Raça Empreendedora
Posted on October
11, 2014
O Presidente da
Liga dos Chineses em Portugal, Y PING CHOW, diz que eu “não tenho uma visão
estratégica” em declarações ao Diário de Notícias. O véu está levantado e agora
estamos em condições para começar um debate de fundo e urgente. O DN fez uma
reportagem séria, que saiu ontem, sobre a polémica das mercearias asiáticas,
séria porque colocou a minha opinião sobre o tema de onde ela nunca saiu – há
um problema sério de negócios do país, de venda do país, que nada tem a ver com
a origem das pessoas, que devem ser por todos acolhidas. Esse problema é na
Auto Europa que recebe subsídos nossos para montarmos carros alemães e é um
problema de sermos inundados com produtos de reprodução da força de trabalho
(roupas, alimentação) de péssima qualidade, oriundos da Ásia, para compensar os
baixissimos salários dos portugueses que pagam a dívida, dívida que paga os
subsídios, também.
Fui à procura da
visão estratégica de Y PING CHOW e fiquei surpreendida. Encontrei uma longa
entrevista sua onde diz que não “viveu bem o 25 de Abril porque já era patrão
antes e continuou patrão depois”, que o chinês é “de raça empreendedora”,
“prefere ser a cabeça da cobra a ser o rabo do boi”, que temos falta de auto
estima por não compreendermos a venda da EDP. Explica que gosta de ser tratado
por patrão – neste caso de vários restaurantes e lojas (como é óbvio o negócio
“familiar” é uma empresa capitalista que escoa superavits chineses e é
financiado com isenções fiscais portuguesas – de 5 anos, pagas com os nossos
impostos – e subsídios da China para estes conseguirem moeda europeia). Referiu
que já mudou muitas vezes de ramo. Acrescento eu que não sei se é o caso em
particular, mas em geral este sector muda de ramo ao fim de 5 anos – já
repararam que estas lojas de repente fecham portas e ao lado abre outra igual –
porque perdem a isenção fiscal paga por nós via aumentos sucessivos de
impostos. A entrevista vale a pena ser lida até ao fim e está aqui em link.
Dizer só que a
minha visão estratégica passava por não deixar vender uma empresa estatal – a
energia de todos nós, a EDP – a grupos privados. E agora passa por expropriá-la
e devolvê-la aos portugueses. E a minha visão de economia não passa por “mercearias,
lojas de perfumes e roupas” feitas com chineses a trabalhar na China por 70
dólares por mês e uns entrepostos comerciais – ditas lojas – que aqui vendem
esses produtos péssimos para conseguir moeda estrangeira. Aliás, a minha real
visão estratégica do mundo passa por não ver mais chineses da Foxcon que
trabalham 12 horas por dia a mandarem-se das janelas, mas sim a porem fim à
ditadura da burocracia do PC Chinês e sua elite de “raça empreendedora”. No
fundo, passa por cortar a cabeça da cobra e fazer de todos nós seres humanos
livres, com direito a pão e poesia.
Negócios Lisboetas Asiáticos e
Portugueses
Posted on
October 8, 2014 / http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2014/10/08/negocios-lisboetas-asiaticos-e-portugueses/
As mercearias
asiáticas em Portugal fazem dumping como fazem as empresas-monopólio
portuguesas cujos preços e a produção é inteiramente – e sem qualquer livre
concorrência que não a da aparência jurídica – por estas fixada. Não faço ideia
se as ditas mercearias são indianas, do Bangladesh, ou do Paquistão, nem me
interessa, se fossem alentejanas e fizessem dumping eram as mercearias
alentejanas que, como fazem dumping, não podem vender produtos de qualidade nem
ter trabalhadores com condições dignas. Entram em Lisboa, e noutras cidades,
com salários mais baixos, horários não controlados por ninguém e condições
laborais desconhecidas – muitas com um regime fiscal abonatório durante 5 anos.
Os seus trabalhadores, de origem asiática ou portuguesa, é totalmente
irrelevante, devem ser por todos nós protegidos, acolhidos (gostava aliás de
ver uma inspecção do trabalho a verificar os seus horários e salários para
perceber qual a lei que vigora dentro dessas empresas/mercearia e como é
possível alguém estar a um balcão das 9 da manhã às 2 da manhã!), mas as lojas
em si são uma praga. Que, como qualquer praga, arrasam com a diversidade, que
descaracteriza a cidade e contribui – pela pressão dos preços baixos – para
substituir lojas de qualidade, com produtos frescos e diversos, alguns ainda do
produtor ao consumidor, por produtos de baixa qualidade, junk e fast food,
deixando aos turistas ricos o acesso às lojas com qualidade, agora
redenominadas gourmet. Turistas que estão a arrasar com Lisboa, que está a
virar um parque de diversões.
Estamos aliás
perto de viver numa cidade tão desinteressante como Amesterdão, em que os
turistas só se encontram com turistas, porque todos os outros foram expulsos
para pelo menos 20 km
de distância – e ainda há uns broncos que acham que a cidade tem graça por
causa dos canais e das coffee shops. Como se uma cidade fossem prédios e rios e
não gentes na sua diversidade… Os lisboetas – os que nasceram nas beiras, têm
origem africana ou asiática – , é indiferente, estão a ser expulsos por esta
política, que literalmente vende o país a preço de saldo. Não gosto de
mercearias asiáticas e não entro lá, como não frequento o norte-americano Starbucks,
nem o centro comercial de Belmiro de Azevedo ou o do grupo Amorim. Vou à praça
em frente a minha casa. Dia sim, dia não, pelo menos.
Acabe-se com o
IVA – um imposto regressivo em que quem ganha mais paga menos – e garanta-se
proteção das rendas ou habitação social para manter o comércio tradicional e
fechem-se os centros comerciais ao fim-de-semana e todos os dias depois das 18
horas. Para suportar estas medidas pode-se obrigar as centenas de milhar de
casas fechadas em fundos imobiliários – de portugueses, angolanos, chineses e
franceses em fuga fiscal – a pagar IMI, por exemplo. A vida, dizia um
dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, é como ela é, e a minha Lisboa, a de
que gosto, tem gente de todo o mundo e gente de todo o mundo não é o mesmo que
negócios de todo o mundo.
A cabeça da serpente e o rabo do boi
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO 14/12/2014 – PÚBLICO
Será
que Portugal se tornou já na “porta dos fundos” da Europa?
Repentinamente e
finalmente aconteceu. No contexto da longa batalha que os moradores
dos bairros históricos travam contra o ruído e anarquia da
“animação” nocturna estimulada e licenciada pelo “zé”,
finalmente, veio o anúncio da futura proibição nocturna de venda
de bebidas alcoólicas, depois das 22 horas.
Isto leva-nos de
imediato ao debate desenvolvido por Raquel Varela no contexto da
entrevista de Y Ping Chow em nome da comunidade chinesa, onde a
professora se refere não apenas às Lojas Chinesas, mas também às
mercearias asiáticas.
Chow, sem
hesitações, define de imediato a sua comunidade não como um grupo,
um povo, mas como uma raça empreendedora, isto em contraste com as
características hesitantes, passivas ou mesmo indolentes dos
portugueses.
Para isto, e na
melhor tradição da simbologia chinesa, ele remata que esta raça
“prefere ser a cabeça da cobra a ser o rabo do boi”.
Cada vez que a
questão da invasão saturante das lojas chinesas e a questão da
qualidade dos seus produtos é levantada, de imediato neutraliza-se
de forma inibidora o ritmo e a natural capacidade de discernimento do
evidente, com o argumento da etnicidade.
Recusa-se a
discussão do facto que a estratégia do Urbanismo Comercial da
Câmara Municipal de Lisboa tem sido inexistente, que estas lojas
usufruem de isenção fiscal por cinco anos, que não estão sujeitas
a horários de trabalho nem a visitas de Inspecção de Trabalho. Que
são entrepostos de escoamento de produtos inferiores, produzidos em
verdadeira escravatura e agências estratégicas de obtenção de
divisas.
As cíclicas
mudanças de ramo ou de local, mantêm as isenções fiscais.
Ora, muito
recentemente fomos confrontados com um escândalo nas chefias do
Estado, difícil ainda de definir, mas fácil de classificar, como
Imoralidade, na sua forma encoberta e indirecta de atribuição de um
preço para o direito de circulação no espaço Schengen, e para a
nacionalidade portuguesa.
