(...) “Há uma
falta de fiscalização generalizada”, alerta João Appleton. O engenheiro
refere-se à inevitabilidade de uma Lisboa antiga, construída quando ainda não
havia regras antissísmicas para cumprir, mas também de construções recentes, o
que, na sua opinião, “devia ser considerado um crime”.
"O
engenheiro civil especializado em reforço sísmico recorre à História para
traçar um plano da cidade. “Até 1960 não havia regulamentação específica quanto
aos sismos e, mesmo depois disso, só a partir de meados da década de 80 é que
surgem os primeiros regulamentos que se podem considerar satisfatórios no que
diz respeito à segurança dos edifícios”, explica. A única exceção apontada pelo
especialista refere-se aos edifícios construídos logo a seguir ao terramoto de
1755, mas mesmo esses “foram alterados e adulterados ao longo do tempo”.(...)
Sismo em Lisboa.
Vai acontecer, em força e sem aviso
MARTA CERQUEIRA
05/02/2018 08:32
Não há mesmo
volta a dar: Lisboa vai voltar a ter um grande sismo e este vai acontecer sem
aviso prévio. E como não há forma de controlar a natureza, resta-nos
preparar-nos para o pior, algo que os especialistas ouvidos pelo i duvidam que
esteja a acontecer. A capital continua a ser construída em altura, sem regras
antissísmicas e com edifícios tão juntos que, em caso de terramoto, vão chocar
e ruir
Parece que foi de
propósito, mas não. Não estava previsto escrever este texto num dia em que foi
registado mais um sismo em Portugal, mais uma vez no Alentejo. Mas a verdade é
que este tipo de eventos vai acontecer com frequência e coincidências deste
género serão o menor do seus efeitos.
O de ontem teve
uma magnitude de 3,1 na escala de Richter. Foi sentido mas não provocou danos.
O de 15 de janeiro tinha uma magnitude de 4,9, foi sentido até Braga - ainda
que o epicentro tenha sido na zona de Arraiolos - e, apesar de não ter
provocado danos, foi suficiente para assustar um país pouco habituado a ver a
terra tremer de forma intensa.
“Este tipo de
sismos são bons, são exatamente o tipo de sismos que queremos ter”, salienta
Susana Custódio. Mas antes que estas declarações comecem a fazer chover
comentários negativos, esclareçamos: a sismóloga ouvida pelo i considera que
estes pequenos tremores de terra chamam a atenção da população para algo mais
grave. “Alertam para um perigo iminente”, garante. Até porque já é mais que
sabido que Portugal voltará a viver um sismo da intensidade do de 1755 ou
superior, ainda que sem data marcada.
“Nem eu nem
ninguém sabe se vai ser daqui a um mês, daqui a um ano, dez, cem ou 500 anos.
Mas vai acontecer, sobre isso não há dúvidas”, esclarece João Appleton. O
engenheiro civil refere, no entanto, que não é garantido que esse acontecimento
tenha como epicentro Lisboa. “A cidade tem uma história de sismos com duas
origens distintas: terra e mar. Os que acontecem no Atlântico tendem a afetar
mais a zona do Algarve”, lembra.
Aliás, é normal
associar o sismo de 1755 a Lisboa, mas mesmo esse foi mais intenso no Algarve.
“A questão é que, na época, Lisboa era uma cidade muito rica a todos os níveis
e, por isso, o impacto de do sismo na cidade foi enorme”, esclarece Susana
Custódio.
Mesmo assim, a sismóloga
não desvaloriza o facto de os terramotos acontecerem tendencialmente em
cidades. “Os sismos ocorrem em zonas com falhas tectónicas ativas e essas
falhas formam--se muitas vezes em bacias sedimentares.” É o caso de Lisboa, mas
também de Istambul, Los Angeles ou Tóquio. “As pessoas são atraídas para essas
zonas por serem planas, férteis e perto da água”, lembra, ainda que não seja
tácito pensar que no interior dos continentes estaremos mais seguros. “Veja-se
os Himalaias”, aponta Susana. “Apesar de não serem no litoral, estão na
fronteira entre a placa indiana e a placa euro-asiática.”
