terça-feira, 28 de julho de 2020

Rui Rio e o caminho para um centrismo autoritário

IMAGEM DE OVOODOCORVO


OPINIÃO
Rui Rio e o caminho para um centrismo autoritário

Rio vê-se a si próprio como um homem numa missão; alguém que tem “a obrigação moral”, por “não pertencer à mobília”, de “credibilizar o Parlamento”.

JOÃO MIGUEL TAVARES
28 de Julho de 2020, 7:08

A imagem de Rui Rio que anda há dois anos a ser vendida na comunicação social — inclusive por mim — é esta: um líder do PSD muito coladinho a António Costa, a aparar as suas principais necessidades políticas, mais próximo do socialismo do que do liberalismo, disponível para inúmeras cedências em nome do “interesse nacional”, e aparentemente cheio de vontade de estabelecer uma versão século XXI do Bloco Central, dada a manifesta incapacidade de defenestrar o PS. Até à semana passada, era isto que eu pensava de Rui Rio. Até à semana passada, estava totalmente enganado.

Aquilo que se passou no Parlamento, com o PSD a dispensar as idas quinzenais do primeiro-ministro ao hemiciclo, mais as espantosas justificações de Rio para esse facto — utilizando uma retórica antiparlamentar quase tão velha como o Parlamento —, foi para mim uma verdadeira epifania. Finalmente, percebi Rui Rio e a sua estratégia. Rio não quer nenhum Bloco Central. A sua aposta é num governo liderado pelo PSD com André Ventura à pendura em 2023, ou mesmo um pouco antes disso, se a situação económica se agravar enormemente e o Governo não aguentar. Se até lá Ventura galgar para próximo dos 10%, roubando algum eleitorado ao PCP e à abstenção, e se Rui Rio conquistar sete ou oito pontos percentuais ao PS, bastar-lhe-ia chegar próximo dos 35% para um Governo de direita voltar a ser possível, tendo Rio como primeiro-ministro.

Sinto-me estúpido por não ter acreditado nisto antes, já que não eram necessárias grandes elucubrações para chegar lá — bastava acreditar naquilo que Rui Rio anda a dizer há muito. “O regime está profundamente desgastado e incapaz de responder às exigências da sociedade”, declarou ele ao Expresso em Julho de 2019, e desde então tem repetido a mesma ideia muitas vezes. É um erro pensar que se trata apenas de conversa. Como referiu na quinta-feira, Rio vê-se a si próprio como um homem numa missão; alguém que tem “a obrigação moral”, por “não pertencer à mobília”, de “credibilizar o Parlamento”. Quem diz o Parlamento diz a democracia; quem diz a democracia diz o regime: o líder do PSD, embora esteja na política há várias décadas, vê-se a si próprio como não fazendo parte da “mobília”, como uma criatura política singular, tal qual Cavaco Silva ou, já agora, Salazar.

Nós tendemos a ligar a palavra “autoritário” aos extremos políticos, mas o século XX português mostra-nos alternativas, tanto em democracia como em ditadura. Confundidos pela palavra “fascista” e pelo conservadorismo do Estado Novo, esquecemos que Salazar colocou os verdadeiros fascistas (Rolão Preto e os camisas azuis) na prisão. E a famosa “suspensão da democracia por seis meses” saiu da boca de Manuela Ferreira Leite, uma assumida centrista. Donde, existe uma enorme tentação para um autoritarismo de centro em Portugal, isto é, para a prossecução de políticas moderadas de forma musculada (vejam também o fascínio pelo “animal feroz”), que Rui Rio está agora a recuperar com uma retórica fortíssima.

Dir-me-ão: se Rio é dado a autoritarismos, porque é que ele apoiou tantas vezes o PS? É simples: porque Costa e Rio partilham a convicção de que a política é o primeiro de todos os poderes, ao qual justiça e imprensa devem subordinar-se, por carecerem de “legitimidade democrática”. A boa notícia para o PSD é que este discurso tem ressonância no país. A má notícia para um liberal é que este tipo de mudança é tudo aquilo que o país não precisa.

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