ENTREVISTA
Carlos Moedas: imigrantes em Portugal só “se tiverem
contrato de trabalho”
Autarca de Lisboa desafia Governo a recuperar
contingentes de imigrantes e critica a criação do visto que permite a entrada
de estrangeiros no país durante seis meses para procurarem trabalho.
Cristiana Faria
Moreira e Susana Madureira Martins (Renascença)
9 de Fevereiro de
2023, 6:11
Carlos Moedas critica novo visto para imigrantes que
procuram trabalho em Portugal
Carlos Moedas
defende a imposição de contingentes para os imigrantes que querem instalar-se
em Portugal, como forma de prevenir as degradantes condições em que muitos
vivem no eixo da Avenida Almirante Reis, no centro de Lisboa, como as dos
moradores do prédio da Mouraria que ardeu no fim-de-semana.
Em entrevista no
programa Hora da Verdade, do PÚBLICO e da Rádio Renascença, o presidente da
Câmara Municipal de Lisboa (CML) deixa ainda críticas ao Governo, que diz estar
“desgastado”, e elogia o líder do seu partido, Luís Montenegro, por andar no
terreno a “ouvir as pessoas”. Sobre possíveis acordos com o Chega para um futuro
Governo de direita, puxa do seu próprio exemplo: ganhou a Câmara de Lisboa com
uma coligação que não incluía o partido de André Ventura. E remete para o líder
social-democrata uma posição mais clara sobre o assunto. “Tem de marcar uma
entrevista com o líder do PSD e ele dirá.”
Na madrugada de
domingo, houve mais um incêndio no eixo da Avenida Almirante Reis, zona onde
vivem muitos imigrantes em condições de extrema precariedade. Quantas situações
semelhantes tem a CML sinalizadas e o que é que tem feito para salvaguardar a
segurança destas pessoas?
Mais ou menos da
Praça do Chile para baixo, até ao Martim Moniz, temos um problema gravíssimo de
sobrelotação. É um problema que acontece também noutras cidades. Mas isso tem a
ver com políticas de imigração. Temos uma lei de estrangeiros com mais de dez
anos que previa, no seu tempo, que o próprio Estado olhasse todos os anos e
visse qual era o contingente de pessoas que precisávamos.
Os refugiados
devem ser sempre acolhidos. Para migrantes económicos, os países têm que ter
políticas de imigração. Portugal precisa de imigrantes. Estamos a diminuir a
população. Precisamos de mais pessoas, mas para isso temos que estabelecer
contingentes daquilo que precisamos e essas pessoas têm que chegar com
dignidade.
Está a falar de
quotas?
De contingentes.
De quantas pessoas é que precisamos na agricultura, na indústria, nos serviços?
Isso deveria ser publicado todos os anos e nunca foi feito. Depois de publicar
esses contingentes, as pessoas vêm para Portugal se tiverem um contrato de
trabalho. Temos neste momento as pessoas a chegarem a Portugal sem promessa de
trabalho. Aliás, há um novo visto, que não faz sentido nenhum, que é um visto
para as pessoas chegarem e procurarem trabalho.
Isso abre um
debate complicado, sobre quotas de imigração, muito apetecível para um lado do
Parlamento...
É pena, porque
não devíamos politizar este tema, porque estes contingentes existem na
Alemanha, na Suécia, no Canadá. Carlos Moedas, político, acredita que
precisamos de mais pessoas em Portugal. Agora temos de dar dignidade a essas
pessoas. Não podem vir para Portugal sem terem condições nenhumas. As pessoas
não podem vir para o nosso país sem terem um trabalho.
Temos pessoas que
têm um arrendamento de uma casa e depois subarrendam a casa a 20 ou 30 pessoas.
Isto é escandaloso. Este trabalho é feito com o Governo — eu estou a falar no
Governo nesse sentido — e também com as juntas de freguesia, porque são elas que
dão os atestados de residência. Quando uma junta verifica que uma casa tem
cinco ou seis atestados de residência, alguma coisa está mal...
