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OPINIÃO
O Novo Banco e a notável arte de legalizar o roubo
O golpe de génio da alta finança predatória está em
transformar aquilo que antes se chamava “roubo” num conjunto de operações
financeiras extremamente opacas e complexas, pejadas de conflitos de interesse
e… perfeitamente legais.
JOÃO MIGUEL TAVARES
30 de Julho de
2020, 0:00
Na sequência do
óptimo artigo de investigação de Paulo Pena sobre o Novo Banco e o Portfólio
Viriato, Amílcar Correia escreveu um editorial que começava assim: “O Novo
Banco vendeu mais de 13 mil imóveis a um fundo anónimo sediado nas ilhas
Caimão, emprestou dinheiro a quem os comprou, registou prejuízos daquele que
foi o maior negócio imobiliário dos últimos anos em Portugal, e ainda recebeu
compensação pelas perdas de centenas de milhões através do Fundo de Resolução.”
O mais curioso nesta lista de factos é que tudo o que ali está descrito é
legal. Rui Rio quer que o Ministério Público investigue, mas não é claro que
haja grande coisa para investigar.
“O Novo Banco
vendeu mais de 13 mil imóveis” – perfeitamente legal: como lhe explicará um bom
CEO, o banco pode e deve vender, porque a sua principal vocação é a concessão
de crédito e não a gestão de imóveis, actividade que requer outro tipo de
competências.
“A um fundo
anónimo sediado nas ilhas Caimão” – perfeitamente legal: o mundo dos offshores
continua florescente e aceite por Estados e bancos centrais.
“Emprestou
dinheiro a quem comprou” – perfeitamente legal: como lhe explicará um bom CEO,
pode até ser um negócio catita, já que se os juros forem altos o banco vendedor
consegue tirar rendimento extra via empréstimo, e se os juros forem baixos
consegue um valor mais competitivo pela carteira. E se houver falha de
pagamentos? Desde que o empréstimo não tenha sido concedido a 100%, ou próximo
disso, o banco recebe de volta a totalidade dos imóveis e pode vendê-los outra
vez.
“Registou
prejuízos daquele que foi o maior negócio imobiliário dos últimos anos” –
perfeitamente legal: como lhe explicará um bom CEO, apesar da enorme
valorização do imobiliário, é possível que a contabilização inicial dos 13 mil
imóveis tivesse sido exagerada de forma ainda mais estratosférica e, portanto,
que o valor real dos imóveis esteja mais próximo daquele por que foram vendidos
do que daquele por que foram contabilizados.
“Recebeu
compensação pelas perdas de centenas de milhões através do Fundo de Resolução”
– perfeitamente legal: como lhe explicará um bom CEO, estava tudo previsto no
acordo de venda do Novo Banco, assinado pelo Estado português a 18 de Outubro
de 2017 e selado por um belo bacalhau entre Carlos Costa, governador do Banco
de Portugal, e Donald Quintin, director-geral do fundo Lone Star.
Acaso se realize
a comissão de inquérito que Rui Rio admitiu convocar sobre a venda do Novo
Banco, é até possível que o ex-ministro das Finanças Mário e o actual
governador do Banco de Portugal Centeno venham a confrontar-se no Parlamento,
para ver quem fala verdade
E se se descobrir
que o acordo foi mal negociado? Bom, nesse caso o novo governador do Banco de
Portugal, Mário Centeno, terá de averiguar se os interesses do Estado português
foram devidamente acautelados pelo antigo ministro das Finanças, Mário Centeno,
em 2017 – o que também é perfeitamente legal. Acaso se realize a comissão de
inquérito que Rui Rio admitiu convocar sobre a venda do Novo Banco, é até
possível que o ex-ministro das Finanças Mário e o actual governador do Banco de
Portugal Centeno venham a confrontar-se no Parlamento, para ver quem fala
verdade.
Estou capaz de
apostar no resultado final: tudo perfeitamente legal. O golpe de génio da alta
finança predatória – e isto talvez um bom CEO não explique – está em transformar
aquilo que antes se chamava “roubo” num conjunto de operações financeiras
extremamente opacas e complexas, pejadas de conflitos de interesse e…
perfeitamente legais. Não admira que depois venha José Miguel Júdice
garantir-nos que Ricardo Salgado não é nenhum gangster. Claro que não é. É
apenas um bom CEO que teve azar.
Jornalista
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