Lisboa em risco
Portugal, plantado à beira-mar, fica sem margem de manobra para fugir ao risco
a que o litoral está sujeito. Mais ainda quando se trata de um país situado na
zona de convergência de duas placas tectónicas que, quando se aproximam,
libertam energia em forma de ondas sísmicas.
Apesar de no caso
dos terramotos não se fazer uma previsão temporal, é feita uma previsão
espacial e - surpresa - Portugal está numa zona de risco sísmico, calculado
quando se soma à intensidade do sismo a qualidade das infraestruturas do local.
E é aí que a coisa se complica.
“Há uma falta de
fiscalização generalizada”, alerta João Appleton. O engenheiro refere-se à
inevitabilidade de uma Lisboa antiga, construída quando ainda não havia regras
antissísmicas para cumprir, mas também de construções recentes, o que, na sua
opinião, “devia ser considerado um crime”.
O engenheiro
civil especializado em reforço sísmico recorre à História para traçar um plano
da cidade. “Até 1960 não havia regulamentação específica quanto aos sismos e,
mesmo depois disso, só a partir de meados da década de 80 é que surgem os
primeiros regulamentos que se podem considerar satisfatórios no que diz
respeito à segurança dos edifícios”, explica. A única exceção apontada pelo
especialista refere-se aos edifícios construídos logo a seguir ao terramoto de
1755, mas mesmo esses “foram alterados e adulterados ao longo do tempo”.
Com este
background em mãos, João não tem dúvidas na hora de apontar as as zonas mais
vulneráveis da cidade: “Basicamente, tudo que foi construído na primeiras
décadas do séc. xx, ou seja, quando Lisboa se expandiu para norte.” Trocado por
miúdos, é como se traçássemos uma linha que divide a cidade em dois e esse
traço fosse feito a meio da Avenida da Liberdade. “São só edifícios construídos
em altura, sem cuidados e colocados uns ao lado dos outros, sem ter em conta
que, durante um sismo, os edifícios chocam uns contra os outros.”
Muito a aprender
Os dois especialistas ouvidos pelo i desvalorizam estes pequenos sismos que têm
sido registados em Portugal e, desses acontecimentos, só tiram como vantagem o
facto de relembrarem aos portugueses que estão sob terra pouco firme. “Costumo
usar esta analogia: Portugal não participou na ii Guerra Mundial e não aprendeu
algumas coisas que outros países aprenderam com essa experiência. Com os
sismos, é igual. Como o maior aconteceu em 1755 e, ao contrário de países como
a Roménia, a Itália e o Japão, não somos constantemente relembrados do perigo,
acabamos por ficar descuidados.” João fala de um mal “bem português” que é
pensar que o mal acontece sempre aos outros e que se está sempre “sob a
proteção da Nossa Senhora de Fátima”.
Já Susana, mais
otimista, lembra que quando era criança ninguém sabia o que era a proteção
civil e que, hoje, os seus filhos têm até simulacros de sismos na escola. Ainda
assim, a sismóloga relembra o bê-á-bá sobre o que fazer durante um sismo, algo
que, lá está, só é aprendido nos primeiros anos de escola. “Se estiver no
exterior, fique no exterior; se estiver dentro de um edifício e se ele estiver
seguro, mantenha-se lá dentro.” A sismóloga lembra que numa hora de desespero
não existem regras, mas aconselha um exercício para fazer já: “Olhe em volta,
faça uma rota de evacuação na sua cabeça e pense onde poderia proteger-se.
Aprendemos na escola que devemos pôr-nos debaixo da mesa, mas e se a secretária
do seu escritório não for segura?”
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