Moradores ganham batalha contra torre de 60 metros na
Portugália
A torre envidraçada que iria ser construída no quarteirão
da Portugália já não vai avançar, garante o vereador do urbanismo, Ricardo
Veludo
IMOBILIÁRIO
23.07.2020 às
11h19
A polémica torre
de 60 metros que estava prevista para o projeto do quarteirão da Portugália, em
Lisboa, já não vai avançar. A autarquia,
e muito especificamente, o vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, chumbou o
licenciamento após quase um ano de acesos debates públicos que envolveram o
promotor, o Fundo Sete Colinas e o gabinete de arquitetura ARX que assina o
projeto Portugália Plaza com os moradores, encabeçados pelo movimento cívico
Stop Torre 60m Portugália e outros organismos como a Associação Portuguesa dos
Arquitetos Paisagistas (APAP).
“A conclusão a que chegámos é que não pode
haver torres neste quarteirão”, admitiu o vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo
ao jornal Público, que avança esta manhã
com a notícia. Essa discussão, afirma, foi um “aprendizado” para o município
repensar a forma de discussão de futuros projetos com a população.
O Portugália Plaza,
recorde-se, prevê a construção de quatro edifícios, um deles uma torre
envidraçada com 16 andares (que chegou a ter 60 metros de altura mas depois foi
reduzida para 49), no generoso quarteirão da Portugália, onde em 1912 foi
construída a célebre fábrica de cerveja,
no coração da Almirante Reis, mas que há décadas se encontrava devoluto.
O projeto
contempla a construção de 85 apartamentos com tipologias entre o T0 e o T4 (a
maioria “destinado a famílias e jovens profissionais portugueses de classe
média”, segundo os promotores), mais de uma dezena de escritórios e espaços de
co-work e ainda uma zona comercial no piso térreo nas duas praças interiores
que seriam criadas no empreendimento e pelas quais seria possível circular
entre a Avenida Almirante Reis e a Rua António Pedro.
O excesso de
volumetria do empreendimento e muito particularmente a dimensão da torre não
acolheram, contudo, a aprovação dos moradores que para o contestar se
organizaram no” Movimento Stop Torre 60m Portugália.
Para estes
cidadãos, a torre projetada descaracteriza a identidade arquitetónica dos
bairros envolventes, uma vez que apresenta uma volumetria muito superior à
existente e, a ser construída, iria
interferir no sistema de vistas dos Miradouros da Penha de França e do Monte
Agudo, para além de criar uma significativa área de sombra sobre as casas e
ruas circundantes, com consequente impacto na qualidade e vida da população
residente.
Também em maio do
ano passado a APAP demonstrou publicamente a sua preocupação com a
eventualidade de se avançar para a construção de uma torre “numa zona já
consolidada da cidade”, criando-se “um precedente de edifícios em altura em
zonas consolidadas”.
Nessa altura, o
vice-presidente da APAP, João Ceregeiro realçava à agência Lusa, que “a paisagem da cidade” vale pela “leitura
do vale e das colinas”, pelo que “estas volumetrias vão destruir
progressivamente aquele que é o valor e monumentalidade” que caracteriza a
capital portuguesa.
Recorde-se que o
projeto foi submetido ao debate público porque pretendia ser enquadrado num
regime de exceção devido à altura das fachadas.
URBANISMO
Câmara de Lisboa trava projecto da “torre” da Portugália
Projecto que incluía um torre de 60 metros, que depois
passou a 49, foi indeferido pelos serviços do Urbanismo. Naquele local, diz o
vereador Ricardo Veludo, “não pode haver uma torre”. Quer ainda que parte das
habitações construídas sejam afectas ao Programa de Renda Acessível. E vai
rever o regulamento de atribuição dos créditos de construção para o actualizar,
um dos aspectos que mais críticas motivou neste processo.
Cristiana Faria
Moreira
Cristiana Faria
Moreira 23 de Julho de 2020, 7:33
Depois de meses
de debate público, de muitas vozes erguidas contra a construção de uma torre
com 60 metros no quarteirão da Portugália, os serviços de Urbanismo da Câmara
de Lisboa analisaram o projecto e decidiram indeferi-lo. “A conclusão a que
chegámos é que não pode haver torre neste quarteirão”, diz ao PÚBLICO o
vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, o sucessor de Manuel Salgado, que herdou
este dossiê carregado de críticas levantadas durante o Verão passado. Essa
discussão, afirma, foi um “aprendizado” para o município repensar a forma de
discussão de futuros projectos com a população.
O quarteirão da
Portugália está há vários anos devoluto. Houve já outras propostas para o
local, que acabaram por nunca avançar. Até que no início do ano passado foi
entregue na câmara um pedido de licenciamento de um projecto que geraria muita
discórdia entre os lisboetas. Foi em Maio que se iniciou o debate público em
torno do Portugália Plaza, um projecto que previa a construção de quatro
prédios, um deles envidraçado com 16 pisos e 60,2 metros de altura — o objecto
da discórdia. Seria sobretudo habitacional, com tipologias entre o T0 e o T4,
escritórios e espaços de co-work e uma zona comercial no piso térreo. Seriam
criadas duas praças interiores, fazendo a ligação entre a Avenida Almirante
Reis e a Rua António Pedro. Estavam previstos ainda cinco pisos subterrâneos
para estacionamento.
O projecto foi
submetido a um debate público, uma vez que pretendia ser enquadrado num regime
de excepção devido à altura das fachadas: a “torre” com 60 metros. Segundo
refere o Plano Director Municipal (PDM), em termos simples, a altura máxima das
fachadas de novas construções deve ser calculada tendo em conta a média de
alturas das edificações pré-existentes. Quando não existem, deve usar-se a
frente edificada mais próxima. Mas há excepções, caso se trate de um remate de
quarteirão, o que não era aplicável. A utilização dos créditos de construção,
nomeadamente para erguer a “torre”, motivou também a realização do debate para
“garantir a transparência da decisão”.
