quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Batalha entre habitação e arrendamento turístico chega ao STJ

I
lustração do vazio de regulamentação e de ausência de vontade política de impor legislação e controle a este grande problema para o futuro do equlibrio habitacional.
Claro que os argumentos críticos estão a crescer e a acumular-se até levarem à exigência de uma nova e rigorosa regulamentação para o alojamento local, definida pela Autarquia e fiscalizada pela mesma. Estas indefinições e ambiguidades de visão da Lei, devem ser resolvidas pela Autoridade Central. Em nome da garantia do Direito Fundamental à Habitação Permanente.
O silêncio evasivo de Fernando Medina já é ensurdecedor.

OVOODOCORVO

Batalha entre habitação e arrendamento turístico chega ao STJ
Juristas sustentam que acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pode abrir “via verde” para a contestação ao alojamento local. Relação do Porto está dentro do entendimento que tem prevalecido.

Rosa Soares
ROSA SOARES 8 de Dezembro de 2016, 8:01

Dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Porto têm interpretações diferentes sobre a legitimidade da prática de arrendamento turístico em prédios destinados a habitação, cabendo agora ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidir que direitos devem prevalecer.

Tal como o PÚBLICO noticiou na edição desta quarta-feira, o acórdão da Relação de Lisboa sustenta que não pode ser dado a uma fracção autónomo utilização diferente para a que estava destinada. Esta quarta-feira ficou a saber-se da existência de outro acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que não vê conflitualidade na prática da actividade de alojamento de curta duração em prédio de habitação.

A decisão de Lisboa foi objecto de recurso para o STJ, fundamentado “em contradição de julgados [decisões contraditórias], estando a aguardar despacho de admissão”, disse ao PÚBLICO, Gonçalo Almeida Costa, advogado da CCA Ontier, que representa a proprietária que quer continuar a exercer a actividade de arrendamento para turistas num prédio de Lisboa. No caso do acórdão do Porto é provável que também tenha sido objecto de recurso para o STJ, mas o PÚBLICO não conseguiu confirmar oficialmente a informação.

A validade dos dois entendimentos será feita pelo STJ, que ainda assim pode ter entendimentos diferentes, como acontece com muita frequência, o que poderá tornar necessário o recurso à uniformização de jurisprudência. Isto é, em face de divergência de entendimentos pode recorrer-se para “o pleno das secções”, para que se proceda à uniformização de decisões do tribunal. Só depois disto é que a decisão passará a ser aplicada em todos os processos idênticos.

As duas decisões correspondem a recursos de providências cautelares, no num caso foi aceite pela primeira instância (Porto), e na segunda foi recusada (Lisboa). Para os juristas ouvidos pelo PÚBLICO, é o acórdão da capital que vai contra a corrente.

Luís Filipe Carvalho, sócio da ABBC, entende que a confirmar-se o acórdão de Lisboa “está aberto um precedente jurisprudencial que dará argumentos para os condóminos poderem combater o alojamento local licenciado”. O jurista Fernandes Martins também destaca o facto do acórdão de Lisboa “ir contra o que tem sido o entendimento geral, incluindo das próprias entidades públicas, que é o de ser possível o exercício de actividade comercial em prédio de habitação permanente”. Sem querer desvalorizar o do Porto, o assessor jurídico da Associação dos Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal defende que mantém o entendimento que tem prevalecido.

Para este jurista, a decisão da Relação de Lisboa tem a vantagem de apertar muitos proprietários para os poderes que a assembleia de condóminos pode ter para autorizar ou não a utilização que uma ou mais fracções possam ser afectas ao arrendamento temporário, possibilidade que muitos proprietários desconheciam”.

O recurso aos tribunais parece inevitável, a menos que o legislador altere a forma de licenciamento do arrendamento local, passando a exigir, como requisito fundamental, a não oposição dos condóminos para que esta actividade seja exercida em fracções afectas a habitação. Luís Filipe Carvalho considera, no entanto, que se “o acórdão de Lisboa se tornar definitivo se estará em via verde para que os condóminos venham a recorrer a tribunal peticionando que seja proibido o alojamento local licenciado”.