Segundo o próprio
Chow, andamos portanto a dormir, e esta impressão é confirmada na
recente entrevista de Miguel Neves no PÚBLICO, que afirma: “A
Europa está passivamente a olhar para o investimento chinês. É
claro que este dá um contributo no imediato, é capital que entra e
permite ajudar o financiamento de algumas grandes empresas, mas, a
prazo, tem outras consequências que não estão a ser antecipadas,
nem há uma estratégia de resposta.”
E aqui não se trata
apenas da EDP e REN, ou de exemplos da Fidelidade ou a ES Saúde, mas
trata-se de uma estratégia concertada onde o crescente interesse da
China na Plataforma Atlântica Portuguesa (Açores), nos seus
recursos naturais, tanto ao nível dos subsolos como das pescas, além
da importante plataforma estratégica das Lajes.
A China no seu
expansionismo tornou-se no campeão da globalização. Mas o seu
conceito de concorrência não é baseado numa sociedade aberta, mas
num capitalismo de Estado, totalmente controlador e intervencionista,
enquanto o nosso está determinado pela liberdade e por direitos
individuais, tanto nas ideias como na organização do trabalho e
justiça, fundamentais, e adquiridos com muito esforço e luta.
Será que Portugal
na sua profunda e omnipresente crise, na sua desesperada necessidade
de dinheiro, no seu atordoamento passivo e letargia, se tornou já na
“porta dos fundos” de fácil penetração, na fortemente
fragilizada, mas ainda, mais do que atractiva Europa?
E, entretanto, entre
as brumas, nas neblinas da impotência, os ressentimentos
indefiníveis crescem e amontoam-se... e o fio condutor explosivo e
irracional do populismo espera, aguardando a sua oportunidade.
Historiador de
Arquitectura
A Baixa pombalina lisboeta e a
dinâmica "Chindia"
Por António
Sérgio Rosa de Carvalho / 15/09/2007 /
A Baixa vive no presente uma crise profundíssima, que poderá levar a ser
interpretada como "terra de ninguém"
Afinal, qual é a
importância da Baixa pombalina para o património mundial, ocidental e europeu? Qual
é o seu significado para Portugal, visto precisamente neste vasto contexto da
história urbanística e das ideias?
A reacção do
Marquês ao cataclismo transporta em si, através de uma estratégia
sócio-política e de um método racional, uma vontade de aproveitar este desastre
para conceber uma nova sociedade.
A Baixa, apesar
da sua unidade tipológica, da sua racionalidade de composição no espaço, da sua
estandardização dos métodos de produção, não abdica, através da grande tradição
barroca, de um urbanismo monumental e simbólico, bem patente na alternância dos
seus espaços públicos, das suas igrejas e praças, culminando este jogo espacial
na grande Place Royale, grande espaço institucional, a que se decidiu de forma
ilustrativa do projecto político-social chamar de Praça do Comércio.
A Baixa
constitui, portanto, um décor de um projecto iluminista de reforma da
sociedade, da criação de uma classe mercantilista e de uma dinâmica comparável
às sociedades protestantes. A construção do décor cumpriu-se. O projecto
sócio-político não.
A Baixa
constitui, portanto, um grande monumento urbanístico, técnico, sociológico, e
portanto, na perspectiva ocidental, um monumento civilizacional.
Ora, em toda a
Europa, nos centros históricos desta importância, é aplicada uma estratégia de
planeamento comercial, que determina as características e a qualidade do
comércio a instalar por zonas.
A Baixa vive no
presente uma crise profundíssima, de uma decadência híbrida, que poderá levar a
ser interpretada como "terra de ninguém" pelas dinâmicas
expansionistas do comércio global.
A pressão
exercida nos pequenos espaços que vão vagando pela dinâmica "Chindia"
é tremenda.
Interpretar este
desafio numa perspectiva étnica é um absurdo ilustrativo de como algumas
manifestações do "politicamente correcto", inibem e toldam o
discernimento e a evidência.
Trata-se de
determinar se as características de um certo tipo de comércio se enquadram na
dimensão cultural e civilizacional de tão importante monumento. Daí a
necessidade também de rigor nas actividades a desenvolver na Place Royale que
constitui a Praça de Comércio, em virtude da sua carga simbólica e da gravitas
que o seu peso institucional e dimensional implicam.
Citando aquilo
que já afirmei num artigo anteriormente publicado no PÚBLICO: "A Baixa não
é um "bairrozito". Apesar de decadente, é uma city europeia e foi
assim que ela foi concebida."
Afinal, os
representantes destas duas grandes e antiquíssimas civilizações estão no seu
papel nesta nova dinâmica de expansão económica no contexto globalizante. Cabe-nos a nós desempenhar o nosso.
Historiador de Arquitectura
'A compra da EDP prestigia os
chineses de cá'
por Catarina
Carvalho. Fotografia de Pedro Granadeiro/GI
in Diário de Notícias
Y PING CHOW é o
presidente da Liga dos Chineses em Portugal e um dos seus mais famosos
representantes. Tem 57 anos e a sua família foi uma das pioneiras em Portugal -
o avô morreu com 105 anos e está enterrado no Cemitério do Bonfim. Da venda de
gravatas nas ruas do Porto aos negócios de regresso à China, eis a história de
um homem de negócios que vê com orgulho o acordar do Império do Meio.
Como chinês, e
vivendo há mais de cinquenta anos em Portugal, sente orgulho na compra da EDP
pela Three Gorges?
_Penso que foi
bom, porque prestigia os chineses cá. Somos conhecidos como empresários, mas
pequenos empresários. Pequenos comerciantes. Há sempre uma diferença entre os
comerciantes e os industriais ou os comerciantes e os financeiros. Os
portugueses fazem esse distanciamento. Entre os chineses não existe esta
diferença. Um alto funcionário é sempre um empregado e nós, tendo uma empresa,
mesmo que pequena, somos sempre o patrão. Os chineses têm uma mentalidade
diferente. O chinês gosta de ser a cabeça de alguma coisa. Prefere ser a cabeça
da cobra a ser o rabo do boi. Depois da compra da EDP e da REN, tenho recebido
muitas chamadas de gabinetes de advogados a propor negócios, de empresas que
querem fazer parcerias. Neste momento, estou a trabalhar com alguns desses
gabinetes, que têm interesse para mim. Falamos de propostas de colaboração - eu
tenho a minha vantagem e eles têm a deles.
Mas de que tipo
de empresas e negócios estamos a falar?
_De muitos. Venda
de lojas ou de propriedades e exportação de produtos, como vinhos ou roupas. De
tudo um pouco. Vai ser bom, porque vai criar oportunidades de negócio, e no
meio de tantas, podem aproveitar-se algumas.
Os chineses já
passaram além das lojas, dos restaurantes e armazéns, já estão noutros
negócios?
_Têm lojas,
grandes ou pequenas, ou armazéns. Tenho um amigo que tem uma fábrica de sacos
de plástico. O resto são tudo lojas, porque também é mais simples.
O seu avô foi dos
primeiros chineses em Portugal, veio fazer o quê?
_Ele veio na
década de 1930... Veio sozinho para melhorar o seu nível de vida. Fazia parte
dos emigrantes que tinham estado em Macau e quando a China e o Japão entraram
em guerra, os chineses saíram de Macau e, em grande parte, vieram para a
Europa. Ele foi para França e depois para Espanha. Continuou até encontrar o
Atlântico, até não poder descer mais [risos]. Ficou por cá, no Porto.
Conheceu-o?
_Sim, claro, ele
morreu com 105 anos, está enterrado ali no Cemitério do Bonfim.
O que é que ele
lhe contou desses primeiros tempos?
_Era muito
estranho porque praticamente nenhum português tinha visto um chinês. Mas ele dizia
que sempre foram bem recebidos. Estabeleceram-se no Porto e começaram a mandar
vir as famílias.
Havia quantos
chineses no Porto, nessa altura?
_Cerca de dez
famílias. Grande parte delas tinham fábricas de gravatas - ou trabalhavam nas
fábricas dos outros. O meu avô veio trabalhar para uma fábrica de gravatas -
era vendedor ambulante. Depois, nos anos 1950, estabeleceu-se por conta própria
e fez também uma fábrica de gravatas, malas, carteiras e cintos
Porquê gravatas?
_Gravatas é a
coisa mais simples. Basta comprar tecidos e cortá-los com um molde. Depois é só
entregá-los aos gravateiros e, de seguida, aos vendedores. Na altura, eram
poucos os vendedores de gravatas em Portugal.
A comunidade era
muito pequena - já era muito fechada?
