sábado, 25 de julho de 2020

O que mudou na habitação em Lisboa com a pandemia



O que mudou na habitação em Lisboa com a pandemia

Ana Sofia Paiva

O COVID-19 colocou em suspenso a economia e, em especial, o turismo e a habitação. Como é que a cidade de Lisboa está a lidar com a reestruturação destes setores? Dois geógrafos e investigadores da NOVA FCSH respondem a estas dúvidas.

Os Alojamentos Locais (AL), hotéis e Airbnb são negócios que, à partida, não teriam quase nenhum risco de aposta antes do aparecimento do vírus. O turismo estava em alta na capital, os diferentes idiomas misturavam-se nas ruas da cidade e o setor imobiliário não se podia queixar da procura por parte dos indivíduos. Até que a pandemia veio revolucionar estes setores e impingir a reflexão das medidas tomadas até então.

João Seixas e Gonçalo Antunes, investigadores do Centro Interdisciplinar de Ciências Socias (CICS.NOVA) da NOVA FCSH, publicaram em 2019 na revista Cidades, Comunidades e Territórios, um artigo sobre as tendências da segregação habitacional na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Nele, os investigadores calcularam as taxas de variação do valor do metro quadrado entre 2016 e 2018 e concluíram que em toda a AML a maior subida ocorreu no concelho de Lisboa.

Além da análise das taxas de variação do valor do metro quadrado, os investigadores calcularam 528 taxas de esforço médias territoriais, ou seja, o esforço das famílias para adquirirem habitação. Este cálculo foi feito para toda a AML, por trimestre, e o valor da taxa de esforço média aumentou ligeiramente. Dos resultados adquiridos, foi no concelho de Lisboa que se registou a maior subida, com uma evolução de 38%, no início de 2016, para 58%, no final de 2018.

Contudo, o vírus, considera Gonçalo Antunes, não veio alterar significativamente o esforço das famílias: “A cidade de Lisboa entrou num período de valorização que faz com que a taxa de esforço, para a média do rendimento das famílias da AML, seja sempre relativamente elevada”, dado o padrão que se estabeleceu nos últimos cinco anos, aponta.

Os preços de algumas casas e quartos estão a decrescer, mas apesar da ilusão dos “saldos” na capital, a verdade é que Lisboa continua a ser a cidade mais cara para arrendar e a única a registar um aumento percentual de abril para maio deste ano. As rendas subiram 0.5%, aponta o barómetro mensal de maio da plataforma Imovirtual.

João Seixas crê que pode haver “uma estabilização nos preços do metro quadrado, alguma baixa em algumas zonas da cidade, mas ao mesmo tempo há uma maior precariedade de rendimentos. E, portanto, em termos médios de taxas de esforço médias territoriais, não se vão alterar nos padrões que já estavam”, esclarece.

Já os Alojamentos Locais e as habitações de Airbnb tiveram que encontrar soluções para se reinventar. O AL estava em crescimento e relativamente estabilizado, apontam os investigadores da NOVA FCSH, mas os sintomas de saturação na capital já se faziam sentir e “alguns até já procuravam voltar ao mercado de arrendamento normal”, afirma Gonçalo Antunes. Ou seja, “os desequilíbrios que já existiam antes estão agora mais acentuados” com o vírus e o abrandamento da economia, refere João Seixas.

E são os negócios familiares que tentam subsistir das mais variadas formas: “São esses, os mais pequenos, que estão a fazer contas de uma forma muito preocupada e a colocar os seus apartamentos em arrendamento e de uma forma cautelosa”, afirma João Seixas. Outros, concorreram ao programa Renda Segura, da Câmara Municipal de Lisboa (CML), onde inscrevem os seus imóveis para serem arrendados pela autarquia para depois a mesma subarrendá-los a preços mais acessíveis, através do Programa de Renda Acessível (PRA).

O regresso massivo dos turistas ao país e, em particular, a Lisboa, ainda está para acontecer: “É possível e faz sentido que Portugal consiga vender bem a sua imagem no estrangeiro de um país seguro, de um Serviço Nacional de Saúde que funcionou bem e, portanto, é possível que o turismo volte de novo”, aponta João Seixas. Mas não tem tanta certeza se regressa com a dimensão de anos anteriores porque o país depende das viagens aéreas por estar afastado dos principais mercados da Europa.

Apesar disso, há algo a favor do país: “Se formos a ver os estudos sobre o turismo realizados em Lisboa, uma das coisas que os turistas mais apreciam, digamos assim, com que saem mais satisfeitos, é porque acham tudo barato”, explica Gonçalo Antunes, “os museus são baratos, as refeições são baratas, o turismo em Lisboa é visto como um turismo que não exige grandes gastos”. No futuro é provável que assim continue, o que pode aumentar a competitividade do país face aos restantes, opina o investigador.

Porém, é preciso agora refletir sobre o que o vírus colocou em evidência nas cidades. Na opinião dos geógrafos, é preciso mais do que nunca ter em conta a importância de existirem cidades “mais diversas, mais vivas, com mais qualidade de vida”, refere João Seixas, que considera que “isso será um dos maiores objetivos do pós-Covid”.

Na sua opinião, “a cidade em Portugal é filho de um deus menor” porque “nunca foi percebida em Portugal como um objeto político de excelência”, e é esse um dos caminhos que deve continuar a ser trilhado. As previsões ainda são incertas, mas Gonçalo Antunes afirma que a cidade “deve responder às necessidades das pessoas e aos que lá vivem, em primeiro lugar, e depois para o resto”.

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