Tiago Mendonça de Castro, da PLMJ, sustenta quer as decisões da assembleia de condóminos quer a recusa de aceitação dessas decisões por parte de algum condómino poderá ter de ser dirimida nos tribunais.

“No que respeita à utilização de uma casa para alojamento temporário de pessoas (turistas ou não turistas, tanto faz), o condómino que se vir confrontado com uma deliberação da assembleia de condóminos determinando que ele não o pode fazer com a sua fracção pode impugnar judicialmente essa deliberação, não acatar a deliberação do condomínio (por considerar, bem ou mal, que a mesma não é valida) e esperar que seja o próprio condomínio a reagir e a interpor uma acção em Tribunal”, explicou Tiago Mendonça de Castro.

Argumentos em confronto
O acórdão do colectivo de juízes do Porto concluiu que “no caso em apreço não se mostram demonstrados factos necessários para proceder os requisitos de que dependia o decretamento da providência cautelar (…)”. Mas também admite várias dúvidas: “ (…) embora admitindo dúvidas e aceitando que novos argumentos possam surgir, somos levados a concluir que resultando da constituição da propriedade horizontal que a função se destina à habitação mas não resultando que isso exclua o alojamento temporário de turistas, a circunstância de esse alojamento ser prestado em regime de prestação de serviços não é obstante para afirmar que a utilização é diversa e incompatível com a utilização para aquele destino autorizado”.

Ao contrário da fundamentação de Lisboa, segundo a qual “se um condómino dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se ele infringe a proibição contida no artigo 1422º (…) do Código Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava destinada) ”, a do porto admite que “o alojamento temporário de turistas não deferirá em regra da utilização similar à que seria feita pelo proprietário ou por um arrendatário para habitação do respectivo agregado familiar”.

Airbnb passou a pedir prova de legalização das casas
Alteração à lei que regula o alojamento local será discutida no próximo ano. Um dos temas em cima da mesa é o da autorização do condomínio.
Ana Rute Silva
ANA RUTE SILVA 8 de Dezembro de 2016, 8:00


A Airbnb passou a pedir aos proprietários o número de licença ou registo do imóvel anunciado na plataforma. A alteração foi feita no início de Dezembro e é uma medida adoptada noutros mercados, como “algumas comunidades autónomas de Espanha e cidades dos Estados Unidos”, indica fonte oficial da plataforma.

Os apartamentos e moradias registados como alojamento local têm atribuído um número específico, que passa a ser preciso indicar em todos os imóveis na plataforma. Actualmente, o site português tem 53 mil anúncios.

A empresa sublinha, contudo, “que é o anfitrião que o deve fazer activamente”. Ou seja, quem não indicar a informação não fica excluído da plataforma.

Questionada sobre o número de casas que já têm registo legal, a mesma fonte diz que ainda não é possível fazer balanços. “Acabámos de implementar a medida, pelo que ainda não temos dados disponíveis”, disse. O pedido de registo passou a ser obrigatório a partir de 3 de Dezembro.

Ao que o PÚBLICO apurou, outras plataformas, como a Booking, que recentemente alargou a sua oferta de alojamento a apartamentos de particulares, não pedem qualquer número de registo. Neste caso, a empresa argumenta que o site não é português e o serviço é operado a partir dos Países Baixos, onde a lei não obriga a incluir o número de licença.

Um estudo recente feito pela Nova SBE a pedido da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) indica que, à data de 29 de Setembro, o número de unidades registadas na Airbnb era 37% superior ao do Registo Nacional de Estabelecimentos de Alojamento Local (RNAL), disponibilizado pelo Turismo de Portugal. Os dados mais recentes, referentes a 6 de Dezembro, mostram que a diferença será ligeiramente menor, com dois terços das casas legalizadas a estarem abrangidas pela plataforma (66%, contra 34% sem registo, ou seja, 18 mil imóveis por legalizar).

