quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O gigante chinês está a tremer / Nova desvalorização do yuan aumenta pressão nas empresas exportadoras da UE

EDITORIAL/ PÚBLICO
O gigante chinês está a tremer
DIRECÇÃO EDITORIAL 12/08/2015

Dois dias consecutivos de fortes desvalorizações do yuan são os últimos, e talvez mais evidentes, sinais de que a poderosa economia chinesa está dependente da política cambial para evitar uma queda ainda maior das suas perspectivas de crescimento.

Pequim já avisou que as desvalorizações dos últimos dias são suficientes, mas a avaliação dos mercados parece não ter em conta essa possibilidade.

A China, com uma grave quebra nas cotações bolsistas e uma contracção muito maior do que o esperado no ritmo de crescimento do PIB, precisa de exportar mais para não descarrilar e a forma mais fácil e rápida de o conseguir é tornando os seus produtos mais baratos na Europa ou nos EUA.

O problema é que estas medidas nunca são neutras no exterior. O euro e o dólar mais caro dificultam as exportações europeias e americanas. O que quer dizer que, para se salvar, a China está disposta a encetar um conflito comercial com os seus maiores parceiros.

Nova desvalorização do yuan aumenta pressão nas empresas exportadoras da UE
CAMILO SOLDADO 12/08/2015 - PÚBLICO

China volta a depreciar a moeda e afecta bolsas mundiais.

Depois de na terça-feira o Banco Popular da China (BPC) ter descido a taxa de referência do yuan naquela que foi maior depreciação da moeda em mais de 20 anos, a instituição voltou a fazê-lo hoje.

Nesta quarta-feira, o banco central chinês fixou a taxa diária do yuan face ao dólar em 6,3306, o que significa um ajuste de 1,6%. Já na terça-feira o yuan tinha sido desvalorizado em 1,9%, passando para uma taxa diária de 6,2298 yuan face ao dólar, quando na segunda-feira o preço imposto se fixava nos 6,1162.

A mexida na taxa de referência foi recebida com surpresa pelos mercados, mas o BPC anunciou que não iria repetir a medida no futuro. Um dia depois, Pequim voltou a depreciar o yuan, levantando preocupações sobre a performance da economia chinesa.

À Reuters, um membro não identificado de um think-tank chinês que aconselha membros do governo disse que o yuan tinha ainda margem para perder um acumulado de 10%. “Deve haver depreciação suficiente, de outra forma não será possível estimular as exportações”, afirmou.

Esta quinta-feira, o BPC vai dar uma conferência de imprensa, ao longo da qual são esperados mais esclarecimentos.

Pequim estima que a economia cresça a um ritmo de 7% em 2015, o mais baixo em décadas, mas uma nova depreciação da moeda levanta preocupações sobre a capacidade de o país atingir essa meta. Nesta quarta-feira, os indicadores tornados públicos mostram que o desempenho da economia voltou a desiludir, com um crescimento de 6%.

Na quarta-feira, as principais empresas exportadoras para aquele país voltaram a acusar o cenário desanimador e viram as suas cotações em bolsa cair. O gigante asiático constitui o segundo maior mercado de destino dos produtos europeus, apenas atrás dos Estados Unidos. De acordo com números do Eurostat, a China foi o destinatário de 14% da indústria exportadora da União Europeia. Com nova desvalorização, a pressão acentuou-se.

Na análise à surpreendente medida do BPC, as consequências previsíveis da queda do yuan passam pelo impulso das exportações, com os preço dos produtos chineses a diminuir, por oposição ao encarecimento dos produtos importados, o que reduz o poder de compra dos chineses.

Com a emergente classe média chinesa a perder poder de compra, é previsível que se registe uma quebra na procura por produtos de luxo, carros, tecnologia (entre outros) que a China ia adquirir principalmente nos mercados europeu e norte-americano. As últimas duas sessões do índice Euro Stoxx 50 confirmam esta lógica e espelham o receio dos investidores.

A liderar as perdas na sessão de quarta-feira estavam a Unilever (produtos de grande consumo), a descer 6,31%, e a LVMH (holding especializada em produtos de luxo, responsável por marcas como Louis Vuitton ou Moët et Chandon) a cair 5,46%. Todas as empresas deste índice fecharam o dia em terreno negativo. As grandes companhias europeias beneficiavam de um euro mais enfraquecido face ao yuan, cenário que se inverte com a intervenção do BPC.

Com a venda de carros no mercado chinês acelerar para uma queda de 6,6% em Julho, depois de já ter declinado 3,4% em Junho, a indústria automóvel também perde na bolsa. A Daimler (Mercedes, Smart) foi penalizada em 4,87% na sessão desta quarta-feira, enquanto o grupo Volkswagen (Volkswagen, Audi, Bentley, Bugatti) viu a cotação diminuir 3,26% (em dois dias foi de -6,8%, ou 13 euros).

Paris, Frankfurt, Madrid, Milão e Londres. As principais praças europeias encerraram em queda, arrastadas pelas perspectivas de menores oportunidades de negócio no mercado chinês. Lisboa não escapou às congéneres europeias, com o PSI-20 a fechar 1,13% em terreno negativo.

A fábrica da Volkswagen de Palmela aumentou as exportações 12% em 2014, muito impulsionada pelas vendas para o mercado chinês (à semelhança das grupo alemão). Dos 101 mil carros construídos no ano passado, a Autoeuropa vendeu 24 mil para a China, o seu maior destino fora da União Europeia.

No caso de Portugal, apesar do aumento das vendas para a China (onde o impulso da Autoeuropa ajudou), o défice comercial tem crescido. No primeiro semestre deste ano, estava nos -395 milhões de euros, mais 13% face a idêntico período de 2014. Com os recentes desenvolvimentos, é possível um agravamento deste desequilíbrio.

A moeda chinesa funciona num regime de valorização ou desvalorização deslizante, o que significa que, todos os dias, Pequim fixa uma taxa de câmbio do yuan face ao dólar, permitindo que a moeda flutue 2% ao longo da sessão.

Nos últimos meses, a taxa fixada pelas autoridades chinesas mantinha-se relativamente estável face ao dólar, mas esta intervenção pelo segundo dia consecutivo vem aumentar os receios de que o BPC não esteja apenas a ajustar o valor da moeda ao desempenho do mercado, mas a manter o yuan propositadamente fraco.

Nas reacções oficiais, Comissão Europeia e Departamento do Tesouro avaliaram esta intervenção como positiva, ao considerar que a depreciação do yuan reflecte a queda da economia chinesa. No entanto, os EUA expressaram preocupação quanto à evolução da intervenção estatal chinesa.

A Reuters dá conta de duas correntes no aparelho governamental. Por um lado, o banco central chinês aponta para alicerçar o crescimento económico no reforço do consumo interno. Por outro, o Ministério do Comércio dá preferência à desvalorização da moeda, que apoia as empresas exportadoras, num modelo de crescimento que tem até agora sido seguida por Pequim. A agência refere que o BPC está sobre pressão do executivo para baixar ainda mais a taxa de referência yuan/dólar nos próximos meses.


Em Setembro, o presidente chinês Xi Jinping realiza a primeira visita oficial aos Estados Unidos, onde será recebido pelo homólogo Barack Obama e onde a política cambial será seguramente um dos temas. Em Outubro, será a vez dos principais responsáveis chineses definirem o objectivo de crescimento económico para os próximos cinco anos.

Sem comentários: