quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Acordo da UE com o Mercosul é a primeira “vítima” da revolta dos agricultores franceses / EU agreement with Mercosur is the first "victim" of the revolt of French farmers

 


Acordo da UE com o Mercosul é a primeira “vítima” da revolta dos agricultores franceses

 

Emmanuel Macron pediu a Bruxelas para suspender negociações com os parceiros sul-americanos. Comissão admite que “não há condições políticas” para concluir o maior tratado comercial da UE.

 

Rita Siza , Bruxelas

30 de Janeiro de 2024, 18:27

https://www.publico.pt/2024/01/30/mundo/noticia/acordo-ue-mercosul-primeira-vitima-revolta-agricultores-franceses-2078688

 

Os protestos dos agricultores franceses já provocaram uma primeira “baixa” de peso: o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que Bruxelas fechou em 2019 depois de 20 anos de negociações, e cuja adopção e ratificação o Presidente Emmanuel Macron engavetou, nesta terça-feira, argumentando que não existem condições políticas para encerrar definitivamente o processo.

 

Depois de um primeiro conjunto de medidas anunciadas pelo Governo se ter revelado insuficiente para aplacar a revolta do sector agrícola e responder às exigências dos produtores franceses, Emmanuel Macron procurou desviar a atenção e canalizar o descontentamento para fora de fronteiras, apontando a Bruxelas — e aos acordos para a liberalização do comércio que o executivo comunitário negociou, tanto com os parceiros do Mercosul, como com a vizinha Ucrânia.

 

A mira de França está claramente apontada ao Mercosul, de onde Paris diz que vem a maior “ameaça” aos interesses dos agricultores franceses: centenas de toneladas de produtos pecuários (particularmente carne bovina, mas também suína e de aves de capoeira), açúcar ou soja que passarão a entrar no mercado europeu sem pagar direitos aduaneiros ou com tarifas reduzidas.

 

Segundo um porta-voz do palácio do Eliseu, o Presidente compreende as queixas dos agricultores com a “concorrência desleal” dos países sul-americanos e partilha das críticas do sector ao acordo alcançado com o Mercosul. Foi por isso que avisou a Comissão Europeia de que seria melhor “suspender” as negociações em curso, uma vez que a França não assinará o acordo.

 

“A França está claramente contra a assinatura de um tratado com o Mercosul. O Presidente da República tem manifestado a sua oposição desde o primeiro dia”, recordou o primeiro-ministro, Gabriel Attal, na sexta-feira passada. É verdade que, ao longo das negociações, França contestou sempre os valores das quotas das exportações de produtos agrícolas sul-americanos, mas esse ponto foi resolvido e encerrado em 2019, com o acordo político de Macron.

 

Depois disso, as questões que o Governo francês levantou para travar aquele que é o maior tratado de livre comércio já negociado pela UE, no valor de quase 45 mil milhões de euros anuais, estavam relacionadas com a sustentabilidade e a preservação do ambiente, e ainda com a protecção dos direitos das populações indígenas da Amazónia.

 

As dúvidas manifestadas por outros Estados-membros e também pelos legisladores do Parlamento Europeu a esse respeito levaram a Comissão a propor um “anexo” ao acordo comercial: um documento adicional de garantias de sustentabilidade ambiental, combate à desflorestação e protecção da biodiversidade, que as equipas negociais dos dois blocos ainda estão a trabalhar.

 

A expectativa de Bruxelas era conseguir chegar a um compromisso antes da próxima ronda ministerial da Organização Mundial de Comércio, nos próximos dias 26 a 29 de Fevereiro, e concluir todo o processo até ao final desta legislatura. Mas, depois da posição de força do Presidente francês, o porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, admitiu que esse calendário já não é realista.

 

“As negociações prosseguem e a UE continua a perseguir os seus objectivos de alcançar um acordo que seja equilibrado em matéria de sustentabilidade e que proteja os interesses do sector agrícola europeu. Mas, nesta altura, a análise da Comissão é que as condições para concluir a negociação com o Mercosul não estão reunidas”, afirmou este responsável.

 

Além de França, e antes de ter começado a actual vaga de protestos de agricultores, também Áustria, Irlanda, Países Baixos e Polónia tinham manifestado preocupações com o impacto do acordo com o Mercosul no sector agrícola para contestar a sua ratificação. Do lado oposto do debate estão países como a Alemanha, Espanha e Portugal, que apontam para as estimativas dos benefícios económicos para pressionar para a entrada em vigor do tratado.

 

O porta-voz da presidente da Comissão Europeia confirmou, nesta terça-feira, que Emmanuel Macron tem estado em contacto permanente com Ursula von der Leyen e que os dois vão reunir-se na quinta-feira, em Bruxelas, antes do início do Conselho Europeu extraordinário, para discutir algumas das medidas defendidas pelo Governo de Paris para apoiar o sector agrícola. “Apresentámos [à Comissão] algumas propostas muito concretas para ajudar os nossos agricultores”, indicou à Reuters o Presidente francês, que iniciou nesta terça-feira uma visita de Estado à Suécia.