_Sim. Porque
ficavam todos numa zona próxima, na Batalha. Eram lá as fábricas. Mas muitos
desses chineses casaram com portuguesas. Na altura tinham 20, 30 anos,
arranjaram mulheres aqui e casaram-se. Há descendentes de chineses da segunda
geração que são totalmente portugueses.
Quando o seu avô
veio já era casado e tinha uma filha, a sua mãe, que nascera na China. Não
trouxe a mulher nem o resto da família logo, pois não?
_Não. A minha avó
veio, possivelmente, em 1956 - mais de vinte anos depois. A minha mãe já estava
casada com o meu pai. O meu pai veio antes, trabalhar com o meu avô, e depois
vim eu e a minha mãe e uns primos. Já depois de 1962, para ajudar os meus avós.
Onde moravam, na
China?
_Em Zhejiang, na
cidade de Wenzhou, de onde veio a maior parte dos imigrantes chineses em
Portugal.
O seu avô ia à
China muitas vezes?
_Não. Tenho ideia
de que, depois de ter saído da China, nunca regressou.
Ele viveu mais
tempo em Portugal do que na China?
_Sim.
Falava português?
_Sim, mais ou
menos, porque há sempre o sotaque. Nunca estudou, mas aprendeu português do
convívio.
O seu pai é agora
o chinês que vive há mais tempo em Portugal...
_Sim, ele chegou
em 1958. Ainda é vivo, tem 82 anos.
Como era a China
na altura em que veio para cá, ainda se lembra?
_Era muito pobre.
Não havia nada.
O dinheiro que o
seu avô mandava para lá chegava para manter a família?
_Sim. Éramos
tratados com prestígio com o dinheiro que o meu avô nos mandava. Éramos
considerados família de emigrantes, tínhamos um estatuto diferente.
Ainda é assim,
hoje, os familiares de emigrantes são respeitados?
_Não, agora há
muitos emigrantes chineses.
Em Wenzhou, o
hotel principal, enorme, de cinco estrelas, chama-se Chinese Overseas Hotel.
_Sim. O hotel já
existe há muito tempo e foi investimento de chineses que emigraram e
regressaram. Neste momento, há muitos chineses que têm hotéis lá. O
investimento na China deve ser muito maior do que cá.
Quantos
emigrantes chineses há no mundo?
_Vinte milhões,
talvez.
E em Portugal?
_Vinte mil. Mas
nunca se sabe ao certo, até porque existem muitas pessoas que não estão
registadas.
Como é que o Y
Ping Chow chegou a Portugal?
_Vim com os meus
tios e primos, de avião. Viemos de Hong Kong e fizemos uma paragem no
Paquistão, em Karachi, e depois em Frankfurt, e chegámos, finalmente, a Lisboa.
Já foi há tanto tempo... Na altura estávamos a viver em Hong Kong e, como a
cidade era pequena, não notei grande diferença em relação a Lisboa. Tinha 6 ou
7 anos. Foi uma aventura.
Quais são as suas
primeiras memórias?
_Lembro-me de que
aterrei em Lisboa e o meu avô levou-me laranjas enormes, que eu nunca tinha
visto na China, para comermos. Fomos a casa de um amigo que tinha uma fábrica
de gravatas aqui na Praça da Figueira, era o amigo do meu pai da época. E o
resto... Já não me lembro.
Porque é que
estavam a viver em Hong Kong?
_Como a China não
tinha relações diplomáticas com Portugal, uma pessoa para vir para cá tinha de
passar por Hong Kong, onde era pedida a documentação para se poder sair.
E veio viver para
o Porto?
_Sim. Até
agora... Andei na escola da Sé. Os meus colegas também nunca tinham visto um
chinês. E eu nem sabia o que significava quando os colegas faziam assim [põe os
dedos a puxar os cantos dos olhos e faz um V no nariz]. Se calhar, por ter um
nariz mais pequeno ou os olhos rasgados. Na altura eu andava na escola primária
e já era mais velho do que os meus colegas, um ou dois anos. Eles começavam a
gozar connosco porque nunca tinham visto um chinês. Comigo e com os meus primos
e primas. Mas nós, como éramos mais velhos, batíamos-lhes.
Isso, no início.
E depois, como foi a adaptação?
_Foi fácil
aprender português, quando se é criança é uma aprendizagem muito mais simples.
Ganhou logo
muitos amigos portugueses?
_Sim. Depois fui
para o Liceu Alexandre Herculano E queria arranjar uma rapariga portuguesa, mas
os meus pais não me deixavam. Espiavam-me sempre. O liceu ficava ao lado do
Rainha Santa Isabel, que era o das meninas, e íamos sempre tomar café na Rua do
Heroísmo. E o meu pai ia lá ver-me. Ver se era eu quem pagava o café às
meninas. E quando as raparigas me ligavam para casa ele desligava o telefone.
Porque é que ele
não queria que se casasse com uma portuguesa?
_Sou filho único.
Se conseguisse arranjar uma mulher chinesa, os filhos herdariam os costumes. Se
casasse com uma portuguesa, perder-se-iam praticamente todos os costumes. As
raparigas portuguesas não falam chinês e, depois, o entendimento com os pais é
logo diferente. As portugueses são mais independentes e têm um afastamento
familiar maior. Os chineses são diferentes.
Mas chegou a ter
alguma namorada portuguesa?
_Não. Mas havia
um problema, é que na altura não havia muitas mulheres chinesas em Portugal.
Onde conheceu a
sua mulher?
_Foi-me
apresentada pelo embaixador de Taiwan, aqui em Portugal. Casei com ela sem
vê-la. Só a vi por fotografias e namorava com ela por cartas e cassetes -
enviava as cassetes para Taiwan e vice-versa. Havia telefone, mas não fazíamos
chamadas porque era muito caro. Ela acabou o curso de enfermagem e veio para cá
e casámo-nos. Não nos conhecíamos e nem chegámos a namorar a sério, mas até nos
aguentámos estes anos todos.
Ela adaptou-se
bem a Portugal?
_Ao início sentia
saudades dos pais, mas depois teve os filhos e as coisas melhoraram.
Quantos filhos
tem?
_Tenho três, duas
raparigas e um rapaz. Uma acabou o curso de Economia e Gestão e está agora a
fazer contabilidade para empresas chinesas. Outra acabou o curso de Engenharia
Ambiental e foi trabalhar para uma empresa de peças de automóveis. O meu filho
acabou o curso de Engenharia de Gestão e está agora a trabalhar na Alemanha,
numa fábrica de elevadores - a Schindler. Eles andaram todos num colégio
alemão.
O seu filho é
outra vez emigrante...
_Arranjou uma
namorada. Vai ficar lá - outro emigrante chinês, ou melhor, português. Porque
ele é português.
Então não tem
herdeiro para os seus negócios?
_Não,
praticamente. Eles não querem ser patrões, dizem que dá muito trabalho. Um
patrão tem de trabalhar todos os dias, sem fins de semana. Eles não estão para
isso, já são mais portugueses. O meu filho ainda tem iniciativa empreendedora.
Quer ser patrão um dia, mas ainda não é, e não ficou a trabalhar para o pai.
Todos eles acabaram o curso universitário. Falam bem inglês, português e até
alemão. A educação chinesa é mais fraca porque na altura não a tinham, aqui no
Porto. Neste momento, já existem escolas, mas são insuficientes. As crianças
frequentam as escolas normais e só ao fim de semana é que têm duas ou três
aulas de chinês. Houve - e há - muitos pais que mandam as crianças para a China
quando têm 3 ou 4 anos. Só vão buscá-las quando elas têm cerca de 7 anos. É
para ganharem uma base. Mas não foi o meu caso.
Porquê?
_Na altura ainda
não tinha essa mentalidade, embora os meus filhos tenham ido para Taiwan, na
época das férias. Quem manda os filhos para a China são os casais novos, que
têm pais na China, e que aqui não conseguem aguentar os filhos economicamente.
Os seus filhos
não falam mandarim?
_Sim. Mas falam
português em casa. O problema é que as minhas duas netas já têm um afastamento
grande da comunidade chinesa, já não querem aprender chinês. A mãe fala com
elas em português, os pais são portugueses, e elas já não sentem necessidade de
aprender chinês.
Tem pena?
_Sim, até porque
a língua chinesa é o futuro. Os pais portugueses querem que os filhos aprendam
chinês porque veem o desenvolvimento da China, querem criar condições. Os meus
netos não sentem essa necessidade. Falam muito mal chinês. Isso dá-me pena.
