Acordo
da UE com o Mercosul é a primeira “vítima” da revolta dos agricultores
franceses
Emmanuel
Macron pediu a Bruxelas para suspender negociações com os parceiros
sul-americanos. Comissão admite que “não há condições políticas” para concluir
o maior tratado comercial da UE.
Rita Siza , Bruxelas
30 de Janeiro de 2024, 18:27
Os protestos dos agricultores franceses já
provocaram uma primeira “baixa” de peso: o acordo comercial entre a União
Europeia e o Mercosul, que Bruxelas fechou em 2019 depois de 20 anos de
negociações, e cuja adopção e ratificação o Presidente Emmanuel Macron
engavetou, nesta terça-feira, argumentando que não existem condições políticas
para encerrar definitivamente o processo.
Depois de um primeiro conjunto de medidas
anunciadas pelo Governo se ter revelado insuficiente para aplacar a revolta do
sector agrícola e responder às exigências dos produtores franceses, Emmanuel
Macron procurou desviar a atenção e canalizar o descontentamento para fora de
fronteiras, apontando a Bruxelas — e aos acordos para a liberalização do
comércio que o executivo comunitário negociou, tanto com os parceiros do
Mercosul, como com a vizinha Ucrânia.
A mira de França está claramente apontada ao
Mercosul, de onde Paris diz que vem a maior “ameaça” aos interesses dos
agricultores franceses: centenas de toneladas de produtos pecuários
(particularmente carne bovina, mas também suína e de aves de capoeira), açúcar
ou soja que passarão a entrar no mercado europeu sem pagar direitos aduaneiros
ou com tarifas reduzidas.
Segundo um porta-voz do palácio do Eliseu, o
Presidente compreende as queixas dos agricultores com a “concorrência desleal”
dos países sul-americanos e partilha das críticas do sector ao acordo alcançado
com o Mercosul. Foi por isso que avisou a Comissão Europeia de que seria melhor
“suspender” as negociações em curso, uma vez que a França não assinará o
acordo.
“A França está claramente contra a assinatura
de um tratado com o Mercosul. O Presidente da República tem manifestado a sua
oposição desde o primeiro dia”, recordou o primeiro-ministro, Gabriel Attal, na
sexta-feira passada. É verdade que, ao longo das negociações, França contestou
sempre os valores das quotas das exportações de produtos agrícolas
sul-americanos, mas esse ponto foi resolvido e encerrado em 2019, com o acordo
político de Macron.
Depois disso, as questões que o Governo
francês levantou para travar aquele que é o maior tratado de livre comércio já
negociado pela UE, no valor de quase 45 mil milhões de euros anuais, estavam
relacionadas com a sustentabilidade e a preservação do ambiente, e ainda com a
protecção dos direitos das populações indígenas da Amazónia.
As dúvidas manifestadas por outros
Estados-membros e também pelos legisladores do Parlamento Europeu a esse
respeito levaram a Comissão a propor um “anexo” ao acordo comercial: um
documento adicional de garantias de sustentabilidade ambiental, combate à desflorestação
e protecção da biodiversidade, que as equipas negociais dos dois blocos ainda
estão a trabalhar.
A expectativa de Bruxelas era conseguir chegar
a um compromisso antes da próxima ronda ministerial da Organização Mundial de
Comércio, nos próximos dias 26 a 29 de Fevereiro, e concluir todo o processo
até ao final desta legislatura. Mas, depois da posição de força do Presidente
francês, o porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, admitiu que esse
calendário já não é realista.
“As negociações prosseguem e a UE continua a
perseguir os seus objectivos de alcançar um acordo que seja equilibrado em
matéria de sustentabilidade e que proteja os interesses do sector agrícola
europeu. Mas, nesta altura, a análise da Comissão é que as condições para
concluir a negociação com o Mercosul não estão reunidas”, afirmou este
responsável.
Além de França, e antes de ter começado a
actual vaga de protestos de agricultores, também Áustria, Irlanda, Países
Baixos e Polónia tinham manifestado preocupações com o impacto do acordo com o
Mercosul no sector agrícola para contestar a sua ratificação. Do lado oposto do
debate estão países como a Alemanha, Espanha e Portugal, que apontam para as
estimativas dos benefícios económicos para pressionar para a entrada em vigor
do tratado.
O porta-voz da presidente da Comissão Europeia
confirmou, nesta terça-feira, que Emmanuel Macron tem estado em contacto
permanente com Ursula von der Leyen e que os dois vão reunir-se na
quinta-feira, em Bruxelas, antes do início do Conselho Europeu extraordinário,
para discutir algumas das medidas defendidas pelo Governo de Paris para apoiar
o sector agrícola. “Apresentámos [à Comissão] algumas propostas muito concretas
para ajudar os nossos agricultores”, indicou à Reuters o Presidente francês,
que iniciou nesta terça-feira uma visita de Estado à Suécia.
