito parecida com a nossa”. E apenas a Grécia esteve bastante pior
do que nós, recordou o banqueiro português.
E quais são as
projeções para o período entre 2018 e 2020. “É que nós cresçamos à volta de
pouco menos de 2%, menos que a Espanha, menos do que a Grécia, muito menos do
que a Irlanda, e um bocadinho acima do espaço económico europeu. Não é mau, mas
não é extraordinário”, disse Horta Osório, sem se alongar mais em explicações.
“Portanto, no
período destes 20 anos, vemos que apenas crescemos mais do que a Grécia. Em 20
anos crescemos 1%, Espanha cresceu o dobro e a Irlanda cresceu 5 vezes mais. A
Irlanda em 20 anos cresceu, em média, 5% ao ano em termos reais, enquanto
Portugal cresceu 1%”.
Para o presidente
do Lloyds, este dado é relevante porque mostra a forma como reagiu a sociedade
da Irlanda, um país com a dimensão de Portugal e que teve uma crise muito
parecida à portuguesa. E mostra também o que os portugueses não fizeram.
“Nos últimos 20
anos, o facto de os irlandeses cresceram a 5% e nós a 1% significa apenas que
os irlandeses criaram o dobro da riqueza do que os portugueses. Por alguma
razão (…) um irlandês, em média, ganha o dobro de um português. Essa é que é a
realidade”, concluiu. António Horta Osório até poderia ter deitado um olhar ao
ministro da Economia, que abriu a conferência, mas por esta altura o governante
português já tinha deixado o auditório, para ir a outros compromissos.
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