sábado, 8 de agosto de 2015

Sérgio Moro, o juiz de Curitiba que tem o futuro do Brasil nas mãos


Sérgio Moro, o juiz de Curitiba que tem o futuro do Brasil nas mãos

O juiz federal do Paraná responsável pela investigação judicial ao esquema de corrupção em torno da Petrobras já tem grupos de fãs, mas insiste em manter-se discreto. E determinado

Rita Siza / 9-8-2015 / PÚBLICO

Ano e meio depois de ter saltado para a ribalta mediática, enquanto principal responsável pela investigação judicial ao esquema de corrupção em torno da Petrobras conhecida como Lava Jato, o juiz federal do Paraná, Sérgio Moro, já se acostumou às manifestações espontâneas de apoio e incentivo. Moro é frequentemente aplaudido na rua, quando vai a restaurantes, no supermercado e em salas de embarque de aeroportos. “Só quero agradecer-lhe tudo o que tem feito e mostrar-lhe que estou com ele, contra tudo isso que está acontecendo”, explicava aos jornalistas a dentista de 50 anos Cristiane Polo, depois de abordar o juiz numa livraria de São Paulo.
Aos 42 anos de idade, Sérgio Fernando Moro, um dos maiores especialistas em crimes financeiros e de colarinho branco no sistema judicial do país, está transformado, aos olhos da opinião pública brasileira, no rosto do combate à corrupção, uma espécie de cruzado, um herói improvável da mesma casta do juiz britânico William Erle, o procurador norteamericano Eliot Ness ou o italiano Francesco Borrelli, entre outras personagens da galeria de famosos intocáveis e insubornáveis que não se amedrontam perante o crime organizado, o dinheiro ou o poder. A sua acção, interpretam os analistas, oferece uma réstia de esperança a uma população desconfiada e desiludida com as suas instituições, mas que não quer desistir nem deixar de acreditar no slogan do Brasil do futuro.
Segundo escrevia na sua edição de 4 de Julho a revista Época, Sérgio Moro, um juiz de primeira instância, é actualmente o homem mais poderoso — e seguramente o mais temido — do país. “Nenhum gabinete concentra tanto poder neste momento no Brasil quanto aquele no 2.º andar da Avenida Garibaldi, 888. É de lá que despacha Sérgio Moro, o cérebro e centro moral da Lava Jato. A operação, na verdade, envolve dezenas de procuradores da República, delegados e agentes da Polícia Federal, equipes na Procuradoria-Geral da República, em Brasília, além do juiz do Supremo Teori Zavascki. Todos têm poder para definir, em alguma medida, os rumos das centenas — isso, centenas — de casos de corrupção investigados na Lava Jato. Alguns casos tramitam em Brasília, aqueles que envolvem políticos com foro no Supremo. Mas a maioria fica em Curitiba e de lá não sai”, assinala a revista.
Como líder máximo da investigação, cabe a Sérgio Moro definir a estratégia e tomar as decisões mais relevantes para conduzir o processo até ao chamado “bom termo”. A investigação inicial, que arrancou em Março de 2014 com a vigilância da actividade suspeita de uma bomba de gasolina detida por um “doleiro” (alguém que se encarrega de transferir divisas sem registo no fisco) do Paraná, revelou um esquema de corrupção horizontal em torno da petrolífera estatal, e que se “alimentava” de dirigentes políticos, funcionários públicos, grandes empresários e diversos agentes, uma multidão de corruptores e corruptos que só da Petrobras desviaram mais de cinco mil milhões de euros.
Moro e a sua equipa continuam a desenrolar um novelo aparentemente interminável de crimes, ilegalidades e cumplicidades ilícitas, num escândalo que abala os fundamentos do sistema político e económico do Brasil. As acusações e as suspeitas recaem sobre algumas das figuras mais proeminentes do Partido dos Trabalhadores e outros integrantes da base aliada do Governo, os administradores das maiores empresas públicas e de dezenas de construtoras de projecção internacional. Do tronco da Lava Jato surgiram entretanto ramificações, dezenas de “desdobramentos” que surgiram dos depoimentos dos mais de 20 delatores oficiais que estão a colaborar com as autoridades na produção de prova, em troca de uma redução de pena.
Moro possui “virtudes raríssimas” para liderar a investigação, continua a Época: “Preparo jurídico, pensamento estratégico, inflexibilidade de princípios, coragem moral e disciplina de trabalho. Entra cedo, sai tarde e prossegue na lida mesmo de casa”. A IstoÉ, que o elegeu Brasileiro do Ano de 2014, destaca o seu “estilo reservado e hábitos simples”. “Moro faz parte de uma rara safra de juízes que encaram a magistratura como profissão de fé”.