Quando foram
tornadas públicas as primeiras imagens, logo surgiram críticas por parte de quem
apontava a sua excessiva volumetria e o facto de prever uma impermeabilização
total do terreno. A oposição ao projecto foi-se adensando ao longo das semanas,
bem audível nas várias sessões promovidas pelo município, que puseram o
promotor, o Fundo Sete Colinas (então gerido pela Silvip), o gabinete de
arquitectura ARX, de José e Nuno Mateus, e a coordenadora da obra, a Essentia,
a debater com os munícipes.
A oposição ao
projecto esteve sempre presente. Foi criado um movimento contra a proposta, o
Stop Torre 60m Portugália, que apresentou uma petição contra a proposta na
Assembleia Municipal de Lisboa. Esse processo culminou com um debate,
precisamente ali, onde os promotores acabaram a apresentar uma proposta com
algumas alterações: menos 11 metros, área permeável e menos créditos de
construção requeridos. O então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado,
considerou aquele um “um bom projecto”, que se “integra no local”.
Depois de um “escrutínio
rigoroso” do projecto, das participações dos munícipes, dos movimentos, de
estudos e pareceres de especialistas, num processo que demorou cerca de um ano
— e que internamente não foi sempre consensual, admite o vereador —, o
entendimento dos serviços do Urbanismo vai noutro sentido: “Não estão reunidas
(...) as condições estabelecidas no PDM para podermos assumir a
excepcionalidade da solução em torre que é proposta”, refere a directora
municipal do Urbanismo, Rosália Russo, num despacho de 21 de Julho, em que
indefere o pedido de licenciamento.
Os polémicos
créditos de construção
Segundo explica
Ricardo Veludo, é ainda violado o PDM no que respeita à superfície vegetal
ponderada, uma regra aplicada aos logradouros. “Tem que ser criada uma área de
permeabilidade do solo bastante maior do que a proposta, que era de zero”.
Sendo a área de logradouro de cerca de 2400 metros quadrados, a componente de
solo orgânico completamente permeável terá de ser de, pelo menos, 715 metros
quadrados, esclarece.
Atendendo à
edificabilidade máxima proposta, que ronda os 27 mil metros quadrados (24 mil
metros quadrados acima do solo, onde se inclui já o edifício da Cervejaria
Portugália existente e cerca de 3 mil metros quadrados de garagens
subterrâneas), está prevista a cedência à autarquia de terreno para
equipamentos ou espaços públicos que façam falta naquela zona. Segundo explica
o vereador, faltam naquele território equipamentos de educação, o que será
resolvido quando as antigas instalações do Hospital Miguel Bombarda forem
transformadas numa escola básica integrada, do pré-escolar ao terceiro ciclo.
Podendo, assim,
dispensar este equipamento, a câmara propõe que uma parte dos imóveis que serão
construídos sejam transmitidos em propriedade plena ao município para serem
integrados no Programa de Renda Acessível. “Precisamos de soluções urbanísticas
que construam equilíbrio, harmonia. Precisamos dos investidores, mas que os
investimentos gerem também espaços para todos”, nota Ricardo Veludo. Sem ter
ainda um número certo, o vereador estima que possam ser entre dez e 20 casas.
Durante o
processo de debate público, uma das questões mais contestadas pelos munícipes
foram os créditos de construção aos quais o promotor poderia aceder, obtendo
assim uma capacidade construtiva de mais 11 mil metros quadrados. O sistema de
créditos de construção é, de resto, um instrumento previsto no PDM, que, na
prática, permite ao promotor construir em mais área se se comprometer a criar
mais-valias para a cidade, sejam elas a oferta de estacionamento para os
residentes ou a criação de espaço público, por exemplo.
Ricardo Veludo
entende as críticas que foram apontadas, reconhecendo que “essa incompreensão
era de facto fundamentada”. Por isso, os créditos propostos pelo promotor foram
agora revistos pela autarquia. De 11 mil metros quadrados, a câmara admite
agora atribuir apenas cerca de seis mil, caso o promotor apresente todas as
justificações técnicas. Com esta diminuição, a torre deixaria de ser
viabilizada à partida, nota o vereador.
Consciente de que
a norma que regula a atribuição dos créditos já não é “adequada”, uma vez que
está a “premiar aspectos que as normas técnicas de sustentabilidade para a
construção já ultrapassaram”, como é o caso da iluminação LED, Veludo vai avançar
com a revisão desse regulamento.
Face ao
indeferimento do licenciamento, o promotor poderá agora contestar os
fundamentos da decisão ou refazer o projecto. O vereador espera que o promotor
avance com a revisão e que, dentro de pouco meses, exista uma proposta que
corrija os incumprimentos detectados. Só no final desse processo, será
submetida uma proposta à aprovação do executivo. O PÚBLICO tentou perceber
junto da Lace Investment Partners, que gere agora o Fundo Sete Colinas — que
tem como investidor uma Caixa de Previdência alemã e que, entretanto, deixou de
ser gerido em Portugal pela Silvip —, se pretende avançar com um novo
projecto, mas foram remetidos esclarecimentos para mais tarde.
Esta
quinta-feira, a decisão de indeferimento do projecto será comunicada em reunião
do executivo e na Assembleia Municipal de Lisboa, onde será também apresentado
o relatório feito pela Comissão de Urbanismo sobre a petição Stop Torre 60m
Portugália, entregue em Junho do ano passado. Nesse documento, os deputados
municipais propõem também, por unanimidade, recomendar à autarquia que o
projecto não seja aprovado.
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