quinta-feira, 23 de julho de 2015

Dilma cercada por escândalo de corrupção que assume dimensão internacional / De volta ao que sempre fomos


Dilma cercada por escândalo de corrupção que assume dimensão internacional
RITA SIZA 22/07/2015 – PÚBLICO

As ondas de choque da operação Lava Jato já se sentem em vários países da América Latina e até na Suíça. O elo comum é a construtora Odebrecht.

No Brasil, mas também no Peru, na Suíça, no Panamá ou no Equador, os negócios da Odebrecht, a maior construtora da América Latina, estão sob suspeita de corrupção – a empresa é indicada em investigações judiciais enquanto membro do alegado cartel de construtoras que usufruía de contratos com a petrolífera estatal Petrobras, em troca de financiamentos partidários ilícitos, e enquanto beneficiária de tratamento especial de governantes estrangeiros, por acção directa de responsáveis políticos brasileiros.

Apesar de ter presidido ao conselho de administração da Petrobras no período dos factos denunciados (e já apurados) pela investigação Lava Jato, a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, tem sido poupada das suspeitas de corrupção. Mas para 69,2% dos brasileiros, ela é uma das culpadas pela corrupção na estatal, que 65% acreditam já ter começado no mandato do seu antecessor Lula da Silva, revela uma sondagem CNT/MDA. O cerco ao Governo de Dilma está a apertar-se: no actual ambiente de desconfiança generalizada e crise institucional, a sua margem de manobra política está seriamente diminuída, e a sua imagem muito comprometida. Aliás, 63% dos brasileiros apoiam agora a abertura de um processo para a destituição da Presidente, que foi reeleita em Novembro passado com 51,6% dos votos.

O escândalo de corrupção, que rebentou também há pouco mais de um ano, ainda antes da reeleição, e inicialmente parecia circunscrito apenas à empresa petrolífera estatal Petrobras, continua a crescer, deixando no ar a ideia de que está “tudo” está ligado, e ao mais alto nível: as maiores empresas do Brasil, os políticos e respectivos partidos – do Governo e base aliada, e também da oposição –, e até a Procuradoria e os tribunais. Porém, 67,1% dos entrevistados pela CNT/MDA não acreditam que os responsáveis pela corrupção venham alguma vez a ser castigados.

Peru e Suíça investigam

E a rede já extravasa as fronteiras brasileiras, com ramificações a tocarem vários países latino-americanos e africanos. A prisão de Marcelo Odebrecht, o presidente da administração, no âmbito da operação Lava Jato, deixou "milhões de dólares em projectos de infra-estrutura sob escrutínio por toda a região”, escreve a Reuters. A Polícia Federal brasileira acabou de imputar ao empresário os crimes de corrupção activa, lavagem de dinheiro, fraude em licitações e crime contra a ordem económica – e além de Odebrecht, foram também indiciados (e detidos) outros quatro executivos da construtora.

O escândalo assumiu uma dimensão internacional com a confirmação, pelo Procurador-geral do Peru, Pablo Sanchéz, das diligências das autoridades nacionais no âmbito da investigação a supostas práticas de suborno em torno de um projecto viário transcontinental, e que incluem uma missão de investigadores peruanos ao Brasil para recolha de depoimentos e provas. “A mensagem que o Brasil deu, com uma investigação da escala [da Lava Jato] que vai ecoar aqui se encontrarmos provas, é de uma clara batalha contra a corrupção nesta região”, disse Sanchéz.

Esta quinta-feira foi conhecida a existência de um outro inquérito, aberto pelo Ministério Público de Berna, na Suíça, por indícios de pagamentos de subornos por parte da Odebrecht, através de contas abertas naquele país por ex-directores da Petrobras.

De acordo com a Reuters, outros países da América Latina estão a mexer-se para descobrir o que está por trás dos negócios da construtora, responsável por quase três quartos dos projectos de infra-estrutura de empresas brasileiras no estrangeiro. “O Equador iniciou auditorias a contratos da companhia. O vice-presidente da Colômbia alertou que a empresa poderia ser proibida de participar em concursos públicos durante décadas. Investigadores nos Estados Unidos e no Panamá também estão a colaborar com as autoridades brasileiras”, informa a agência.

