Fora
do Estado não há salvação
Ao
longo dos últimos meses, António Domingues esteve mais sozinho na
Caixa Geral de Depósitos do que Robinson Crusoe na sua ilha, antes
da chegada de Sexta-feira.
JOÃO
MIGUEL TAVARES
1 de Dezembro de
2016, 8:03
Queriam um banco
público despartidarizado, não era? Queriam um grupo de gestores
competentes, que não concedessem empréstimos a pedido? Queriam a
Caixa Geral de Depósitos blindada às más influências dos
governos, que foram depauperando a sua imagem e os seus balanços ao
longo dos anos? Queriam mais profissionalismo na gestão e menos
amiguismo na decisão? Queriam, não queriam? Claro que queriam. Eu
também queria. Mas vejam no que isso deu. Um gestor com imensa
experiência na banca e nenhuma experiência política acabou
triturado sem dó nem piedade. O governo que o nomeou nunca o
protegeu. O ministro das Finanças que o convidou nunca o defendeu. O
próprio partido que apoia o governo não o queria lá. O Presidente
da República tirou-lhe o tapete. O principal partido da oposição
não descansou enquanto ele não caiu. E a queda aconteceu com a
ajuda decisiva de um dos partidos que sustentam o governo. Ao longo
dos últimos meses, António Domingues esteve mais sozinho na Caixa
Geral de Depósitos do que Robinson Crusoe na sua ilha, antes da
chegada de Sexta-feira.
Domingues já não
era um banqueiro. Era um saco de pancada. Dir-me-ão que ele teve
culpa no que lhe aconteceu. Com certeza. A sua inabilidade para gerir
mediaticamente este processo é assinalável e as justificações
para a sua saída variam de dia para dia. Mas acreditem: ele é o
menos culpado no meio de tudo isto. Que haja uma sondagem que o
aponta como o grande responsável pela actual situação da Caixa
(36%), muito à frente do ministro das Finanças (16%) e do
primeiro-ministro (15%), apenas demonstra que a habilidade política
de António Costa faz milagres. Até ao dia de hoje, nós,
contribuintes e eleitores, não sabemos quais foram os termos do
acordo entre Domingues e Centeno e o que é que realmente lhe foi
prometido. E ninguém se sente obrigado a explicar. O
primeiro-ministro, assim que percebeu o que lá vinha, apressou-se a
erguer um cordão sanitário à sua volta, composto por monossílabos
à saída de eventos e que incluiu – coisa nunca vista – o
silêncio absoluto durante todo o debate do orçamento, só para não
ter de responder a perguntas sobre a Caixa. António Domingues foi
deixado a grelhar na fogueira política e mediática portuguesa, com
os responsáveis por atiçar o lume a irem-se revezando. Umas vezes
era Carlos César, outras Passos Coelho, outras Marcelo, outras o
próprio António Costa.
E a razão porque
isto aconteceu é a mesma razão porque António Domingues era uma
boa escolha para a Caixa: porque ele não tem amigos na política.
Tirando António Lobo Xavier, que o conhece do BPI, e mais dois ou
três jornalistas que algum dia terão contactado com ele, Domingues
não teve absolutamente ninguém que saísse em sua defesa. O senhor
é com certeza muitíssimo competente, mas só com competência
ninguém vai longe dentro do Estado português. Um outsider ou se
adapta rapidamente aos métodos da casa ou naufraga ao primeiro
escolho. Como acabou por acontecer. Domingues achou que a palavra
dada contava mais do que a sobrevivência política. Não conta. Fora
do Estado não há salvação: é suprema ingenuidade acreditar que
um monstro da dimensão da Caixa Geral de Depósitos pode realmente
vir a ser despolitizado e gerido com a independência que todos
desejávamos. Domingues foi usado e deitado fora. Delineou a
recuperação do banco, ajudou a que o plano passasse em Bruxelas, e
a partir daí tornou-se descartável. A política não é para
amadores.
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