O avô diz isso
aos seus netos, que a China é o futuro?
_Sim. A minha
segunda filha está a falar com a filha em chinês e ela já entende alguma coisa.
Mas não sentem
orgulho neste boom chinês?
_Eles não sabem
nada disto... Os meus filhos são mais portugueses do que chineses.
E o Y Ping Chow?
_Se calhar sou
como um galão, um café com leite. Já não sei bem o que é ser-se chinês. Ajo
socialmente como português, mas ainda mantenho a profundidade de pensamento, de
discernimento, de um chinês. A forma de trabalhar, de falar e atuar, é
portuguesa, até porque o português é mais direto, gosto mais. O chinês tem uma
maneira de falar diferente, é mais indireto, mais reservado. Se pensar se sou
chinês ou português... Considero-me chinês, sinto-me mais chinês. Sei lá, é uma
mistura.
Mas ainda tem
nacionalidade chinesa?
_Tenho passaporte
de Taiwan, porque não posso adquirir um passaporte chinês. A China só dá uma
nacionalidade e eu tive de escolher. Tornei-me português em 1976,
sensivelmente, e a China só reatou relações diplomáticas com Portugal em 1979,
se não estou enganado. E aí já tinha um passaporte de Taiwan, porque, como
cheguei a Portugal em 1962 e na altura o país tinha relações diplomáticas com
Taiwan, fui obrigado a ter esse passaporte. Fui da China para Hong Kong, depois
daí trouxe um documento provisório de residência para pedir autorização para
vir para cá. Quando cheguei aqui tive de tirar um passaporte chinês através da
embaixada de Taiwan. E mantive-o sempre. Sou chinês de Taiwan. O passaporte que
tenho é um conforto por poder sentir-me chinês. Há muitos chineses que se
naturalizaram e que ficaram sem passaporte. O chinês naturalizado chama-se, na
China, descendente de chinês ou da raça chinesa, e não pode dizer que é chinês.
Eu sou, tenho duas nacionalidades - portuguesa e chinesa.
Foi sempre patrão
toda a vida?
_O chinês é um
pouco aventureiro e é mais empreendedor. É da raça. E, possivelmente, pelas
condições de trabalho. Na altura em que os chineses chegaram a Portugal,
arranjar emprego não devia de ser uma coisa muito fácil, por não se falar
português. Mas também tem que ver com a ambição.
Isso transmite-se
de pais para filhos?
_Penso que sim.
Depois do liceu,
acabou por ir parar a Economia, mas não terminou o curso...
_Entrei, mas não
consegui acabar porque casei muito cedo. Ou melhor, até antes de casar já
ajudava o meu pai, para ganhar algum dinheiro. Entre 1964 e 1966, não tenho a
certeza, abrimos o primeiro restaurante chinês e, na altura, eu tinha 10 ou 11
anos e era o porteiro. Ganhava bem, davam boas gorjetas. Era ali ao pé da Ponte
D. Luís.
O restaurante
causou muita curiosidade?
_Era considerado
um dos melhores do Porto. Até tinha um preço de primeira categoria. Era caro,
só lá iam pessoas ricas. Quem cozinhava eram os cozinheiros que vinham da
Alemanha. Os da China custavam muito. Depois, começaram a espalhar-se os
restaurantes, até porque os chineses que para cá vieram foram todos para aí. E
foi assim até 1985/86. A partir desse momento começou a aparecer o chinês
ambulante, o vendedor de rua. De 1990
a 1995, os chineses começaram a vender nas feiras e
depois começaram a abrir as lojas dos trezentos. A partir daqui, a posição do
chinês baixou um pouco, porque não é o chinês patrão, mas sim o vendedor. A
partir do ano 2000 os vendedores começaram a criar lojas e depois armazéns. A
comunidade ficou mais rica e, neste momento, os chineses são vistos como
pessoas ricas.
Que negócios tem
atualmente?
_Tenho
restaurantes e lojas. Quatro restaurantes. Uma loja. Já tive outras três ou
quatro que fechei, porque às vezes não dá para controlar bem as coisas. Estavam
ligadas à joalharia e à perfumaria. Logo, isso exige um controlo mais apertado.
Sou presidente da Liga dos Chineses em Portugal e estou, com uns amigos, a
desenvolver um projeto na China, um parque industrial, e queremos levar
empresários europeus a investir lá. Sou conselheiro da província de Tian Jin,
cerca de 130 quilómetros a norte de Pequim. A Câmara Municipal da Maia
convidou-me para ser conselheiro de cooperação do município da Maia com a
intenção de poder trazer empresários da China para cá. E o município de Tianjin
tem a ideia de visitar Portugal e, ao mesmo tempo, a Maia, a ver se consegue ou
não criar uma relação. Já fui lá, no ano passado, com um grupo. Não levei
grandes empresas, até porque essas não precisam de mim para nada. As pequenas e
médias empresas precisam de mim, mas não conseguem acompanhar o investimento
que é preciso. Têm pouco dinheiro e medo de perder. E o desenvolvimento em
Angola ou no Brasil é mas fácil para eles, porque falam a mesma língua.
Vai muitas vezes
à China?
_No ano passado
fui oito vezes.
Os portugueses
vão para França ou Alemanha e, na segunda geração, já não têm qualquer ligação
com Portugal. Isso não acontece com os chineses?
_Com os chineses
não, a não ser o chinês da terceira ou quarta geração. Aí já se perde a
relação, mas na segunda há sempre e na terceira ainda se sente. A partir da
quarta é que é mais difícil.
Qual é o segredo
para negociar na China?
_O segredo passa
por compreender, ver os nossos interesses, bem como os deles, ou melhor, os
interesses de todos.
E com os
portugueses?
_Tem de se dar um
rebuçado primeiro. É mais difícil, porque os portugueses são mais práticos e,
neste momento, julgo que já perderam a garra de lutar, aquele
empreendedorismo... Pelo menos, quando comparado com a época dos
Descobrimentos, hoje jogam sempre pelo que já é certo, já não se aventuram. Os
empresários espanhóis, italianos e franceses têm mais sucesso na China do que
os portugueses, porque são mais aventureiros. Os chineses são capazes de
apostar tudo e os portugueses, neste momento, têm um pouco de medo.
Isso também se
nota na forma como se trabalha?
_Sim. Os chineses
pensam «faço primeiro e depois é que aparecem os resultados». Os portugueses,
ao invés, querem prever o resultado e só depois é que fazem alguma coisa. O
chinês não faz tanto planeamento. E, pensando sempre nos problemas, fica-se com
medo de avançar.
Mas tem de haver
mais do que isso, um segredo... Explique lá como é que um chinês chega a
Portugal e tem logo capital para ter uma loja e investir?
_É muito simples.
O chinês daqui tem a confiança da fábrica de lá. A fábrica de lá tem interesse
que o produto dele saia, portanto dá alguma facilidade - o emigrante não paga
os produtos, só os paga depois de serem vendidos ou de ganhar dinheiro para
ficar com stock. É um formato de internacionalização para as empresas.
É tudo uma
questão de confiança...
_Para poder
trabalhar tem de se confiar e para merecer confiança tem de se pagar bem.
Ou seja, se não
pagar uma vez acabou?
_Sim, acabou. E
se pagar sempre haverá, então, sempre confiança. Para montar um negócio tem de
se criar uma amizade. Com a amizade cria-se confiança e com esta ganha-se apoio
e, depois de o ter, é preciso existir cumprimento. O que vem tem, geralmente,
um familiar na China e é esse familiar que pode ser o avalista dele.
E neste momento
já há muitos a voltarem para a China?
_Sim, muitos. E
são de dois tipos - os que cá estavam e não ganharam dinheiro e os que
ganharam, mas que querem desenvolver-se por lá.
E o que levam de
Portugal?
_Levam os
conhecimentos de Portugal, os amigos e os empresários portugueses. Há muitos
que estão a trabalhar em vinhos, azeites e até mesmo na moda, nas roupas. A
China produz muitas roupas, mas o chinês, quando começa a ter muito dinheiro, é
vaidoso. Gosta de marcas. O problema de Portugal é que não tem marcas sonantes
que as pessoas possam comprar. Mas deviam utilizar mais o nome de Portugal, até
porque os chineses gostam do país. Há pessoas que estão a trabalhar neste
sentido, de desenvolver Portugal, para depois levar as marcas portuguesas. A
cultura portuguesa, se for bem vendida, até pode ser bastante beneficiada. Está
é mal vendida.
