SEGURANÇA
RODOVIÁRIA
Ciclistas e peões saíram à rua em várias cidades para
pedir que não os matem
Em Lisboa, Aveiro, Braga, Évora, Faro, Guarda, Mértola,
Porto e Santarém, foram muitos os que, em nome de uma jovem atropelada há uma
semana em Lisboa, apelaram à redução da velocidade dos carros nas cidades, ao
respeito pelos mais frágeis, que não circulam protegidos por chapa.
Henrique Martins
, Inês Pinto da Costa, Maria José Santana e Tiago Mendes Dias 16 de Julho de
2020,
Por 16 minutos,
um por cada ano de vida de Ana Oliveira, morta há uma semana por um automóvel,
mais de uma centena de pessoas encheram o Campo Grande, em Lisboa, de silêncio.
Todos de máscara, bicicletas no chão, ocuparam a rua e a passadeira que a jovem
tentou atravessar mas não conseguiu porque um condutor não respeitou o sinal
vermelho. Um pouco por todo o país, sucederam-se as manifestações contra os
atropelamentos. Peões e ciclistas juntaram-se para exigir cidades desenhadas
para seres humanos e não carros.
Em Lisboa, o
manifestantes escolheram um local duplamente simbólico: a passadeira onde
ocorreu o sinistro e frente ao edifício da Câmara Municipal de Lisboa (CML),
que para muitos não tem feito o suficiente para acalmar o tráfego na cidade.
Segundo Catarina Lopes, uma das organizadoras, a manifestação foi o resultado
de esforços de várias associações de ciclistas diferentes, como a Massa Crítica,
a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta e a Federação Portuguesa de
Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta. Ali reunidos e com reivindicações
diferentes, o mesmo apelo unia-os: a promoção de formas de mobilidade suave em
detrimento do automóvel e “uma cidade mais segura”.
Embora a câmara
esteja a tomar medidas, como a multiplicação de ciclovias, Catarina Lopes
refere que é necessário fazer mais, a começar pelo “mindset dos automobilistas
que não respeitam os peões e os ciclistas”. Sente-se segura a andar de
bicicleta na cidade mas aponta que o mesmo não se pode dizer de indivíduos em
situações mais vulneráveis ou que tenham menos experiência como ciclistas. As
razões são várias: a falta de uma grande rede ciclável e de zonas 30 (onde os
carros só possam circular, no máximo, a 30 e km/h), bem como a “letargia” que
aponta às autoridades de trânsito, como a Autoridade Nacional de Segurança
Rodoviária (ANSR), que está “muito parada num modelo obsoleto de desenho das
cidades, em que é o carro que manda”. Admite que é um processo lento, e que “as
coisas não vão mudar de um dia para o outro”. Afinal, estas mudanças implicam
um redesenho da capital e “muitos perfis de arruamento não permitem zonas 30”,
aponta. Contudo, defende que é precisamente por isso que está ali, para que “as
coisas possam ser feitas em cinco, dez anos, em vez de 20 ou 30.”.
O problema é
sistémico diz Inês Pascoal, outra organizadora e membro da Massa Crítica. A
activista pede maior fiscalização dos automobilistas incumpridores e medidas
como a sobreelevação de passadeiras (para redução da velocidade dos automóveis)
ou instalação de câmaras nos semáforos - esta medida já foi posta em prática
noutros países da Europa, como a Suíça e a câmara defende-a.
Inês Pascoal
aponta ainda o buzinar que diz ouvir frequentemente dos automobilistas quando
anda na estrada, na maior parte das vezes por simplesmente estar a circular.
Este antagonismo dos condutores de automóveis com os ciclistas também foi
referido por outra manifestante, Ana Pereira, que afirma sentir-se
“razoavelmente segura” a circular de bicicleta em Lisboa, mas que por vezes
sente receio da “hostilidade deliberada” de muitos condutores, que diz ter
raízes numa “cultura do carro”.
Pelo país fora
Mas a
manifestação ultrapassou a cidade onde morreu a jovem e fez-se nacional No
Porto, pouco mais de duas dezenas de pessoas juntaram-se na Casa da Música. Não
houve gritos nem houve cartazes: leu-se um manifesto, ouvido por todos e
recebido com uma salva de palmas.
Manuel Barros,
representante da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de
Bicicleta (FPCUB) no Porto, explica que a manifestação foi uma “homenagem” e um
alerta: “o atropelamento da jovem de 16 anos foi uma coisa muito grave e merece
a nossa indignação”.
Público ·
17/Julho: “Os automobilistas têm de perceber que é necessário dar espaço na
cidade”
Manuel aponta a
“falta de planeamento das cidades” como uma ameaça tanto a ciclistas como a
peões. “Os poderes públicos têm de desenhar as cidades para que nunca se
atinjam velocidades altas. Os condutores levam uma máquina muito pesada que
pode ser uma arma”, acrescenta. “O que eu gostava é que esta fosse a última
manifestação que fazemos”, concluiu.
Junto ao chafariz
sem água da Praça da República, à vista da icónica Arcada de Braga, cerca de 30
utilizadores da bicicleta, crianças e adultos, alguns equipados a rigor, todos
de máscara, uniram-se. Enquadrado num cenário com bicicletas de estrada, de
BTT, dobráveis e citadinas, o coordenador da iniciativa em Braga, Mário
Meireles, leu o apelo da FPCUB à redução da sinistralidade nas estradas e ruas
portuguesas, seguido por um minuto de silêncio.
O também
presidente da Associação Braga Ciclável defende a redução dos limites de
velocidade para os automóveis nas cidades portuguesas, o fim da “impunidade no
enquadramento legal” associado aos sinistros e mais fiscalização. “Era preciso
um reforço, porque isso ia levar a outro tipo de comportamentos”, afirma ao
PÚBLICO.
O dirigente
frisou que, só no concelho de Braga, registaram-se 2535 acidentes com vítimas,
entre 1999 e 2017, e apontou as avenidas da rodovia como os pontos que exigem
maior reorganização espacial e limitação da velocidade - é comum os automóveis
circularem ali a 100 quilómetros por hora.
Em Aveiro, a
iniciativa juntou cerca de meia centena de cidadãos em frente ao Museu Santa
Joana, localizado junto a uma das principais rotundas da cidade. “Uma cidade
segura para todos” era a mensagem expressa na faixa colocada em cima de algumas
bicicletas.
Os participantes
responderam ao apelo da associação Ciclaveiro e deslocaram-se, na sua grande
maioria, de bicicleta para o local da manifestação. Foi o caso de Joana
Moreira, que se fez acompanhar do marido e do filho. As experiências que vivem
no dia-a-dia, enquanto utilizadores habituais da bicicleta, levaram-nos a
marcar presença nesta acção. “Quando acontece alguma coisa, o condutor diz logo
que a culpa é nossa, nunca reconhece que não nos viu ou que não teve o devido
cuidado”.
Para um país onde
se pedala ainda pouco, numa década, Portugal já soma 268 mortes de utilizadores
deste veículo.
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