A câmara não pode
intervir nesse processo?
A câmara não pode
entrar na propriedade privada, a não ser que haja uma denúncia. Alguém pode
fazer essa denúncia. Quando temos denúncias, actuamos.
Está a falar
deste problema com o Governo? Já houve algum tipo de abertura da parte do
ministro José Luís Carneiro?
Estamos a falar
sobre vários temas. Isso é uma questão política. Eu não falei deste tema, estou
aqui apenas a diagnosticar a situação e estou a dizer o que, como político,
penso que está mal. Não podemos ter, como nenhum país tem, uma política em que
as pessoas chegam e depois estão nesta precariedade.
Não podemos ter
uma política em que recebemos as pessoas e depois elas estão ao abandono. Temos
de ter uma política que acompanhe os imigrantes. Agora não podemos ter uma
política em que qualquer pessoa entra no país sem ter qualquer vínculo. O meu
discurso é totalmente a favor de imigração, no sentido de essa imigração ser um
valor acrescentado para o país.
Além das questões
que mencionou, a sobrelotação das casas leva-nos ao tema habitação. Por
diversas ocasiões ouvimos a vereadora da Habitação, Filipa Roseta, dizer que o
modelo escolhido pelo anterior executivo para envolver os privados na
construção de habitação pública não funcionou. Que modelo é que o seu executivo
propõe para haver mais habitação pública?
Estamos a fazer o
maior investimento em habitação da cidade de Lisboa desde há décadas. É uma
solução multifacetada, de construirmos habitação e aí temos uma ajuda europeia
única, de quase 400 milhões de euros para habitação em Lisboa até 2026. Há mil
casas em construção, graças ao dinheiro europeu. Depois temos dois mil fogos
vazios nos bairros municipais. Neste momento conseguimos investir 40 milhões
nos bairros municipais para requalificar estes fogos. E estamos a atribuí-los.
Neste momento estamos a fazer 800 para poderem ser entregues.
Lançámos uma
cooperativa no Lumiar. Queremos ter cinco cooperativas. É uma medida muito à
esquerda olhar para um terreno e oferecer esse terreno para as pessoas poderem
construir. Fica mais barato porque não pagam o terreno. No ano passado,
ajudamos 1259 famílias, entre apoio à renda e atribuição de casas, que foi o
mais alto desde há dez anos. É uma luta que é sempre difícil porque nunca será
suficiente, mas estamos a fazer mais e vamos continuar.
Vai haver
construção pública municipal nova em Lisboa até ao final do ano?
Estamos a
construir mil fogos.
Mas são projectos
que vinham do anterior executivo...
Uns são do
anterior, outros são nossos. Outros serão futuros. As cooperativas fomos nós
que trouxemos. Os projectos de que estamos aqui a falar de 400 milhões de
dinheiro europeu somos nós que estamos a fazer.
O gabinete
anticorrupção que a câmara criou recentemente vai servir para quê? Para evitar
situações como as investigações que estão a decorrer neste momento em torno da
Câmara de Lisboa, processos como o Tutti-Frutti?
Somos a primeira
câmara no país com um departamento anticorrupção, de transparência. É um
assunto que digo que é operacional na câmara. A corrupção só se pode combater
através de processos claros. Criámos processos para que seja claro para um
investigador aquilo que foi feito. Quais são os processos que temos que fazer a
cada passo para que tudo seja transparente. Ainda neste caso da Jornada Mundial
da Juventude, como é que foram os processos de consulta às empresas? O
Departamento de Anticorrupção e da Transparência da câmara vai tratar
exactamente de montar processos que não existiam para que isto seja totalmente
claro.
Estamos a
digitalizar todos os processos para que, quando entra um processo [de
urbanismo] na câmara, essa pessoa possa ter acesso directo através de uma
plataforma online para saber onde é que está esse processo. Aí também vamos
mostrar as nossas próprias fraquezas quando não trabalharmos ou quando não
fizermos o que devíamos. Mas vai ser transparente.