Quando era menino
e dizia aos seus amigos que o seu avô estava em Portugal, eles sabiam onde era
e que país era?
_Conheciam
Portugal... Pensam logo que é um país que produz vinho, até porque Portugal
traduzido em chinês quer dizer «uva». As pessoas podem não saber onde fica, mas
ouvem uva e associam ao vinho. É ótimo. E conhecem Portugal por causa de Macau.
Há, na China,
mesmo uma vontade de dominar o mundo?
_Não. Os chineses
são pacíficos. Para fazerem negócio olham, geralmente, primeiro para o
interesse dos parceiros e depois para o seu. Porque sabem que se o parceiro
ganhar dinheiro ele vai ter mais oportunidades. No caso da REN ou da EDP, a
China está a jogar com o desenvolvimento de ambos, da própria China e de
Portugal. o fundo, o que a China está a fazer com a EDP é o mesmo que fez com
os emigrantes que vieram para a Europa, salvas as devidas diferenças.
A
internacionalizá-los?
_Sim, a
internacionalizar e a ajudar a empresa local para se ajudar a desenvolver a si
própria.
Mas também há
esse interesse no triângulo lusófono Portugal, Brasil e Angola?
_Neste momento,
no Brasil, já há muito desenvolvimento feito por chineses. Já lá fui e vi. Em
Angola também, mas eu já lá estive a estudar as coisas, e é muito caro. Antes
de começar já se ficou falido. Agora estou a tentar fazer um negócio em
Moçambique, com uns amigos chineses de Moçambique. Portugal, como se sabe, é um
país pequeno. A China pode interessar-se por Portugal para poder entrar na
Europa, e também para ter facilidade de entrar em Angola e em Moçambique. Por
lá acredita-se mais nas empresas portuguesas do que nas chinesas. Aliás, politicamente,
os portugueses conhecem e aceitam esta posição, o que está é mal trabalhada,
porque, nisto, a influência de Portugal está a ser ultrapassada pela de Macau,
que tem uma relação mais intensa com a África lusófona. Eu preferia que
Portugal fosse o centro de contacto entre a China e os países lusófonos e não
Macau.
A venda da EDP
tem sido muito criticada. Diz-se que estamos a vender a empresa a um Estado que
não é democrático. Como é que se sente quando ouve essas críticas?
_A minha resposta
é dizer que quem faz essas críticas são pessoas que não têm conhecimento da
realidade, que têm pouca autoconfiança. Neste caso, ainda não entraram em
combate já acreditam que vão perder.
Quando é que
voltou à China pela primeira vez, depois de ter vindo para Portugal?
_A primeira
viagem depois de estar cá foi por volta de 1977. Fui a Taiwan. Só no princípio
da década de 1980 é que voltei à minha cidade.
Como é que viu o
país?
_Era bastante
atrasado. Havia falta de tudo, era muito escuro e todos se vestiam de cinzento.
Isto foi antes de 1985, altura em que a China que se começou a abrir mais.
Como é que
assistiu à evolução do país, desde Tiananmen até hoje?
_Tem seguido bem
a sua política económica e de abertura. Embora seja muito criticado pelos
europeus, por falta de direitos humanos. Acho que muitos políticos criticam a
China porque não conhecem a sua realidade. Portugal, com meia dúzia de gatos
pingados, já está descontrolado. O próprio governo não consegue controlar o
país, até mesmo com direitos humanos, até o direito da greve. Se fosse a China
a dar esta liberdade rapidamente estaria dividida em muitos países. Para a
China conseguir manter-se como um país único, tem de ter alguma força.
Onde estava
quando foi Tiananmen?
_Estava em
Portugal, mas assisti pela televisão e vi no jornal. Na altura fiquei bastante
furioso. Até propus, com mais alguns colegas que tinham vindo de Moçambique,
fazer um protesto. Não compreendia como é que militares matavam pessoas. Na
altura o protesto não era contra o governo, queríamos apenas fazer um protesto.
Mas acabámos por não o fazer, porque esses amigos mais velhos, de Moçambique,
acharam que era melhor não fazer nada. Não fizeram porque, possivelmente, já
estavam queimados com a política.
Porque é que se
inscreveu no PSD?
_Eu era o único
representante da comunidade chinesa no Conselho das Comunidades Imigrantes e
fui convidado por Santana Lopes. Na altura havia eleições e ele convidou três
imigrantes com mais visibilidade. Também fui o único chinês convidado, os
outros eram um cabo-verdiano e uma russa, ou de um país do Leste. Entrei não
sei bem porquê. Fui convidado pelo primeiro-ministro e senti-me orgulhoso. Não
sou político, mas uma pessoa procura sempre beneficiar com alguns amigos.
Entrar na política implica criar mais amigos e de influência. Era bom para o
negócio e para as relações.
Nunca se tinha
metido em política, mas viu o país que o acolheu atravessar vários
acontecimentos históricos. Como é que viveu o 25 de Abril?
_Nessa altura
estava na casa dos 20, estava à frente de um segundo restaurante. Não vi, ou
senti, praticamente grande diferença do regime de Salazar para aquele
pós-revolucionário. No regime de Salazar já era patrão, nunca fui empregado,
por isso não senti a diferença. Senti foi o negócio a baixar bastante e, depois,
os empregados a ganharem poderes. Houve na altura, nos primeiros anos, uma
política de esquerda.
Alguma vez teve
receio de que Portugal se transformasse num país comunista, como a China - a
que não conheceu, pois saiu antes disso...
_Não, nunca tive,
porque não tinha conhecimento político nem sentia pressão. Apenas notei que o
negócio baixou bastante.
Tinha empregados
portugueses?
_Sim, bastantes.
Eram praticamente todos portugueses, nas salas e na cozinha, à exceção dos
cozinheiros, que eram chineses. Os ordenados aumentaram bastante.
Estava a falar
das diferenças de atitude em relação ao trabalho. E os chineses, quando se
habituam a Portugal, não mudam também os seus hábitos?
_Sim. De cem por
cento chinês passa a ser 55 por cento [risos].
Por exemplo, já
fecham as lojas ao domingo...
_Sim. Neste
momento há um conflito entre os comerciantes ricos e aqueles que estão a
começar. Por exemplo, os ricos querem fechar e os que estão a começar não. Em
Vila do Conde os armazéns decidiram fechar todos aos sábados, mas no primeiro
sábado ficaram muito atentos. Se estiver um aberto, todos abrem. Este sábado
passei por lá, para ver, e em cem estabelecimentos, cinquenta estão abertos. Na
primeira semana, eram capazes de estar setenta fechados. Os dos imigrantes mais
recentes não fecharam porque precisam de trabalhar... Há também uma coordenação
de todos os funcionários. Se houver folgas alguns deles podem ser despedidos.
A sua vida é
sempre na comunidade chinesa ou tem muitos amigos portugueses?
_Neste momento,
tenho mais à vontade, mais abertura, e uma relação mais sincera com os
portugueses do que com os chineses. A ligação de interesses é maior com os
chineses. Os chineses que me ligam são pessoas que estão numa situação alta,
que não precisam de mim, ou são pessoas que precisam de mim e que faça algo.
Com os portugueses é de igual para igual.
E quem são os
seus amigos portugueses?
_São muitos, de
todos os níveis. Desde políticos a empresários, professores e jornalistas.
O que faz além de
trabalhar?
_Comer. Tenho
muitos almoços e muito convívio com chineses e portugueses. Com o chinês sou o
convidado, com o português eu é que convido. Até já estou com diabetes.
Publicação:Diário
de NotíciasCaderno:CADERNO PRINCIPALData:Sexta, 10 de Outubro de 2014Página:22
Investimento estratégico chinês
em Portugal “está agora a começar”
LUÍS VILLALOBOS
17/11/2014 – PÚBLICO
Miguel Santos Neves, investigador
e especialista em assuntos chineses, destaca que Portugal e a UE estão a olhar
passivamente para o investimento chinês, sem uma resposta adequada às acções
concertadas do gigante asiático.
