IMAGENS DE OVOODOCORVO
O maior problema de António Costa
Era numa sólida frente de combate pelo futuro que
deveríamos encontrar António Costa, e não envolvido na mesquinhez do calendário
parlamentar...
VICENTE JORGE
SILVA
26 de Julho de
2020, 6:33
António Costa
aproveitou o último debate do estado da nação para ensaiar um dos seus
habituais golpes de poker político, propondo ao PCP e ao Bloco uma nova edição
da “geringonça” e colando ao PSD a etiqueta de “velhos do Restelo” – a pretexto
do seu cepticismo relativamente à questão do hidrogénio –, embora tenha sido
com o mesmo PSD que, no dia anterior, aprovara o fim dos debates quinzenais
(proposto, aliás, pelo mais acabado desses “velhos": Rui Rio).
A que se deve tão
célere contradição de comportamento político? Precisamente, e naquele instante,
à necessidade para Costa de compensar a tão polémica concordância com o fim dos
debates quinzenais, passando-os para bimestrais – o que confirmava uma
prolongada cumplicidade com Rui Rio em matéria de costumes políticos e rituais
parlamentares. Era a esse “bloco central” de interesses tácticos que Costa
pretendia contrapor – muito mais para salvar as aparências do que por convicção
– a estratégia política da “geringonça”. Só que Costa se habituou a este
“poker" como se tudo decorresse em segredo e à margem do escrutínio do
eleitorado, confiando em demasia na sua habilidade e encarando com cinismo a
credulidade dos outros.
Ora, outro
episódio revelador aconteceu antes da cimeira europeia em que foi aprovado o
histórico plano de resposta à pandemia. Foi quando António Costa deixou muita
gente perplexa com a sua visita ao primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán,
chefe do Governo europeu com o pior registo de atentados contra o Estado de
direito democrático.
O líder
socialista recusou qualquer gesto de demarcação de valores políticos com o seu
anfitrião, insistindo em separar esses valores dos interesses económicos (como
se isso fosse possível, ao nível das convicções ideológicas e do projecto
europeu que se pretende construir). O primeiro-ministro português prestava-se,
portanto, à interpretação de que, para o seu Governo, o que interessava acima
de tudo, fosse qual fosse o preço político a pagar, era o dinheiro. E assim
menosprezava a importância do gesto solidário da Europa – o mais amplo de
todos, inspirado pelo voluntarismo e lucidez de Merkel e Macron, apesar das
tristes peripécias de bastidores que ainda persistem.
Como era
fundamental termos nesta altura um António Costa idêntico àquele que soube
orientar e inspirar o país durante o confinamento (mau grado os percalços e
perdas de rumo que se seguiram). Perante algo historicamente tão relevante para
acordar a consciência europeia, as reacções portuguesas foram previsivelmente
dominadas pela indiferença, a desconfiança e o cepticismo não apenas face à
Europa mas contra nós próprios – contra a nossa incapacidade atávica de
construir um país mais próspero, justo e igualitário, paralisados por essa
sombra fatalista que nos persegue desde sempre. Ora, era numa sólida frente de
combate pelo futuro que deveríamos encontrar António Costa e não envolvido na
mesquinhez do calendário parlamentar – que, pense-se o que se quiser, não pode
passar de quinzenal a bimestral sem prejuízo do escrutínio dos eleitos. Sem
querer entrar em especulações psicanalíticas, o maior problema de António Costa
não será, afinal, ele próprio?
P.S. – “É uma
reviravolta: uma renúncia histórica da Europa à austeridade e uma maneira de
afrontar a crise económica diametralmente oposta à de 2008. (…) O dogmatismo
neoliberal que tanto mal fez à Europa e às suas populações, em particular no
Sul, foi finalmente corrigido”. As palavras são de Pablo Iglesias, líder do
Podemos e vice-presidente do Governo espanhol, a propósito do plano de
relançamento europeu. E podem ser lidas com proveito pelos seus confrades
portugueses.
OPINIÃO
A diplomacia do queixume e das queixinhas
Esta diplomacia das queixinhas não resolve problema
nenhum, deteriora a imagem e o prestígio de Portugal e menoriza e despreza os
portugueses.
PAULO RANGEL
14 de Julho de
2020, 0:20
1. Da situação
actual das fronteiras europeias, todos temos conhecimento. Cada Estado-membro
toma as suas decisões de reabertura de fronteiras, total ou parcial, livre ou
condicionada, baseado nos seus próprios critérios, sem que haja a obediência a
um enquadramento comum. Este “estado da arte”, embora presuntivamente legal, é
altamente censurável. Numa situação excepcional como esta, mesmo à margem das
regras, era decisivo ter aceitado uma coordenação efectiva da Comissão.
Decisivo para restaurar a confiança dos cidadãos e para gerar confiança entre
os Estados-membros, assim garantindo um gradual e seguro restabelecimento da
liberdade de circulação. Este é talvez o único ponto em que, nesta triste saga
da abertura ou fecho de corredores, o Governo português tem razão.
2. Quanto ao
resto, a linha definida pelo Governo português, assumida pelo ministro dos
Negócios Estrangeiros e pelo primeiro-ministro, é claramente prejudicial ao
país. Não me custa a crer que, nos bastidores da política internacional, o
Governo procure dar o seu melhor. Mas no palco público, nacional e
internacional, caiu na diplomacia do queixume e da recriminação. Esta
diplomacia das queixinhas não resolve problema nenhum, deteriora a imagem e o
prestígio de Portugal e menoriza e despreza os portugueses, explorando um
nacionalismo bacoco, de ressaibo a Estado Novo.
