quinta-feira, 23 de julho de 2015

Serviço europeu antifraude diz que há ilegalidades no caso Tecnoforma


Serviço europeu antifraude diz que há ilegalidades no caso Tecnoforma

Ao fim de dois anos de trabalho, os investigadores da Comissão Europeia fizeram uma participação ao Ministério Público sobre os fundos atribuídos à empresa que foi gerida por Passos Coelho

José António Cerejo / 23-7-2015 / PÚBLICO

O Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) detectou a prática de infracções penais e financeiras na aplicação e/ou na atribuição de fundos europeus à Tecnoforma — empresa que teve Pedro Passos Coelho como consultor e administrador. O relatório final do inquérito aberto pelo OLAF no início de 2013 ficou concluído em Maio, altura em que foi remetido ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) — onde decorre um inquérito global sobre o caso Tecnoforma —e à Direcção-Geral do Emprego da Comissão Europeia.

De acordo com o Gabinete de Imprensa do OLAF, o relatório enviado ao DCIAP foi acompanhado por uma “recomendação judicial” ( judicial re
commendation), enquanto o exemplar remetido à Direcção-Geral do Emprego incluía uma “recomendação financeira” ( financial recom
mendation). A missão do OLAF — um organismo independente integrado nos serviços da Comissão Europeia — consiste, segundo o seu site, em “proteger os interesses financeiros da União Europeia, investigando casos de fraude e de corrupção e outras actividades ilegais”. As suas competências estão, no entanto, circunscritas à emissão de recomendações “sobre as medidas a tomar pelas autoridades nacionais ou da União Europeia, com base nas suas investigações”.
Relatórios confidenciais
Em resposta ao PÚBLICO, o OLAF sublinha que os seus relatórios finais não são tornados públicos, de modo a “proteger os direitos das pessoas e as obrigações de confidencialidade” a que está sujeito, bem como a “não prejudicar eventuais inquéritos subsequentes”. Apesar de nada dizer sobre a natureza das suas conclusões sobre a Tecnoforma, o organismo explica, na versão portuguesa do seu
site, que as suas “recomendações judiciais” são emitidas “se existirem provas de uma eventual infracção penal”. Nesses caso, “o OLAF transmitirá um relatório às autoridades nacionais competentes, recomendando uma acção judicial”. Quanto às “recomendações financeiras”, elas têm por finalidade a recuperação de “verbas indevidamente utilizadas”.
Quer isto dizer que os investigadores do OLAF — que se deslocaram várias vezes a Portugal e mantiveram um estreito contacto com os procuradores do DCIAP durante os dois anos do inquérito — entendem que a Tecnoforma e os seus dirigentes e/ou as entidades responsáveis pela atribuição dos financiamentos que a empresa recebeu do programa Foral cometeram actos susceptíveis de ser sancionados do ponto de vista financeiro e criminal.
O Foral foi lançado em 2001 com o objectivo de promover a formação profissional dos funcionários das autarquias e foi tutelado entre 2002 e 2004 por Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local. Nesse período, a empresa de que Passos Coelho era consultor para o Foral — e que tinha entre os seus três donos o advogado João Luís Gonçalves, um amigo do actual primeiroministro e antigo secretário-geral da JSD — conseguiu um quarto dos contratos aprovados em todo o país, a empresas de formação, no quadro daquele programa. Só na região centro, a Tecnoforma ficou nesses anos com 76% das verbas atribuídas pelo Foral a empresas privadas.
Na sequência da revelação deste caso pelo PÚBLICO, no final de 2012, a eurodeputada socialista Ana Gomes apresentou uma queixa ao OLAF, que deu origem à abertura do inquérito agora concluído. A queixosa não foi até agora notificada do termo das investigações, pelo que já requereu as suas conclusões ao OLAF.
O PÚBLICO perguntou à Procuradoria-Geral da República em que fase é que se encontra o inquérito do DCIAP, tendo sido informado de que ele “se encontra em investigação e está em segredo de justiça”.

Falsificação prescreveu
Um outro inquérito relacionado com a Tecnoforma foi aberto no Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra e foi arquivado em Junho de 2014, por não terem sido encontrados indícios criminais. Esse inquérito, que ao contrário daquele que prossegue no DCIAP foi encerrado antes do fim da investigação do OLAF, incidiu apenas sobre uma acção de formação da Tecnoforma para técnicos de aeródromos e heliportos municipais da região centro. No despacho de arquivamento, o procurador titular concluiu pela regularidade formal de todo o processo, baseando-se fundamentalmente na avaliação efectuada pelos próprios dirigentes da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (CCDRC) que o aprovaram.
Ainda assim, o magistrado escreveu que “não pode afastar-se” que os responsáveis da Tecnoforma “tenham tido um acesso facilitado (ou próximo dos decisores políticos) a toda a informação necessária a assegurar o sucesso” da candidatura. E acrescentou que os mesmos, “através de processos ou termos não completamente esclarecidos, poderão ter influenciado o estabelecimento das condições (...) que naturalmente favorecessem a admissão da candidatura da empresa em termos de ser garantido o financiamento pretendido, desde logo através do compromisso para a sua integração no programa Foral”.
O procurador entendeu, contudo, que essa actividade “não tem de ter um enquadramento necessariamente ilícito do ponto de vista penal (que não ético ou moral), sendo susceptível de ser tratada no quadro de uma actividade legítima de participação dos administrados nas decisões da administração”. O despacho nota, todavia, que foram encontrados no processo documentos adulterados “através de métodos grosseiros”, sendo “facilmente perspectivável” que tais adulterações “tenham sido levadas a cabo no seio da Tecnoforma por ser a quem aproveitam directamente”. Apesar disso, o procurador determinou o arquivamento dos autos na parte que se refere a estes factos, uma vez que o crime de falsificação de documento prescreve ao fim de cinco anos.

Toda a documentação relativa ao pedido de pagamento de saldo deste projecto, que decorreu entre 2004 e 2006, foi entregue pela Teconoforma à CCDRC em Março de 2007 com as assinaturas de Pedro Passos Coelho e Francisco Nogueira Leite (actual presidente da Parvalorem), então administradores da empresa.

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