Miguel Neves destaca que há um
"interesse enorme" da China na plataforma continental portuguesa
Miguel Santos
Neves, doutorado pela London School of Economics and Political Science em
relações internacionais e direito internacional, começou a estudar os assuntos
chineses na década de 90, acompanhando de perto a transição de Macau e
Hong-Kong para a China. Recentemente, publicou com Annette Bongardt um trabalho
fundamental para perceber o actual quadro dos investimentos chineses e da
comunidade deste país em Portugal. Para este investigador da Associação de
Estudos Estratégicos Internacionais (NSIS, na sigla em inglês) e professor na
Universidade Autónoma de Lisboa, que tem desempenhado as funções de director
dos programas “Ásia e Migrações” do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais,
Portugal está a aderir por completo na estratégia da China em relação à Europa,
que passa por “dividir e reinar”. Ao vender a EDP e a REN a empresas estatais
chinesas, que aproveitaram as brechas abertas pela crise financeira, o país,
que faz parte de uma estratégia chinesa muito mais abrangente, perde relevância
Há um antes e
depois no relacionamento entre a China e Portugal a partir de 2011, com os
investimentos avultados de empresas estatais chinesas na EDP e REN. Seguiu-se a
Fosun, que ficou com a Fidelidade, entrou na REN e ganhou a corrida à ES Saúde.
Como analisa estes investimentos?
No quadro de
relacionamento entre Portugal e a China houve uma fase completamente centrada
na questão de Macau, até à transição. Depois há outra fase, de relativo
declínio, sem essa componente política e com relações económicas marginais
entre os Estados. E, desde o final da década de 2000, começou a haver uma
transformação muito significativa que resultou da confluência de dois factores:
por um lado, a crise económica e financeira [a nível mundial], seguida da crise
na zona euro e da necessidade de ajustamento em Portugal e, por outro lado, uma
aceleração do processo “go global” da China, lançado no início da década de
2000. Estes dois processos cruzaram-se em Portugal, com as oportunidades de
investimento que resultaram do programa de privatizações, e a intenção que a
China tem de se envolver também em zonas de interesse português, o espaço
lusófono, como Brasil, Angola e Moçambique. Além disso, a China vinha à procura
de um conjunto de activos que permitissem às suas empresas campeãs uma
consolidação da posição na economia global. Há de facto uma mudança qualitativa
no relacionamento entre os dois países desde 2011, por duas razões. Verifica-se
uma intensificação dos fluxos económicos, sem precedentes, entre os dois
países, com a China a ter uma posição marcante em vários sectores estratégicos.
E isso não parou, está agora a começar. Mas, sendo a China um actor global,
Portugal é apenas uma peça de uma estratégia muito mais abrangente e isso vai
ter implicações para o nosso posicionamento na economia global e no nosso
próprio relacionamento com a União Europeia
Vê riscos nestes
investimentos?
Os riscos resultam
da inexistência de uma estratégia para lidar com esta mudança tão
significativa. Podemos ter algum risco no plano económico, com vários sectores
estratégicos controlados, no fundo, pela mesma entidade: o Estado chinês.
Porque são investimentos de empresas estatais, onde há uma coordenação.
A Fosun não é
estatal.
A Fosun é uma
empresa privada, mas os privados também têm recurso às chamadas ajudas de
Estado, e estão integradas numa estratégia definida pelo Estado chinês. É de
facto privada e não podemos confundir tudo, mas tem uma relação de grande
proximidade em relação ao governo chinês, até pela via do financiamento. Em
muitos casos, são os bancos públicos que garantem os meios para este processo
de internacionalização.
Estava a
referir-se à vertente política…
A questão da
vertente política tem a ver com a margem de manobra da decisão, à medida que o
investimento chinês vai ganhando maior expressão e diversificando-se por vários
sectores, mas, também, com o nosso relacionamento com os países da União
Europeia. Este investimento e o reforço da influência da China em Portugal
também tem implicações para a gestão das relações entre a União Europeia e a
China que, desde há muito tempo, demostrou pretender evitar uma frente coesa
que negoceie e proponha um conjunto de regras no relacionamento bilateral. A
melhor estratégia é, obviamente, ir dividindo e criar divergência de interesses
entre os vários países europeus. Essa é uma questão política que tem de ser
ponderada. Portugal está a entrar por completo na lógica da China, com a
primazia de um relacionamento bilateral, assimétrico. Acho que Portugal não
deve ficar prisioneiro dessa relação, porque isso vai criar problemas futuros.
O relacionamento
bilateral de que fala é também muito unidireccional. Muito dificilmente uma
empresa portuguesa seria o maior accionista de uma grande eléctrica chinesa…
Exactamente. E
esse é um problema não só de Portugal mas também dos outros Estados europeus,
que passa pela inexistência de reciprocidade ao nível destes
investimentos. Isso fazia parte do
pacote de negociação, mas se neste momento a entrada de empresas chinesas em
sectores como o financeiro e a energia é feita sem grandes restrições, acho
difícil que seja possível alguma reciprocidade no futuro. A posição negocial
está enfraquecida. É por isso que se questiona se não devia haver uma
estratégia coordenada no âmbito da União Europeia para lidar com esta questão,
sobretudo com o investimento de empresas estatais em sectores estratégicos,
através de uma visão integrada. Saber qual é o impacto de investimentos no
mesmo sector em diversos Estados membros [a State Grid, por exemplo, já entrou
na congénere da REN em Itália], e o que é que isso significa para o mercado
único, é algo que ainda não está avaliado.
Essa falta de
visão integrada é um erro.
É um erro. A
Europa está passivamente a olhar para o investimento chinês. É claro que este
dá um contributo no imediato, é capital que entra e permite ajudar o
financiamento de algumas grandes empresas, mas, a prazo, tem outras
consequências que não estão a ser antecipadas, nem há uma estratégia de
resposta.
Que tipo de
consequências?
Do ponto de vista
do país, envolve a perda de relevância num conjunto de empresas que seriam
importantes para a afirmação de Portugal na economia global. O exemplo da China
mostra que a existência de empresas estratégicas, com o apoio do Estado, é hoje
essencial. A ideia de que estamos perante um mercado global, de concorrência, é
em parte falacioso. Há uma crescente interferência de factores políticos, e os
Estados, numa lógica de diplomacia económica, têm de estar activos na promoção
de interesses, sejam ou não accionistas. Assistimos hoje a um entrecruzamento
muito significativo entre a economia e política.
Portugal poderá
investir mais na China?
Pode-se supor que
poderão haver algumas oportunidades de investimentos portugueses na China, mas
não em sectores estratégicos, que sejam de alguma forma propiciados pelas empresas
chinesas que aqui estão. É uma hipótese, em teoria. E a China, quando investe
aqui, também está a pensar no seu mercado interno, para estar preparada para
concorrer com outros grandes players internacionais. O caso da Fosun é claro.
Seguros de saúde e fundos de pensões são dos produtos mais procurados pela
classe média chinesa, que procura segurança face ao futuro. E, na China, a
capacidade de resposta é limitada, sabendo que, no âmbito dos acordos
comerciais, tem de estar preparada para o mercado não ser controlado por
grandes multinacionais estrangeiras. Está agora a ganhar essa capacidade para
poder competir no seu mercado. A China poderá mobilizar outras empresas
portuguesas, que não controla mas que cooperam com as suas empresas, para criar
uma resposta sólida no mercado chinês. Mas isto é uma hipótese, não quer dizer
que se venha a concretizar.
Um dos factores
que ajudou as empresas estatais chinesas a entrar na REN e na EDP foi, além do
preço, a envolvente de grandes linhas de financiamento. A forma como a Europa
lidou com a crise dos países periféricos, como Portugal, onde o acesso ao
crédito parou, facilitou a entrada da China?
As hesitações e
as deficiências da resposta europeia à crise abriram claramente as portas à
China, que agarrou a oportunidade. Acho que, do ponto de vista chinês, é um
pouco incompreensível que uma comunidade que pretende reforçar o seu peso e
influência em termos da economia global, reaja desta maneira a uma crise
global. Certo é que a China aproveitou essa oportunidade para cimentar a sua
posição no seio da União Europeia.
Há então uma
visão de curto prazo, contra uma de médio-longo prazo da China. Além disso, ninguém nas instâncias europeias está
a acompanhar o investimento que está a chegar a uma enorme velocidade, de forma
aparentemente dispersa mas concertada?
Essa é uma
discrição muito correcta. No caso de Portugal, e de outros Estados europeus, há
uma visão essencialmente de curto prazo, de resposta a problemas imediatos,
como os de financiamento.
Há também uma componente
ideológica, no que diz respeito às privatizações.