O Governo tem-se
queixado recorrentemente de que as orientações da Comissão não estão a ser
seguidas, mas Portugal foi lesto a quebrá-las, quando não abriu fronteiras com
a Espanha a 15 de Junho, recusou depois abri-las a 22 de Junho (conforme fora
proposto pelo lado espanhol) e terminou a fazer aquela pacóvia cerimónia de
abertura a 1 de Julho. Um Governo não pode lamentar-se de que os outros não
seguem os conselhos da Comissão, se ostensivamente rejeitou pô-los em prática.
Por outro lado,
assim que, em meados de Junho, começou a ver listas negras selectivas, o
ministro dos Estrangeiros não só alegou injustiça e até perseguição como
ameaçou com retaliações e retorsões. Pouco depois, o primeiro-ministro pôs água
na fervura, afastando a política da retaliação. Mas não deixa de ser irónico
que António Costa, que agora condena as represálias recíprocas, tenha tido o
seu ministro Santos Silva, em pleno fórum TSF de 19 de Junho, a defendê-las.
Veio já mais
tarde o transe britânico. Convém lembrar que, embora em transição, o Reino
Unido já não faz parte da União e nunca fez parte do espaço Schengen.
Compreensivelmente, pela importância que o turismo britânico tem para Portugal,
foi este o momento mais dramático, conducente a um discurso de nacionalismo
primário, assente na vertigem da perseguição. Para Costa e Santos Silva,
Portugal estaria a ser objecto de uma cabala, de uma espécie de conspiração
internacional para “amarfanhar” o país, o nosso turismo, a nossa economia. As
declarações de Santos Silva foram impertinentes e faroleiras e o tweet do
primeiro-ministro, com um gráfico habilidoso (para não dizer manhoso), foi
lamentável. E mais uma vez – como no episódio da bravata anti-holandesa –,
muito danoso para a imagem internacional do país e até do primeiro-ministro. A
esta ocorrência, juntou-se ainda o Presidente da República, que, pungentemente,
apelava à velha amizade e aliança luso-britânica.
3. Analisemos a
teoria da conspiração anti-portuguesa. Trata-se de uma tese disparatada,
descabida, na velha esteira das “desculpas de mau pagador”. Basta examinar
superficialmente as decisões dos países que têm posto condicionamentos à
entrada dos oriundos de Portugal, para ver que o critério é objectivo. Não
existe nenhuma sanha ou hostilidade para com Portugal ou qualquer preferência
pelos nossos vizinhos espanhóis ou primos italianos. Existe um critério – com o
qual se pode concordar ou não, que pode ter-se por adequado ou inapropriado –,
mas que é aplicado estritamente a todos os que se achem em idêntica situação. O
critério é o do número de novos infectados em função da população e a melhor
maneira de reverter as limitações criadas não é seguramente a diabolização dos
outros.
O desatino das
mil justificações e desculpas não fica por aqui. Prossegue para a teoria de que
os restantes países mistificam os seus números, omitem testes e alteram
resultados para se livrarem do risco de serem excluídos dos tais corredores de
turismo. A acusação é temerária e tem óbvias implicações diplomáticas. Nem
Sánchez, nem Conte, nem Mitsotakis hão-de gostar de serem tratados pelo governo
português como confabuladores ou mentirosos. Mas vale a pena perguntar: e os
nossos números, serão fiáveis? Os indícios que temos, com necessidade constante
de tentar explicar incongruências e disparidades, apontam para um retrato
absolutamente fiel? Não estou a pôr nem porei as mãos no fogo pelas
estatísticas apresentadas por outros Governos – o controverso caso espanhol é
mesmo paradigmático –, mas sinceramente as nossas também levantam dúvidas que
outros, a qualquer momento, podem explorar.
Falta, pois, a
grande desculpa trumpiana – a feitura de mais testes –, que de tanto desmentida
por especialistas e pelo bom senso não merece mais do que esta linha.
4. Já o disse há
um mais de um mês, mas creio que vale a pena repetir. Não devemos com certeza
abandonar a frente diplomática e a pedagogia da adopção de critérios mais
completos e mais fiáveis. Mas o melhor que podemos fazer pelo nosso país, pela
nossa economia e pela preparação para uma eventual segunda vaga é combater a
disseminação actual da infecção que, todos reconhecem, é anormalmente alta. Se
enfrentarmos corajosamente essa adversidade, não haverá critério nem ranking
que possa ser esgrimido em nosso desfavor. Se o governo tivesse actuado em
tempo na zona da Grande Lisboa, em vez de se preocupar com uma Champions que é
bem capaz de nos trazer mais dissabores do que vantagens, não era preciso
arranjar tanta desculpa. Nem arranjar tanta desculpa nem inventar tanta
culpa.
NÃO. Genocídio de
Srebrenica. O massacre de bósnios muçulmanos há 25 anos veio demonstrar que
nunca estamos livres da barbárie. Contra o negacionismo e a impunidade, é
fundamental lembrar esse horror.
NÃO. Orbán e
Costa: duplo padrão. Hoje Costa encontra-se com Orbán. Costa não critica Orbán.
Onde estão os anti-Fidezs portugueses? Não seria altura de fazer do rule of law
um critério de repartição dos fundos?
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