Os Estados Unidos já suspeitavam de que havia irregularidades com a actividade da Odebrecht nesses países, lê-se em alguns dos telegramas diplomáticos dos Estados Unidos revelados pela Wikileaks, e que o jornal O Estado de São Paulo publicou nesta quarta-feira.

As desconfianças dos EUA

Equador, Panamá, Venezuela e Angola, são países onde a Odebrecht fez negócios que os norte-americanos consideravam suspeitos, ainda durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (que deixou o cargo em 2009). O ex-Presidente e homem forte do Partido dos Trabalhadores está no centro de um outro inquérito judicial, aberto pela Procuradoria de Brasília para apurar a natureza da sua associação à construtora depois de deixar o palácio do Planalto.

O diário aponta casos concretos de mensagens enviadas para Washington da embaixada de Quito, no Equador, que referem a pressão do Presidente Rafael Correa sobre a Odebrecht, que terá sido ameaçada de expulsão do país, depois de o chefe da secretaria anticorrupção equatoriana questionar os preços e o financiamento dos seus contratos, informou o embaixador norte-americano, num telegrama de Outubro de 2008. “Apesar de não termos a história completa da ira de Correa contra a Odebrecht, suspeitamos que a corrupção e a pobre construção da empresa amplamente devem explicar as suas acções”, lê-se no documento citado.
Datado de Outubro de 2009, um telegrama da embaixada dos EUA no Panamá alerta para um escândalo de corrupção prestes a rebentar envolvendo a Odebrecht, e menciona explicitamente “uma grande contribuição” para a campanha do então Presidente Ricardo Martinelli, paga pela construtora brasileira que tinha assinado um contrato de 60 milhões de dólares para a construção de uma estrada “sem licitação”.

Outros telegramas referem o papel do então Presidente Lula da Silva no fecho de negócios da Odebrecht na Venezuela e em Angola. Se a conduta de Lula não é posta em causa, já os contratos atribuídos à construtora merecem as maiores dúvidas aos norte-americanos. Portugal não fez qualquer pedido de cooperação internacional para investigar Lula, assegurou o Ministério Público, depois de ter sido noticiado que os contactos do ex-Presidente brasileiro com Passos Coelho estavam também na mira das autoridades brasileiras.

Camargo Corrêa condenada

Se Marcelo Odebrecht beneficia, por enquanto, da presunção de inocência relativamente aos crimes que lhe foram imputados no âmbito da Lava Jato, os administradores de outra grande construtora brasileira, a Camargo Corrêa, foram já condenados a penas de prisão e ao pagamento de uma multa de sete milhões de reais (dois milhões de euros) pelos crimes de corrupção, formação de quadrilha e branqueamento de capitais.

O juiz aceitou que Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Auler cumprissem a pena em regime domiciliário: os três assinaram acordos de delação premiada, fornecendo provas do pagamento de subornos no valor de 50 milhões de reais ao ex-director de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, por contratos nas obras das refinarias Getúlio Vargas, no Paraná, e Abreu e Lima, em Pernambuco.


Além da Odebrecht e da Camargo Corrêa, outras cinco construtoras foram nomeadas pelas autoridades como integrantes do cartel que operava em sistema de “rodízio”, pagando subornos para assegurar contratos da Petrobras. Neste momento, há pelo menos 20 executivos (administradores, directores) no banco dos réus, a aguardar sentença.


De volta ao que sempre fomos

O Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melancólica república das bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante


Em novembro de 2009, Beirute foi a capital mundial do livro, título concedido anualmente pela Unesco. Em comemoração, foram convidados 15 escritores de oito países para debater as perspectivas da literatura. No dia da chegada, participamos de um jantar oficial oferecido pela universidade Saint Joseph, a segunda mais importante do Líbano. À entrada, o reitor recebia a todos com uma simpática mas rápida saudação. Quando chegou minha vez, no entanto, ele, ao ouvir o nome Brasil, segurou caloroso minha mão e passou a perguntar sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com curiosidade e admiração.