Claro. A China,
sendo um dos campeões da globalização, tem um Estado extremamente interveniente
e que comanda o processo de intervenção na economia global. Se há algo a
aprender com a própria experiência chinesa, nomeadamente no caso português, é
esta ideia, muitas vezes repetida, que o Estado tem de abandonar o sector
empresarial. É uma ideia absolutamente desajustada às exigências e desafios que
a economia global coloca. Porque está a
perder um conjunto de instrumentos estratégicos para consolidar os interesses
portugueses. E é preciso ser pragmático, realista. Não se trata de reconstituir
um sector público de grande dimensão, mas também não é considerar que tudo o
que é público deve ser necessariamente privatizado. Aliás, há vários exemplos
de que a gestão privada nem sempre é eficiente.
O que é que se
pode esperar mais dos investimentos chineses, a médio prazo?
As PME são um
elemento essencial da economia chinesa, e enfrentam problemas complicados, como
excesso de capacidade produtiva, tendo necessidade de se internacionalizar. As
grandes empresas vão à frente, abrindo o caminho, mas as PME virão a seguir. É
de esperar que essa vaga aconteça, através, por exemplo, de fornecedores das
grandes empresas, pelo que haverá uma diversificação.
A China tem hoje
mais influência em Portugal do que tinha antes de 2011…
Sim,
claramente. A influência é hoje muito
mais significativa, não só em termos económicos mas também porque é hoje
evidente que a China, que consolidou a sua posição quanto actor global, está
activamente a construir a sua presença no Atlântico sul e no Atlântico no seu
conjunto. Já manifestou, perante a desactivação da Base das Lajes e a retirada
norte-americana, vontade de ocupar essa posição. E a questão dos Açores, que
está claramente em cima da mesa, não se reduz à questão das Lajes, embora para
a China ter uma base militar no coração da NATO seria algo muito relevante. Há
uma outra questão central, na procura da China por recursos naturais, pelo seu
controlo, que é a plataforma continental portuguesa.
Também estão
interessados?
Há um interesse
enorme, e a aproximação aos Açores também tem a ver com isso. Por parte da
China, há uma clara compreensão de que Portugal não tem capacidade financeira
para explorar os recursos da plataforma continental, e a capacidade tecnológica
também não é suficiente. Da mesma forma, há a percepção de que a Europa vai ser
lenta e que a resposta concertada não vai chegar a tempo. Assim, perfilam-se
como o parceiro privilegiado.
Estamos a falar
de que tipo de recursos a explorar? Pescas?
A questão da
pesca é hoje essencial para a China, que tem de garantir a alimentação de uma
população crescente. Muitos dos conflitos territoriais onde está envolvida,
nomeadamente com o Japão, têm a ver também com os recursos piscícolas. A China
sabe que, perante os riscos de insegurança alimentar a que está sujeita, tem de
garantir essa fonte de abastecimento. Mas há também a questão dos recursos
naturais, de exploração do subsolo, que implica investimentos muito
significativos. A prazo, esse é também um objectivo estratégico chinês. Se
tiverem uma posição forte na economia portuguesa, ficam com condições para
condicionar, de forma significativa, as decisões que forem tomadas nessa
matéria.
ENTREVISTA
Caso dos vistos gold "pode
gerar situações sensíveis com o Estado chinês"
LUÍS VILLALOBOS
17/11/2014 - PÚBLICO
Os vistos dourados não são apenas
uma questão económica, e “têm uma elevada sensibilidade política”, diz Miguel
Santos Neves, especialista em questões chinesas.
Miguel Santos
Neves, doutorado pela London School of Economics and Political Science em
Relações Internacionais e Direito Internacional, começou a estudar os assuntos
chineses na década de 90, acompanhando de perto a transição de Macau e
Hong-Kong para a China. Recentemente, publicou com Annette Bongardt um trabalho
fundamental para perceber o actual quadro dos investimentos chineses e da
comunidade deste país em Portugal ("The chineses business community at a
crossroads between crisis response and China’s assertive global strategy — the case
of Portugal". Este investigador da Associação de Estudos Estratégicos
Internacionais (NSIS, na sigla em inglês) e professor na Universidade Autónoma
de Lisboa destaca que o caso da "operação labirinto" é muito grave e
que criou "uma mancha em todo o processo, levantando questões sobre as
especiais exigências institucionais na sua gestão".
A maior parte dos
visto gold concedidos por Portugal estão ligados aos investimentos em
imobiliário, e quem mais têm recorrido a este regime são cidadãos chineses. O
que explica este fenómeno? Que tipo de investidores são estes?
O investimento em
imobiliário representa mais de 90% do total de vistos, 80% dos quais foram
atribuídos a cidadãos chineses. Estes investidores são essencialmente membros
da nova classe média chinesa com elevado poder de compra, incluindo quadros das
estruturas do Estado e grandes empresas estatais e empresários, que concretizam
estes investimentos com diversas motivações: reforço do prestígio social
associado à compra de activos na Europa; pequenos e médios empresários que
procuram diversificar riscos face a incertezas da economia chinesa; obtenção de
um visto de residência por razões de segurança e/ou melhoria da qualidade de
vida.
O aumento
significativo de cidadãos chineses é explicado por três factores essenciais. Em
primeiro lugar, a motivação de procura de segurança jurídica por parte dos
principais beneficiários do crescimento económico chinês que pretendem proteger
a sua recente riqueza acumulada e não encontram na China as garantias jurídicas
necessárias em resultado da inexistência de um estado de direito consolidado
onde o risco de confisco arbitrário existe. Este investimento e a obtenção do
visto de residência constitui uma "apólice de seguro", um “plano b”
caso algo corra mal na China. Por outro
lado, alguns observadores têm notado que os fluxos de capitais provenientes da
China têm aumentado em paralelo com a
intensificação das campanhas internas de combate à corrupção em curso. Trata-se
de um processo de grande escala que originou até a criação de empresas
especializadas como a China Business Immigration (CBIEC) baseada em Shenzhen.
Em segundo lugar,
o cancelamento pelo Canadá em Fevereiro de 2014 do seu "immigrant investor
programme"de concessão de vistos a empresários, activo desde 1986 e um dos
mais procurados por investidores chineses. Este cancelamento deixou cerca de
45.000 candidaturas de investidores chineses pendentes e redireccionou a
procura para outros países com sistemas de golden visa, entre os quais
Portugal.
Em terceiro
lugar, o novo fluxo de investimentos chineses de grande escala em Portugal a
partir de 2011, concretizados na sua maioria por grandes empresas estatais, foi
um catalizador dos investimentos ao abrigo do golden visa. Os investimentos de
grande escala são um sinal político da prioridade atribuída pela China a
Portugal e arrastaram consigo investidores de média dimensão que, para além de
aproveitarem oportunidades geradas pela própria crise económica, também encaram
a crescente presença e influência de grandes empresas estatais chinesas como um
factor de redução de riscos políticos e "protecção" dos seus
investimentos.
O predomínio de
investimentos associados à aquisição de imobiliário e a reduzida expressão das
outras modalidades - investimento produtivo ou criação de postos de trabalho
- significa que o objectivo prioritário
é a obtenção do visto e não tanto um projecto empresarial. De alguma forma o
sistema ainda está a ser testado pelo que, numa primeira fase, os investidores
optaram pela modalidade que envolve menor grau de risco.
Estes são investidores com alguma capacidade
financeira, uma vez que é necessário um investimento imobiliário de 500 mil
euros ou superior. Pode-se antecipar o alargamento dos negócios de alguns
destes investidores em Portugal?
Em geral são
investidores com significativa capacidade financeira mas que, face à natureza
recente do sistema do golden visa em Portugal, têm escolhido a modalidade que
envolve menor exposição ao risco e menos compromissos futuros. Quanto ao
alargamento futuro dos investimentos e a inclusão de investimentos produtivos,
até agora não visíveis, esse é um cenário possível. Com efeito, por um lado a
concretização de um processo de investimento de longo prazo requer mais tempo e
planeamento. Por outro lado, alguns destes investimentos em imobiliário poderão
funcionar para os investidores como um teste, para aferirem como corre o
processo e a relação com as instituições públicas antes de se comprometerem com
investimentos mais significativos e de maior risco. Assim, numa segunda fase
poderemos assistir à concretização de investimentos de maior dimensão por parte
destes investidores de média dimensão. Alguns desses investimentos poderão até
ter alguma ligação operacional aos investimentos chineses de grande escala já
concretizados ou que venham ainda a realizar-se nos próximos meses.
A “Operação Labirinto” veio mostrar a
existência de corrupção na concessão destes vistos, com o envolvimento de
detentores de algos cargos públicos e cidadãos chineses. Como vê este caso?
