LOURES
Actor Bruno Candé foi assassinado em plena Avenida de
Moscavide
O actor de 39 anos pertencia à companhia de teatro Casa
Conveniente. O crime ocorreu cerca das 13h de sábado. Presumível homicida tem
cerca de 80 anos. Família fala de “carácter premeditado e racista” do crime.
Vítor Belanciano
e Lusa 25 de Julho de 2020, 17:10
https://www.publico.pt/2020/07/25/sociedade/noticia/homem-morto-tiro-plena-avenida-moscavide-1925870
O actor Bruno
Candé Marques, que pertencia à companhia de teatro Casa Conveniente, foi morto
a tiro este sábado, em plena rua, na Avenida de Moscavide, concelho de Loures,
junto a Lisboa. O actor vivia no Casal dos Machados, na freguesia do Parque das
Nações, perto do local do crime. Tinha 39 anos e deixa três filhos, dois
rapazes, com cinco e seis anos, e uma menina, que completará 3 anos em Agosto.
O actor, que há dois anos e meio sofreu um acidente de bicicleta, tinha desde
então, segundo a família, “sequelas em todo o seu lado esquerdo”, tendo-lhe
sido atribuído "um atestado de incapacidade, sendo as limitações de
mobilidade evidentes.”
Segundo
informações da Lusa, terá sido baleado por outro indivíduo, que terá cerca de
80 anos. O crime terá ocorrido por volta das 13h, e quando a Polícia de
Segurança Pública (PSP) chegou ao local, encontrou “um homem que tinha sido
baleado em várias zonas do corpo por outro homem.”
O presumível
autor do homicídio foi retido no local por várias pessoas e acabou por ser
detido pela PSP, que lhe apreendeu a arma de fogo. Desconhece-se para já os
motivos do crime. “Em termos de motivação, ainda não percebemos muito bem o
porquê”, avançou a PSP à Lusa, acrescentando que não era conhecida qualquer
relação entre a vítima e o autor do crime. À SIC Notícias, testemunhas do crime
afirmaram que tinha havido desentendimentos nos últimos dias entre a vítima e o
presumível homicida, mas nada que fizesse esperar um acto de violência. O
PÚBLICO contactou a PSP para obter mais detalhes sobre este crime, mas sem
sucesso até ao momento. Por se tratar de um homicídio, o caso foi entretanto
entregue à Polícia Judiciária.
Entretanto, a
família, num comunicado enviado à imprensa, descreve que o “Bruno foi
barbaramente assassinado, alvejado à queima-roupa com 4 tiros na rua principal
de Moscavide” e que o “assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes,
proferindo vários insultos racistas” a ele e à família. “Face a esta
circunstância fica evidente o carácter premeditado e racista deste crime
hediondo”. Também em comunicado o SOS
Racismo exige “justiça”, considerando tratar-se de “um crime com motivações de
ódio racial”, solicitando que “o assassinato de Bruno Candé Marques não seja
mais um sem consequências.”
Em declarações ao
PÚBLICO, a actriz da companhia Casa Conveniente, Marta Félix, avança que terá
havido “uma discussão na quarta-feira, depois de um homem ter tropeçado na
cadela do Bruno, da qual era inseparável e que foi importante na sua
recuperação.” Segundo a actriz o “homem terá ameaçado o Bruno de morte e, hoje,
quando ele estava numa esplanada na avenida principal de Moscavide, onde ia
assiduamente, o homem avistou-o, terá ido pouco depois a casa buscar uma arma,
e disparado quatro tiros.”
A encenadora e
actriz Mónica Calle, que desde sempre lidera a companhia, fala com emoção de um
ser humano excepcional. “Era impossível não gostar dele. Em qualquer
circunstância, em qualquer contexto, era uma pessoa impossível de não ser
amada. Era alguém com uma alegria e generosidade como raramente conheci na
vida. Tinha uma força e inteligência emocional incríveis. Era alguém que
procurou sempre descobrir-se a si e aos outros.”
Bruno Candé
nasceu na Guiné-Bissau e cresceu na Casa Pia, em Lisboa. “Foi aí que começou a
fazer teatro, tendo aí recebido vários prémios”, revela Mónica Calle. “Depois
foi encaminhado para a escola profissional do Chapitô, onde continuou a estudar
teatro. Era o seu sonho desde sempre: ser actor.” Em 2010 os caminhos da Calle
e Bruno Candé cruzaram-se.
“A partir daí
nunca mais deixou a Casa Conveniente”, afirma. “O primeiro espectáculo que fez
connosco foi A Missão – Memórias de Uma Revolução, do Heiner Müller, que acabou
por ganhar um prémio da Sociedade Portuguesa de Autores.” Há dois anos e meio o
seu trajecto foi repentinamente interrompido. Teve um acidente muito grave de
bicicleta. Esteve em coma muito tempo. “Às portas da morte”, diz Mónica Calle.
Depois, a recuperação. “Até os médicos diziam que se tinha operado uma espécie
de milagre”, reflecte Calle.
“Ninguém sabia se
iria sobreviver e previa-se que, quando ‘acordasse’, que os danos físicos e
psicológicos seriam inúmeros e alguns irreversíveis. E ele, mais uma vez,
contra todas as expectativas, sobreviveu. E para além disso foi recuperando a
memória, o andar e a fala. Quando ele ‘acordou’, nesses momentos, disse-nos que
aquilo que o salvou e o ajudou a recuperar foram os textos teatrais.
Nomeadamente esse texto da Missão, que foi o primeiro espectáculo que ele fez
com a Casa Conveniente.”
Já este ano, a
companhia, tinha desenvolvido dois workshops, onde Bruno Candé participara.
Objectivo? “Criar um espectáculo, que começou por ser uma homenagem ao Bruno,
por ele ter recuperado, porque ele esteve mesmo à porta da morte. E agora
acontece isto”, emociona-se Mónica Calle. O espectáculo irá acontecer em Março
do próximo ano, com co-produção da Culturgest, sendo inspirado no título e no
livro de José Riço Direitinho, O Escuro que Ilumina.
A actriz e
encenadora Mónica Garnel, também pertencente à Casa Conveniente, lembra que ele
andava a trabalhar num novo projecto (um livro), e que ao longo dos anos ouvia
“de forma obsessiva” a canção Ne me quitte pas de Jacques Brel. “Era recorrente
relatar a história que terá sido uma rapariga que conheceu que lhe terá dado a
ouvir a música”, explica, “mas só anos mais tarde, por não perceber francês,
entendeu na plenitude a letra e a mensagem que lhe era implícita”, diz.
"Era um incansável contador de histórias.”
No espectáculo
Rifar O Meu Coração, feito com a cumplicidade do público, a partir de diversos
quadros, os actores escolhiam uma música para contarem uma história
confessional, e era essa mesma canção que atribuía ambiente ao desempenho
emocional e intimista de Bruno Candé,
que por norma terminava com o actor sendo abraçado calorosamente por
membros da assistência.
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