 

 

Uma das medidas defendidas por Macron é a restrição das exportações agrícolas da Ucrânia, nomeadamente frangos ou cereais, “que estão a desestabilizar o mercado europeu em termos de volume e qualidade”, considerou o Presidente francês — que conta com o apoio de países como a Polónia, Bulgária, Eslováquia ou Hungria, que já tinham introduzido unilateralmente proibições às importações de cereais e outros produtos agro-alimentares ucranianos.

 

No entanto, a Comissão Europeia prepara-se para aprovar, nesta quarta-feira, a renovação do regime de liberalização do comércio com a Ucrânia (e, autonomamente, com a Moldova), ao abrigo do qual foram eliminados os direitos de importação sobre a maior parte dos produtos agrícolas que entram na UE.


EU agreement with Mercosur is the first "victim" of the revolt of French farmers

 

Emmanuel Macron has asked Brussels to suspend talks with South American partners. Commission admits that "there are no political conditions" to conclude the EU's largest trade deal.

 

Rita Siza, Brussels

30 January 2024, 18:27

https://www.publico.pt/2024/01/30/mundo/noticia/acordo-ue-mercosul-primeira-vitima-revolta-agricultores-franceses-2078688

 

The protests by French farmers have already caused a first major "casualty": the trade agreement between the European Union and Mercosur, which Brussels closed in 2019 after 20 years of negotiations, and whose adoption and ratification President Emmanuel Macron stalled on Tuesday, arguing that there are no political conditions to definitively end the process.

 

After a first set of measures announced by the government proved insufficient to placate the revolt of the agricultural sector and respond to the demands of French producers, Emmanuel Macron sought to divert attention and channel discontent abroad, pointing to Brussels – and the agreements for the liberalization of trade that the EU executive negotiated,  both with Mercosur partners and with neighbouring Ukraine.

 

France's sights are clearly aimed at Mercosur, where Paris says the biggest "threat" to the interests of French farmers comes: hundreds of tons of livestock products (particularly beef, but also pork and poultry), sugar or soy that will enter the European market without paying customs duties or with reduced tariffs.

 

According to a spokesman for the Elysée Palace, the President understands farmers' complaints about "unfair competition" from South American countries and shares the sector's criticism of the agreement reached with Mercosur. That is why he warned the European Commission that it would be better to "suspend" the ongoing negotiations, since France will not sign the agreement.

 

"France is clearly against signing a treaty with Mercosur. The President of the Republic has expressed his opposition since day one," recalled the Prime Minister, Gabriel Attal, last Friday. It is true that, throughout the negotiations, France has always contested the values of the quotas on exports of South American agricultural products, but this point was resolved and closed in 2019, with Macron's political agreement.

 

After that, the issues that the French Government raised to stop what is the largest free trade agreement ever negotiated by the EU, worth almost 45 billion euros per year, were related to sustainability and environmental preservation, as well as the protection of the rights of the indigenous peoples of the Amazon.

 

The doubts expressed by other member states and also by the legislators of the European Parliament in this regard led the Commission to propose an "annex" to the trade agreement: an additional document guaranteeing environmental sustainability, combating deforestation and protecting biodiversity, which the negotiating teams of the two blocs are still working on.

 

Brussels' expectation was to be able to reach a compromise before the next ministerial round of the World Trade Organisation, from 26 to 29 February, and to complete the entire process by the end of this legislature. But after the French president's position of strength, European Commission spokesman Eric Mamer admitted that such a timetable was no longer realistic.

 

"Negotiations continue and the EU continues to pursue its objectives of reaching an agreement that is balanced on sustainability and protects the interests of the European agricultural sector. But, at this point, the Commission's analysis is that the conditions to conclude the negotiation with Mercosur are not met," said the official.

 

In addition to France, and before the current wave of farmers' protests began, Austria, Ireland, the Netherlands and Poland had also expressed concerns about the impact of the agreement with Mercosur on the agricultural sector to contest its ratification. On the opposite side of the debate are countries such as Germany, Spain and Portugal, which point to estimates of economic benefits to push for the treaty's entry into force.

 

The spokesperson for the president of the European Commission confirmed on Tuesday that Emmanuel Macron has been in constant contact with Ursula von der Leyen and that the two will meet on Thursday in Brussels, before the start of the extraordinary European Council, to discuss some of the measures advocated by the Paris government to support the agricultural sector. "We have presented [the Commission] with some very concrete proposals to help our farmers," the French president, who began a state visit to Sweden on Tuesday, told Reuters.

 

 

One of the measures defended by Macron is the restriction of Ukraine's agricultural exports, namely chicken or cereals, "which are destabilizing the European market in terms of volume and quality," said the French President — who has the support of countries such as Poland, Bulgaria, Slovakia or Hungary, which had already unilaterally introduced bans on imports of Ukrainian cereals and other agri-food products.

 

However, the European Commission is preparing to approve on Wednesday the renewal of the trade liberalisation scheme with Ukraine (and, autonomously, with Moldova), under which import duties on most agricultural products entering the EU have been eliminated.


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