quinta-feira, 23 de julho de 2020

Moradores ganham batalha contra torre de 60 metros na Portugália / Câmara de Lisboa trava projecto da “torre” da Portugália




Moradores ganham batalha contra torre de 60 metros na Portugália

A torre envidraçada que iria ser construída no quarteirão da Portugália já não vai avançar, garante o vereador do urbanismo, Ricardo Veludo

IMOBILIÁRIO
23.07.2020 às 11h19

A polémica torre de 60 metros que estava prevista para o projeto do quarteirão da Portugália, em Lisboa, já não vai avançar.  A autarquia, e muito especificamente, o vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, chumbou o licenciamento após quase um ano de acesos debates públicos que envolveram o promotor, o Fundo Sete Colinas e o gabinete de arquitetura ARX que assina o projeto Portugália Plaza com os moradores, encabeçados pelo movimento cívico Stop Torre 60m Portugália e outros organismos como a Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP).

 “A conclusão a que chegámos é que não pode haver torres neste quarteirão”, admitiu o vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo ao  jornal Público, que avança esta manhã com a notícia. Essa discussão, afirma, foi um “aprendizado” para o município repensar a forma de discussão de futuros projetos com a população.

O Portugália Plaza, recorde-se, prevê a construção de quatro edifícios, um deles uma torre envidraçada com 16 andares (que chegou a ter 60 metros de altura mas depois foi reduzida para 49), no generoso quarteirão da Portugália, onde em 1912 foi construída a célebre fábrica de cerveja,  no coração da Almirante Reis, mas que há décadas se encontrava devoluto.

O projeto contempla a construção de 85 apartamentos com tipologias entre o T0 e o T4 (a maioria “destinado a famílias e jovens profissionais portugueses de classe média”, segundo os promotores), mais de uma dezena de escritórios e espaços de co-work e ainda uma zona comercial no piso térreo nas duas praças interiores que seriam criadas no empreendimento e pelas quais seria possível circular entre a Avenida Almirante Reis e a Rua António Pedro.

O excesso de volumetria do empreendimento e muito particularmente a dimensão da torre não acolheram, contudo, a aprovação dos moradores que para o contestar se organizaram no” Movimento Stop Torre 60m Portugália.

Para estes cidadãos, a torre projetada descaracteriza a identidade arquitetónica dos bairros envolventes, uma vez que apresenta uma volumetria muito superior à existente e, a ser construída,  iria interferir no sistema de vistas dos Miradouros da Penha de França e do Monte Agudo, para além de criar uma significativa área de sombra sobre as casas e ruas circundantes, com consequente impacto na qualidade e vida da população residente.

Também em maio do ano passado a APAP demonstrou publicamente a sua preocupação com a eventualidade de se avançar para a construção de uma torre “numa zona já consolidada da cidade”, criando-se “um precedente de edifícios em altura em zonas consolidadas”.

Nessa altura, o vice-presidente da APAP, João Ceregeiro realçava à agência Lusa,  que “a paisagem da cidade” vale pela “leitura do vale e das colinas”, pelo que “estas volumetrias vão destruir progressivamente aquele que é o valor e monumentalidade” que caracteriza a capital portuguesa.

Recorde-se que o projeto foi submetido ao debate público porque pretendia ser enquadrado num regime de exceção devido à altura das fachadas.


URBANISMO
Câmara de Lisboa trava projecto da “torre” da Portugália

Projecto que incluía um torre de 60 metros, que depois passou a 49, foi indeferido pelos serviços do Urbanismo. Naquele local, diz o vereador Ricardo Veludo, “não pode haver uma torre”. Quer ainda que parte das habitações construídas sejam afectas ao Programa de Renda Acessível. E vai rever o regulamento de atribuição dos créditos de construção para o actualizar, um dos aspectos que mais críticas motivou neste processo.

Cristiana Faria Moreira
Cristiana Faria Moreira 23 de Julho de 2020, 7:33

Depois de meses de debate público, de muitas vozes erguidas contra a construção de uma torre com 60 metros no quarteirão da Portugália, os serviços de Urbanismo da Câmara de Lisboa analisaram o projecto e decidiram indeferi-lo. “A conclusão a que chegámos é que não pode haver torre neste quarteirão”, diz ao PÚBLICO o vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, o sucessor de Manuel Salgado, que herdou este dossiê carregado de críticas levantadas durante o Verão passado. Essa discussão, afirma, foi um “aprendizado” para o município repensar a forma de discussão de futuros projectos com a população.

O quarteirão da Portugália está há vários anos devoluto. Houve já outras propostas para o local, que acabaram por nunca avançar. Até que no início do ano passado foi entregue na câmara um pedido de licenciamento de um projecto que geraria muita discórdia entre os lisboetas. Foi em Maio que se iniciou o debate público em torno do Portugália Plaza, um projecto que previa a construção de quatro prédios, um deles envidraçado com 16 pisos e 60,2 metros de altura — o objecto da discórdia. Seria sobretudo habitacional, com tipologias entre o T0 e o T4, escritórios e espaços de co-work e uma zona comercial no piso térreo. Seriam criadas duas praças interiores, fazendo a ligação entre a Avenida Almirante Reis e a Rua António Pedro. Estavam previstos ainda cinco pisos subterrâneos para estacionamento.

O projecto foi submetido a um debate público, uma vez que pretendia ser enquadrado num regime de excepção devido à altura das fachadas: a “torre” com 60 metros. Segundo refere o Plano Director Municipal (PDM), em termos simples, a altura máxima das fachadas de novas construções deve ser calculada tendo em conta a média de alturas das edificações pré-existentes. Quando não existem, deve usar-se a frente edificada mais próxima. Mas há excepções, caso se trate de um remate de quarteirão, o que não era aplicável. A utilização dos créditos de construção, nomeadamente para erguer a “torre”, motivou também a realização do debate para “garantir a transparência da decisão”.

