O que mudou na habitação em Lisboa com a pandemia
Ana Sofia Paiva
O COVID-19
colocou em suspenso a economia e, em especial, o turismo e a habitação. Como é
que a cidade de Lisboa está a lidar com a reestruturação destes setores? Dois
geógrafos e investigadores da NOVA FCSH respondem a estas dúvidas.
Os Alojamentos
Locais (AL), hotéis e Airbnb são negócios que, à partida, não teriam quase
nenhum risco de aposta antes do aparecimento do vírus. O turismo estava em alta
na capital, os diferentes idiomas misturavam-se nas ruas da cidade e o setor
imobiliário não se podia queixar da procura por parte dos indivíduos. Até que a
pandemia veio revolucionar estes setores e impingir a reflexão das medidas
tomadas até então.
João Seixas e
Gonçalo Antunes, investigadores do Centro Interdisciplinar de Ciências Socias
(CICS.NOVA) da NOVA FCSH, publicaram em 2019 na revista Cidades, Comunidades e
Territórios, um artigo sobre as tendências da segregação habitacional na Área
Metropolitana de Lisboa (AML). Nele, os investigadores calcularam as taxas de
variação do valor do metro quadrado entre 2016 e 2018 e concluíram que em toda
a AML a maior subida ocorreu no concelho de Lisboa.
Além da análise
das taxas de variação do valor do metro quadrado, os investigadores calcularam
528 taxas de esforço médias territoriais, ou seja, o esforço das famílias para
adquirirem habitação. Este cálculo foi feito para toda a AML, por trimestre, e
o valor da taxa de esforço média aumentou ligeiramente. Dos resultados
adquiridos, foi no concelho de Lisboa que se registou a maior subida, com uma
evolução de 38%, no início de 2016, para 58%, no final de 2018.
Contudo, o vírus,
considera Gonçalo Antunes, não veio alterar significativamente o esforço das
famílias: “A cidade de Lisboa entrou num período de valorização que faz com que
a taxa de esforço, para a média do rendimento das famílias da AML, seja sempre
relativamente elevada”, dado o padrão que se estabeleceu nos últimos cinco
anos, aponta.
Os preços de
algumas casas e quartos estão a decrescer, mas apesar da ilusão dos “saldos” na
capital, a verdade é que Lisboa continua a ser a cidade mais cara para arrendar
e a única a registar um aumento percentual de abril para maio deste ano. As
rendas subiram 0.5%, aponta o barómetro mensal de maio da plataforma
Imovirtual.
João Seixas crê
que pode haver “uma estabilização nos preços do metro quadrado, alguma baixa em
algumas zonas da cidade, mas ao mesmo tempo há uma maior precariedade de
rendimentos. E, portanto, em termos médios de taxas de esforço médias
territoriais, não se vão alterar nos padrões que já estavam”, esclarece.
Já os Alojamentos
Locais e as habitações de Airbnb tiveram que encontrar soluções para se
reinventar. O AL estava em crescimento e relativamente estabilizado, apontam os
investigadores da NOVA FCSH, mas os sintomas de saturação na capital já se
faziam sentir e “alguns até já procuravam voltar ao mercado de arrendamento
normal”, afirma Gonçalo Antunes. Ou seja, “os desequilíbrios que já existiam
antes estão agora mais acentuados” com o vírus e o abrandamento da economia,
refere João Seixas.
E são os negócios
familiares que tentam subsistir das mais variadas formas: “São esses, os mais
pequenos, que estão a fazer contas de uma forma muito preocupada e a colocar os
seus apartamentos em arrendamento e de uma forma cautelosa”, afirma João
Seixas. Outros, concorreram ao programa Renda Segura, da Câmara Municipal de
Lisboa (CML), onde inscrevem os seus imóveis para serem arrendados pela
autarquia para depois a mesma subarrendá-los a preços mais acessíveis, através
do Programa de Renda Acessível (PRA).
O regresso
massivo dos turistas ao país e, em particular, a Lisboa, ainda está para
acontecer: “É possível e faz sentido que Portugal consiga vender bem a sua
imagem no estrangeiro de um país seguro, de um Serviço Nacional de Saúde que
funcionou bem e, portanto, é possível que o turismo volte de novo”, aponta João
Seixas. Mas não tem tanta certeza se regressa com a dimensão de anos anteriores
porque o país depende das viagens aéreas por estar afastado dos principais
mercados da Europa.
Apesar disso, há
algo a favor do país: “Se formos a ver os estudos sobre o turismo realizados em
Lisboa, uma das coisas que os turistas mais apreciam, digamos assim, com que
saem mais satisfeitos, é porque acham tudo barato”, explica Gonçalo Antunes,
“os museus são baratos, as refeições são baratas, o turismo em Lisboa é visto
como um turismo que não exige grandes gastos”. No futuro é provável que assim
continue, o que pode aumentar a competitividade do país face aos restantes,
opina o investigador.
Porém, é preciso
agora refletir sobre o que o vírus colocou em evidência nas cidades. Na opinião
dos geógrafos, é preciso mais do que nunca ter em conta a importância de
existirem cidades “mais diversas, mais vivas, com mais qualidade de vida”,
refere João Seixas, que considera que “isso será um dos maiores objetivos do
pós-Covid”.
Na sua opinião,
“a cidade em Portugal é filho de um deus menor” porque “nunca foi percebida em
Portugal como um objeto político de excelência”, e é esse um dos caminhos que
deve continuar a ser trilhado. As previsões ainda são incertas, mas Gonçalo
Antunes afirma que a cidade “deve responder às necessidades das pessoas e aos
que lá vivem, em primeiro lugar, e depois para o resto”.
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