Outras virtudes e traços distintivos de carácter que vêm assinalados em todos os perfis escritos sobre o juiz federal desde que assumiu o protagonismo na operação que está a deixar o Brasil em polvorosa: a humildade e até uma certa timidez, que sustentam a sua aversão à exposição pública e a sua quase obsessiva reserva da vida privada; o entusiasmo, energia e invulgar capacidade de trabalho que o distinguem ou ainda a total independência e ausência de aspirações políticas, que o terão levado a recusar uma promoção a desembargador.
À margem da vida profissional, pouco se conhece da sua intimidade. É um filho pródigo do estado do Paraná: nasceu na cidade de Ponta Grossa, onde os pais eram professores, estudou na Universidade Federal de Maringá (onde cumpriu mestrado e doutoramento antes de se especializar em Harvard, nos EUA), e tomou conta da 13.º Vara Federal Criminal de Curitiba. É casado com uma advogada, de quem tem dois filhos, e alegadamente um apaixonado por ciclismo.
“Não sou uma celebridade, sou uma peça dentro de um processo muito mais amplo”, corrigiu, durante uma sessão do Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo em Julho, em São Paulo. Até porque, por maior que tenha sido o impacto económico e político —e o alcance simbólico — das suas decisões, todas elas podem ser revertidas por tribunais superiores.
Com excepção das pronúncias no âmbito do processo, Sérgio Moro não fala publicamente sobre a Lava Jato. Mas não se tem coibido de discorrer sobre o tema da corrupção: ultimamente, tem falado longamente sobre a operação anticorrupção Mãos Limpas que varreu a Itália durante a década de 90. O juiz de Curitiba tornou-se um estudioso desse processo, que conhece até ao mais ínfimo pormenor: tudo começou, como no Brasil, com as revelações de um delator, que viriam a contribuir para a dedução de quase 3000 acusações, contra empresários e parlamentares, incluindo quatro antigos primeiroministros. Numa palestra promovida
pelo Instituto dos Advogados do Paraná, no fim de Julho, Moro criticou o desfecho da megaoperação italiana, classificando as penas aplicadas nessa altura como demasiado ligeiras para a gravidade dos crimes. “Muitos dos que foram condenados e tinham grande responsabilidade acabaram cumprindo penas desproporcionais, como prestação de serviço ou prisão domiciliária. Não que eu defenda que a justiça seja implacável, mas tem de guardar uma certa proporcionalidade em cada crime”, considerou. Numa altura em que cada palavra de Moro é objecto de análise quase científica em busca de pistas sobre o processo da Lava Jato, a posição provocou calafrios em muitos dos suspeitos — os que já foram acusados e os que admitem poder vir a sê-lo em breve.
Menos mediáticos do que Sérgio Moro, outros nomes têm responsabilidades acrescidas na investigação. Na linha da frente estão o procurador Carlos Fernandes Lima, que estabelece as directrizes do Ministério Público Federal e concentra a “pasta” das delações, e o procurador Deltan Dallagnol, o coordenador da “força-tarefa” (a designação dos brasileiros para task force) da Lava Jato em Curitiba. Constituída em Abril de 2014, depois da primeira fase da operação policial, a “força-tarefa” já viu a sua missão prorrogada duas vezes e agora trabalha sem prazo. O seu trabalho resultou na abertura de mais de 20 acções penais, todas sob a responsabilidade do juiz Sérgio Moro, com mais de uma centena de arguidos.
Apesar de Sérgio Moro receber incomensuravelmente mais elogios do que críticas, o trabalho do juiz federal também tem os seus detractores — sobretudo advogados que contestam o alegado abuso da prisão preventiva, as tácticas empregues para pressionar suspeitos a firmar acordos de delação premiada ou a sua aparente tendência centralizadora das diferentes acções do processo.


Mais incisivo, o coordenador da federação Nacional dos Petroleiros, Emanuel Cancella, assinou um artigo de opinião, publicado por vários órgãos brasileiros, onde põe em causa a independência do juiz federal e a sua legitimidade enquanto titular dos processos em curso. “A esposa do juiz Sérgio Moro, que está à frente da operação Lava Jato, advoga para o PSDB do Paraná e para multinacionais do petróleo. A denúncia foi publicada no WikiLeaks”, refere o sindicalista, para quem os “principais interessados” e “grandes beneficiados” com a investigação são, precisamente, o partido social-democrata, maior força de oposição, e as petrolíferas estrangeiras interessadas numa eventual privatização da Petrobras. “A sociedade não deve nenhum respeito a um juiz que extrapola as suas funções e, sem nenhuma base jurídica, destrata a autoridade máxima do país”, conclui.

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