Trata-se de um
caso muito grave que criou uma mancha em
todo o processo, levantando questões sobre as especiais exigências
institucionais na sua gestão. Face à enorme
e crescente procura de vistos de residência por parte de cidadãos
chineses, agravada pelo cancelamento do sistema canadiano, a pressão sobre o sistema é muito grande o que
requer uma capacidade institucional robusta para controlar as diferentes
dimensões associadas: de imigração; de segurança, ligadas designadamente ao
risco de branqueamento de capitais envolvido no processo; e políticas,
considerando que alguns dos processos envolvem "capital de refúgio" e
podem gerar situações sensíveis com o Estado chinês. Os vistos dourados não são
apenas uma mera questão económica de atracção de investimento, têm uma elevada sensibilidade
política. Neste contexto, a situação de corrupção a alto nível que está a ser
investigada, evidencia não só um problema endémico na estrutura do Estado mas
também que não estamos ainda preparados para lidar com operações desta escala
as quais, para além de criarem novas exigências, têm o potencial de se
transformarem elas próprias num factor adicional de agravamento da corrupção e
de outras formas de criminalidade. Espero que este episódio seja apenas um caso
excepcional e não um mau presságio no novo quadro de transformação estrutural
do relacionamento económico e político Portugal-China que iniciámos em 2012 e
que será muito relevante para a economia portuguesa. Infelizmente, quer
Portugal quer a China se debatem com problemas sérios e endémicos de corrupção
pelo que terão de cooperar de forma estreita para combater este fenómeno.
Como as mercearias asiáticas tornaram Lisboa
uma cidade mais cosmopolita
"Há quem
ponha as tripas de molho na banheira. E é engraçado: vê- -se carne pendurada
nas janelas." Pedro Damásio trabalha há duas décadas na Mouraria e ainda
se lembra de quando, nas casas e mas daquele bairro histórico de Lisboa, eram
visíveis quase exclusivamente pessoas e hábitos "portugueses". A
época é recordada sem saudade.
Na semana em que,
em entrevista ao blogue Pensar Lisboa, a historiadora Raquel Varela causou
polémica ao afirmar que aquilo de que menos gosta na capital é, além da
"invasão de turistas" e hostels, de "mercearias asiáticas"
e de "lojas de chineses", o comerciante elogia a existência num dos
lugares mais antigos de Lisboa de comunidades originárias de diversos países. Afinal,
salienta o olisipógrafo Appio Sottomayor, após a conquista, no século XII, da
cidade aos muçulmanos e o seu confinamento ao que é hoje a Mouraria, existia
"comércio entre cristãos e mouros".
"Vai-se
escavando o passado da cidade e vê-se que este modo de convivência sempre foi
natural em Lisboa", acrescenta Miguel Abreu, diretor de um festival
promovido pela câmara municipal que visa promover a interculturalidade na
capital "como um valor primordial". Raquel Valera já esclareceu que
"gente de todo o mundo não é o mesmo que negócios de todo o mundo" e
que em causa não está a nacionalidade dos proprietários das "mercearias
asiáticas", mas sim o facto de praticarem dumping (venda a preços abaixo
do custo de produção) e de serem uma praga que "arrasam com a
diversidade" comercial.
"Não faço
ideia se as ditas mercearias são indianas, do Bangladesh ou do Paquistão, nem
me interessa, se fossem alentejanas e fizessem dumpingeram as mercearias
alentejanas que, como fazem dumping, não podem vender produtos de qualidade nem
ter trabalhadores com condições dignas. (...) Os seus trabalhadores de origem
asiática ou portuguesa, é totalmente irrelevante, devem ser por todos nós
protegidos, acolhidos (...), mas as lojas em si são uma praga. Que como
qualquer praga arrasam com a diversidade, que descaracteriza a cidade e
contribui (...) para substituir lojas de qualidade com produtos frescos e
diversos (...) por produtos de baixa qualidade, (...) deixando aos turistas
ricos o acesso às lojas com qualidade (...) Turistas que estão a arrasar com
Lisboa, que está a virar um parque de diversões ", explica a investigadora
num texto ao DN.
Para Y Ping Chow,
presidente da Liga dos Chineses em Portugal, a opinião da historiadora revela
falta de "visão estratégica e nem merece resposta". Já Pedro Damásio
serve-se da experiência para garantir que foram os negócios estabelecidos por
imigrantes asiáticos que "dinamizaram" o Martim Moniz.
"Os artigos
que vendem são completamente diferentes dos nossos", justifica, sem
abandonar o balcão da casa de peles, bem distinta dos locais onde se vende caril
"verdadeiro", paparis, quiabos, lentilhas ou banas de coco. "Antes,
até tínhamos mais problemas [de segurança) ", frisa a colega, Adelaide
Garcia, enquanto na rua o português se dissolve noutras línguas e véus de
diversas confissões tão habituais como a moda oriental.
Miguel Abreu
conhece bem a realidade, não fosse a área um dos locais onde já decorreu o
festival TODOS. A iniciativa, promovida pela autarquia, visa "afirmar toda
a cidade como espaço aberto à convivência social, cultural e religiosa",
sem que as outras culturas sejam encaradas como "exóticas". Até
porque a história de Lisboa mostta que esta, "por estar à beira do
Tejo", é desde sempre um local "permanente de chegada e partida"
de cidadãos estrangeiros e nacionais.
Uma tendência
que, frisa Appio Sottomayor, se acentuou com os Descobrimentos, ainda que já
anteriormente as diversas comunidades negociassem entre si. "A chamada
globalização não é de agora", conclui o olisipógrafo, que, como Miguel
Abreu, fala sem pretender responder a Raquel Varela.
O elevado
movimento de turistas registado em Lisboa- em agosto, a taxa de ocupação
hoteleira foi de 87,95% - foi, de resto, também criticado pela investigadora. "Estamos
aliás perto de viver numa cidade tão desinteressante como Amesterdão [Holanda],
em que os turistas só se encontram com turistas", justificou no seu
blogue.
Autor(es):Inês Banha
PARA QUE SERVEM
AS “LOJAS CHINESAS” À REPÚBLICA POPULAR DA CHINA?
14 de Outubro de
2014 · by Revista Rubra · http://www.revistarubra.org/para-que-servem-lojas-chinesas-republica-popular-da-china/
Por Renato Guedes
O capital para ir
e vir (um empresário quer fechar uma fábrica aqui e ir para a China, vende
aqui, pega nos euros ou dólares e vai para a China). Mas assim que lá entra,
entrega o dólar ou euro ao Banco Central, recebe a moeda chinesa, yuan, e
começa a investir e a exportar e a receber, sempre em yuan. Mas para investir
na China, tem de ter a garantia de poder retirar o seu capital quando quiser –
porque decidiu ir para outro país, por exemplo – e de que quando o recebe o
retira em dólares e euros e não em yuan. Ninguém quer a moeda chinesa (à
exceção dos Chineses na China) para nada.
O governo e os
empresários chineses – que vivem em cima da miséria obscena dos seus
trabalhadores – gostam de dizer que compram dólares, logo os dólares são da
China. A visão do empresário americano ou europeu é outra, os dólares são
emprestados à China – e ao Brasil e à Índia, e não são mais do que um depósito
bancário.
Ora, para que o
Governo Chinês possa dar essa garantia duas coisas são necessárias:
1) a taxa de juro
com que a China remunera o capital tem de ser maior do que a taxa de juro da
moeda de troca – e de facto é, os países de moeda fraca como a China e o Brasil
têm taxas de juros maiores do que os EUA e a UE;
2) ter a garantia
de que o dia em que encerrar ou transferir total ou parcialmente o seu negócio
na China possa converter a moeda chinesa que lá ganhou em dólares ou euros. Para
isso o Governo Chinês tem que dar essa garantia e essa garantia são os enormes
superavits acumulados nas exportações chinesas.
Agora reparem: o
Governo Chinês não pode pegar nessa moeda e investir por exemplo em
infra-estruturas, ou melhor, tem um limite muito restrito, porque se gasta esse
dinheiro, como vai devolver os dólares? Por isso investe em dívida pública
norte-americana, dívida pública europeia, activos de empresas no exterior –a
EDP, por exemplo.
Portanto o
Governo Chinês não pode usar a moeda estrangeira que entra no país pelas
exportações, mas continua a precisar de moeda estrangeira para as trocas
necessárias. É aí que entram as lojas chinesas; trata-se de empresários
chineses que têm essa garantia, de que o euro acumulado aqui é convertido lá,
pode ser usado pela China, não é um mero depósito como são os dólares ou euros
das exportações.
*Físico teórico, investigador
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