Um ano antes, Lula havia desafiado a crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana ao afirmar taxativamente que o que era tsunami nos Estados Unidos seria sentido no máximo como marolinha no Brasil. Assim, se em 2008 o Produto Interno Bruto cresceu 5%, no ano seguinte —reflexo do “tsunami” norte-americano— conheceria uma forte retração (0,2% negativo), dando um enorme salto em 2010 (7,6%), último ano do segundo mandato de Lula. Vivíamos então a euforia de ser a sétima maior economia do planeta —todos os olhos voltavam-se para nós. Por conta disso, Lula não encontrou grandes dificuldades para eleger como sucessora sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, nome estranho aos quadros históricos do partido —ela filiou-se em 2001 e na posse do primeiro mandato de Lula, janeiro de 2003, já era titular da pasta de Minas e Energia.

No poder, Lula, assim como Dilma, mostraram-se bastante pragmáticos. Eleitos por uma aliança com partidos conservadores, alguns claramente identificados com clientelismo e corrupção, desenvolveram uma política econômica baseada na ampliação do número de consumidores, não pela distribuição de renda, mas pela transferência de renda, via assistência social. O modelo começou a desmoronar já ao longo do primeiro mandato de Dilma: o PIB cresceu 3,9% em 2011, 1,8% em 2012, 2,7% em 2013 e 0,1% em 2014. E as perspectivas para este ano são péssimas: retração de 1,5% no PIB, taxa de desemprego de 8%, inflação de 9%.

É evidente que não se pode imputar unicamente a crise econômica ao governo —somos peças de um quebra-cabeças internacional. Mas, com certeza, grande parte da responsabilidade deve-se à tomada de decisões erradas, agravadas agora por uma crise institucional sem precedentes, que ameaça paralisar ainda mais o país. Em curso, a Operação Lava-Jato já possibilitou a abertura de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra 12 senadores, incluindo o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e 22 deputados federais. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), envolvido em denúncias de corrupção, ameaça, como patética retaliação, patrocinar a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Segundo na linha de sucessão, Cunha, que conta com apoio de boa parte do Congresso, pertence ao mesmo partido do vice-presidente Michel Temer, primeiro na linha de sucessão —o PMDB vem se favorecendo da aliança com o PT, com cargos e influência, desde 2006.

Não se pode imputar unicamente a crise econômica ao governo. Mas parte da responsabilidade deve-se à tomada de decisões erradas, agravadas agora por uma crise institucional sem precedentes, que ameaça paralisar ainda mais o país
Mesmo como bravata, a atitude de Cunha acirra o já tenso panorama político-econômico. Um processo de impeachment inviabiliza o país pelo tempo em que se arrastar, que nunca é breve. Esse, portanto, deveria ser um momento de reflexão e sobriedade. No entanto, parece que, acima dos interesses coletivos, plainam soberbas as conveniências particulares. O PMDB se beneficia em qualquer dos cenários futuros: mantida no comando, Dilma, enfraquecida, dependeria ainda mais do partido, que parasita a máquina administrativa com voracidade; com Dilma impedida, o PMDB assume o governo —em ambas as situações, sai fortalecido para lançar candidato próprio nas próximas eleições. O PSDB também ganha, pois se consolida como opção viável para governar o país, apesar de seu candidato natural, o senador Aécio Neves, ter seu principal aliado, o senador e ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, envolvido no processo da Operaçao Lava-Jato que corre no STF.

Bons tempos aqueles em que despertávamos a atenção do mundo pela novidade que representávamos: primeira nação governada por um ex-operário líder de uma agremiação de esquerda não comunista, que, rezando por uma cartilha heterodoxa, impelia o crescimento do país num momento de estagnação da economia global. Hoje, envolvido em denúncias de lobby em favor de empreiteiras no exterior, e cercado por dirigentes envolvidos em negociatas, Lula não passa de um triste simulacro de si mesmo —e o Brasil volta a ser o que sempre foi, uma melancólica república das bananas, governada por uma elite burra, corrupta e arrogante.

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