Uma das medidas defendidas por Macron é a
restrição das exportações agrícolas da Ucrânia, nomeadamente frangos ou
cereais, “que estão a desestabilizar o mercado europeu em termos de volume e
qualidade”, considerou o Presidente francês — que conta com o apoio de países
como a Polónia, Bulgária, Eslováquia ou Hungria, que já tinham introduzido
unilateralmente proibições às importações de cereais e outros produtos
agro-alimentares ucranianos.
No entanto, a Comissão Europeia prepara-se
para aprovar, nesta quarta-feira, a renovação do regime de liberalização do
comércio com a Ucrânia (e, autonomamente, com a Moldova), ao abrigo do qual
foram eliminados os direitos de importação sobre a maior parte dos produtos
agrícolas que entram na UE.
EU agreement with Mercosur is the first
"victim" of the revolt of French farmers
Emmanuel Macron has asked Brussels to suspend talks
with South American partners. Commission admits that "there are no
political conditions" to conclude the EU's largest trade deal.
Rita Siza,
Brussels
30 January
2024, 18:27
The
protests by French farmers have already caused a first major
"casualty": the trade agreement between the European Union and
Mercosur, which Brussels closed in 2019 after 20 years of negotiations, and
whose adoption and ratification President Emmanuel Macron stalled on Tuesday,
arguing that there are no political conditions to definitively end the process.
After a
first set of measures announced by the government proved insufficient to
placate the revolt of the agricultural sector and respond to the demands of
French producers, Emmanuel Macron sought to divert attention and channel
discontent abroad, pointing to Brussels – and the agreements for the
liberalization of trade that the EU executive negotiated, both with Mercosur partners and with
neighbouring Ukraine.
France's
sights are clearly aimed at Mercosur, where Paris says the biggest
"threat" to the interests of French farmers comes: hundreds of tons
of livestock products (particularly beef, but also pork and poultry), sugar or
soy that will enter the European market without paying customs duties or with
reduced tariffs.
According
to a spokesman for the Elysée Palace, the President understands farmers'
complaints about "unfair competition" from South American countries
and shares the sector's criticism of the agreement reached with Mercosur. That
is why he warned the European Commission that it would be better to
"suspend" the ongoing negotiations, since France will not sign the
agreement.
"France
is clearly against signing a treaty with Mercosur. The President of the
Republic has expressed his opposition since day one," recalled the Prime
Minister, Gabriel Attal, last Friday. It is true that, throughout the
negotiations, France has always contested the values of the quotas on exports
of South American agricultural products, but this point was resolved and closed
in 2019, with Macron's political agreement.
After that,
the issues that the French Government raised to stop what is the largest free
trade agreement ever negotiated by the EU, worth almost 45 billion euros per
year, were related to sustainability and environmental preservation, as well as
the protection of the rights of the indigenous peoples of the Amazon.
The doubts
expressed by other member states and also by the legislators of the European
Parliament in this regard led the Commission to propose an "annex" to
the trade agreement: an additional document guaranteeing environmental
sustainability, combating deforestation and protecting biodiversity, which the
negotiating teams of the two blocs are still working on.
Brussels'
expectation was to be able to reach a compromise before the next ministerial
round of the World Trade Organisation, from 26 to 29 February, and to complete
the entire process by the end of this legislature. But after the French
president's position of strength, European Commission spokesman Eric Mamer
admitted that such a timetable was no longer realistic.
"Negotiations
continue and the EU continues to pursue its objectives of reaching an agreement
that is balanced on sustainability and protects the interests of the European
agricultural sector. But, at this point, the Commission's analysis is that the
conditions to conclude the negotiation with Mercosur are not met," said
the official.
In addition
to France, and before the current wave of farmers' protests began, Austria,
Ireland, the Netherlands and Poland had also expressed concerns about the
impact of the agreement with Mercosur on the agricultural sector to contest its
ratification. On the opposite side of the debate are countries such as Germany,
Spain and Portugal, which point to estimates of economic benefits to push for
the treaty's entry into force.
The
spokesperson for the president of the European Commission confirmed on Tuesday
that Emmanuel Macron has been in constant contact with Ursula von der Leyen and
that the two will meet on Thursday in Brussels, before the start of the
extraordinary European Council, to discuss some of the measures advocated by
the Paris government to support the agricultural sector. "We have
presented [the Commission] with some very concrete proposals to help our
farmers," the French president, who began a state visit to Sweden on
Tuesday, told Reuters.
One of the
measures defended by Macron is the restriction of Ukraine's agricultural
exports, namely chicken or cereals, "which are destabilizing the European
market in terms of volume and quality," said the French President — who has
the support of countries such as Poland, Bulgaria, Slovakia or Hungary, which
had already unilaterally introduced bans on imports of Ukrainian cereals and
other agri-food products.
However,
the European Commission is preparing to approve on Wednesday the renewal of the
trade liberalisation scheme with Ukraine (and, autonomously, with Moldova),
under which import duties on most agricultural products entering the EU have
been eliminated.
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