O alojamento local está regulamentado desde 2008, em portaria, mas em Janeiro de 2014 uma revisão ao Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos veio autonomizar este tipo de unidades num diploma próprio e na forma de decreto-lei. A intenção do Governo de então, com Passos e Portas ao leme e Adolfo Mesquita Nunes na Secretaria de Estado do Turismo, era legalizar os apartamentos arrendados a turistas e simplificar o registo. Por exemplo, deixou de ser necessário um pedido de licenciamento ou autorização e passou a bastar uma comunicação prévia junto da câmara municipal.

Na preparação à revisão da lei, em 2014, a hotelaria defendeu desde logo que os condóminos deveriam ter uma palavra a dizer quanto ao uso de um apartamento para arrendamento a turistas, assunto que, com as decisões dos tribunais da relação de Lisboa e do Porto, agora conhecidas, e uma revisão à lei em curso, volta a estar na ordem do dia.

Ana Mendes Godinho, a actual secretária de Estado do Turismo, já fez saber que são precisas “afinações” na lei, nomeadamente no que toca a questões de higiene e segurança. As mudanças serão discutidas no próximo ano mas a Associação da Hotelaria de Portugal já deu a conhecer algumas das suas propostas. Uma passa por “proibir que fracções de imóveis arrendadas para habitação possam funcionar como estabelecimentos de alojamento local”, uma das questões levantadas precisamente pelos acórdãos.

Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal, defende que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (a favor de uma assembleia de condóminos que queria proibir o arrendamento a turistas) “não se pode generalizar” e contesta a proposta de fazer depender a atribuição de licença de uma autorização do condomínio.

Não estou a ver como é que, quem tem, efectivamente, interesse no sector do turismo pode alinhar com uma medida que, praticamente, aniquila o sector. Não estou a ver alinharem numa posição que coloca em risco 70% da oferta feita por famílias, micro empresários e que tem sido um instrumento estratégico do turismo”, continua.


Perguntas e respostas sobre o alojamento local
PÚBLICO 8 de Dezembro de 2016, 8:03

Os acórdãos de Lisboa e do Porto têm efeitos imediatos?
Não. O acórdão da Relação de Lisboa foi alvo de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), aguardando-se a decisão da sua aceitação ou não. No caso do Porto, o acórdão, também deverá ser sido objecto de recurso para o supremo, informação que o PÚBLICO não conseguiu confirmar. Em ambos os casos estão em causa decisões da primeira instância sobre providências cautelares.

Estes acórdãos fazem jurisprudência para outros processos em curso?
Não. O Código de Processo Civil prevê que, caso venham a existir decisões contraditórias entre as diversas secções do Supremo Tribunal de Justiça, possa recorrer-se para o pleno das secções, para que se proceda à uniformização da jurisprudência (decisão única) do tribunal. Neste caso em concreto ainda não há decisões sobre esta matéria.

Mas estes acórdãos podem influenciar outras decisões de primeira instância ou mesmo da Relação?
Podem. Há todo um trabalho de fundamentação que está feito. Mas como sustentam entendimentos distintos a preferência fica nas mãos dos juízes. Já as primeiras decisões do Supremo poderão exercer maior influência sobre outros processos. Mas muito frequentemente, a instância superior também tem entendimentos diferentes em processos semelhantes, o que torna necessário o recurso à tal uniformização de jurisprudência.

Quantos alojamentos locais existem em Portugal?
Não se sabe. Muitos operam de forma informal. Oficialmente, existem 35.119 unidades registadas pelo Turismo de Portugal. Já a plataforma Airbnb em Portugal tem cerca de 53.000 anúncios referentes ao mercado nacional.

E o registo no Registo do Alojamento Local (RNAL) é obrigatório?
Sim, o registo é obrigatório tal como a sua actualização.

É preciso um licenciamento?
De acordo com o Turismo de Portugal, não. Para o efeito basta registar o estabelecimento no Registo do Alojamento Local RNAL.

Como se desiste de explorar do estabelecimento?

A cessação da exploração, diz o Turismo de Portugal, deve ser comunicada através do balcão único electrónico “no prazo máximo de 60 dias após a sua ocorrência”.

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