Nesse âmbito, foi
criado um canal de denúncias. Quantas é que já recebeu?
Nós recebemos
denúncias todos os dias e essas denúncias vêm pelo canal de denúncias, mas vêm
também por carta. Todas elas são tratadas. Essas denúncias são reportadas ao
Ministério Público.
Detectou alguma
ilegalidade enquanto autarca nos mandatos anteriores que tenha enviado para o
Ministério Público?
Não, não enviei
nada ao Ministério Público. O que temos feito é internamente olhar para os
processos.
O Ministério
Público acusou o presidente da Junta de Freguesia de Alcântara de lesar a Santa
Casa da Misericórdia. Davide Amado já se demitiu da liderança do PS-Lisboa.
Deveria demitir-se também da presidência da junta?
Não farei nenhum
comentário de algo que não tenho qualquer conhecimento. Só pela comunicação
social. Só tive a informação de que o senhor presidente da junta se tinha
demitido das suas funções políticas. Mas isso não é algo que eu possa tecer
algum comentário como presidente.
Considera que
mantém condições para continuar como presidente de junta, tendo uma acusação
destas às costas?
Isso é uma
avaliação que um eleito tem que fazer. Não é o presidente da câmara. Eu faço
essa avaliação quando essas coisas dizem respeito à minha pessoa. Eu nunca fui
arguido, nem nunca tive nenhuma acusação. Foi dito por mim muitas vezes que uma
coisa é ser arguido — e muitos presidentes de câmara têm sido arguidos —, outra
coisa é ser acusado. É obviamente mais grave ser acusado.
E deve levar a
outro tipo de consequências?
Eu não conheço
esta acusação, não sei exactamente o que é que está por trás. Apenas ouvi nos
noticiários e portanto não sou eu que vou fazer uma avaliação de algo que está
a decorrer na Justiça. O que digo é que estamos a chegar a um ponto na nossa
política em Portugal em que este acumular de situações é muito grave para a
democracia e para todos os partidos.
Há uma
politização dos casos judiciais?
Eu não sei se há
uma politização ou não, mas sei que são muitos. E sei que isso descredibiliza e
tem um efeito terrível na democracia. São muitos casos. São casos que estão a
ser investigados e, portanto, não sou eu que vou comentar. Mas penso que é
triste para a política portuguesa vermos neste momento tantos casos, tantas
situações que não deveriam acontecer.
Moedas deixa
recado a Montenegro: É "possível ganhar eleições" sem o Chega
Para Carlos
Moedas, o Governo está “com um desgaste grande” depois de tantas semanas de
polémicas a envolver membros do executivo. E deixa grandes elogios ao líder do
PSD, Luís Montenegro, que diz estar a fazer “um excelente caminho”, como “há
muito tempo não se via na política e não se via no próprio PSD”, ao “chamar a
sociedade civil, andar pelo país, ouvir as pessoas”.
Questionado sobre
se o líder social-democrata deve clarificar a relação com o Chega, o autarca
diz que só Luís Montenegro o poderá fazer e atira com o exemplo que deu em
Lisboa, ao ganhar a câmara com uma coligação que não incluiu o partido de André
Ventura.
“Em Lisboa nunca
tive e nunca quis nenhuma coligação com o Chega. Nem eu queria, nem eles
queriam. Muitas pessoas que votaram em mim eram do centro — e até do PS — e
outros eram mais à direita e estavam descontentes”, afirma Moedas.
Para isso, diz, é
preciso “não focalizar o seu discurso nos outros partidos” e alargar o
eleitorado do PSD. “As pessoas que nunca estiveram na política, que se estão a
aproximar do PSD, os militantes e os não militantes, mas sobretudo a sociedade
civil por esse país fora”, nota.
tp.ocilbup@arierom.anaitsirc
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