Quando foram tornadas públicas as primeiras imagens, logo surgiram críticas por parte de quem apontava a sua excessiva volumetria e o facto de prever uma impermeabilização total do terreno. A oposição ao projecto foi-se adensando ao longo das semanas, bem audível nas várias sessões promovidas pelo município, que puseram o promotor, o Fundo Sete Colinas (então gerido pela Silvip), o gabinete de arquitectura ARX, de José e Nuno Mateus, e a coordenadora da obra, a Essentia, a debater com os munícipes.

A oposição ao projecto esteve sempre presente. Foi criado um movimento contra a proposta, o Stop Torre 60m Portugália, que apresentou uma petição contra a proposta na Assembleia Municipal de Lisboa. Esse processo culminou com um debate, precisamente ali, onde os promotores acabaram a apresentar uma proposta com algumas alterações: menos 11 metros, área permeável e menos créditos de construção requeridos. O então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, considerou aquele um “um bom projecto”, que se “integra no local”.

Depois de um “escrutínio rigoroso” do projecto, das participações dos munícipes, dos movimentos, de estudos e pareceres de especialistas, num processo que demorou cerca de um ano — e que internamente não foi sempre consensual, admite o vereador —, o entendimento dos serviços do Urbanismo vai noutro sentido: “Não estão reunidas (...) as condições estabelecidas no PDM para podermos assumir a excepcionalidade da solução em torre que é proposta”, refere a directora municipal do Urbanismo, Rosália Russo, num despacho de 21 de Julho, em que indefere o pedido de licenciamento.

Os polémicos créditos de construção
Segundo explica Ricardo Veludo, é ainda violado o PDM no que respeita à superfície vegetal ponderada, uma regra aplicada aos logradouros. “Tem que ser criada uma área de permeabilidade do solo bastante maior do que a proposta, que era de zero”. Sendo a área de logradouro de cerca de 2400 metros quadrados, a componente de solo orgânico completamente permeável terá de ser de, pelo menos, 715 metros quadrados, esclarece.

Atendendo à edificabilidade máxima proposta, que ronda os 27 mil metros quadrados (24 mil metros quadrados acima do solo, onde se inclui já o edifício da Cervejaria Portugália existente e cerca de 3 mil metros quadrados de garagens subterrâneas), está prevista a cedência à autarquia de terreno para equipamentos ou espaços públicos que façam falta naquela zona. Segundo explica o vereador, faltam naquele território equipamentos de educação, o que será resolvido quando as antigas instalações do Hospital Miguel Bombarda forem transformadas numa escola básica integrada, do pré-escolar ao terceiro ciclo.

Podendo, assim, dispensar este equipamento, a câmara propõe que uma parte dos imóveis que serão construídos sejam transmitidos em propriedade plena ao município para serem integrados no Programa de Renda Acessível. “Precisamos de soluções urbanísticas que construam equilíbrio, harmonia. Precisamos dos investidores, mas que os investimentos gerem também espaços para todos”, nota Ricardo Veludo. Sem ter ainda um número certo, o vereador estima que possam ser entre dez e 20 casas.

Durante o processo de debate público, uma das questões mais contestadas pelos munícipes foram os créditos de construção aos quais o promotor poderia aceder, obtendo assim uma capacidade construtiva de mais 11 mil metros quadrados. O sistema de créditos de construção é, de resto, um instrumento previsto no PDM, que, na prática, permite ao promotor construir em mais área se se comprometer a criar mais-valias para a cidade, sejam elas a oferta de estacionamento para os residentes ou a criação de espaço público, por exemplo.

Ricardo Veludo entende as críticas que foram apontadas, reconhecendo que “essa incompreensão era de facto fundamentada”. Por isso, os créditos propostos pelo promotor foram agora revistos pela autarquia. De 11 mil metros quadrados, a câmara admite agora atribuir apenas cerca de seis mil, caso o promotor apresente todas as justificações técnicas. Com esta diminuição, a torre deixaria de ser viabilizada à partida, nota o vereador.

Consciente de que a norma que regula a atribuição dos créditos já não é “adequada”, uma vez que está a “premiar aspectos que as normas técnicas de sustentabilidade para a construção já ultrapassaram”, como é o caso da iluminação LED, Veludo vai avançar com a revisão desse regulamento.

Face ao indeferimento do licenciamento, o promotor poderá agora contestar os fundamentos da decisão ou refazer o projecto. O vereador espera que o promotor avance com a revisão e que, dentro de pouco meses, exista uma proposta que corrija os incumprimentos detectados. Só no final desse processo, será submetida uma proposta à aprovação do executivo. O PÚBLICO tentou perceber junto da Lace Investment Partners, que gere agora o Fundo Sete Colinas — que tem como investidor uma Caixa de Previdência alemã e que, entretanto, deixou de ser gerido em Portugal pela Silvip —​, se pretende avançar com um novo projecto, mas foram remetidos esclarecimentos para mais tarde.


Esta quinta-feira, a decisão de indeferimento do projecto será comunicada em reunião do executivo e na Assembleia Municipal de Lisboa, onde será também apresentado o relatório feito pela Comissão de Urbanismo sobre a petição Stop Torre 60m Portugália, entregue em Junho do ano passado. Nesse documento, os deputados municipais propõem também, por unanimidade, recomendar à autarquia que o projecto não seja aprovado.

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