domingo, 25 de dezembro de 2011

"Experimentações" no Jardim de Santos. Público (11/10/2009)

11/10/2009
"Experimentações" no Jardim de Santos
In Público (11/10/2009)
Por António Sérgio Rosa de Carvalho

«Atordoados com a avalancha defait-divers, extenuados pelas campanhas eleitorais, algum rigor nos é necessário para manter o discernimento no que respeita o essencial. Aquilo que é realmente importante. O que é realmente importante é que no período entre 6 e 18 de Dezembro vai tomar lugar a Kopenhagen Climate Conference onde o destino do planeta vai ser decidido. Os olhos estão postos nela com esperança numa nova atitude dos EUA, através de Obama, e numa lenta consciencialização que toma lugar na China e irá ter forçosamente influência na atitude na Índia. O discurso inaugural e de afirmação de Durão Barroso, após a sua reeleição, dedicou-se quase exclusivamente à importância determinante e à prioridade urgente deste tema. Estamos numa encruzilhada civilizacional onde uma nova revolução industrial terá que tomar lugar, que nos garanta uma reconciliação com a natureza e o planeta, deixando definitivamente para trás toda a herança do positivismo, e leve a uma reforma do capitalismo, que não poderá continuar a basear a sua dinâmica numa ideia de crescimento ilimitado e insustentável.

Perante isto, o Jardim de Santos surge como um oásis, que, embora esquecido, ainda lá está nas suas características românticas, onde todas as suas magníficas árvores estão legalmente protegidas. Ora, perante o marasmo e a crise profunda do comércio tradicional, a zona de Santos surge como algo positivo, através da concentração de um comércio de qualidade na área do design.Surge como uma área de vocação estabelecida, tal como S. Bento se consolidou como zona de antiquários. Além disso, esta zona desenvolveu uma dinâmica nocturna que se irá consolidar no futuro devido à sua proximidade do rio. Mas Santos também é um bairro residencial, que tem direito a repouso, a serenidade, a contemplação e ao silêncio. A sobrecarga erosiva e "ácida" que a vida nocturna arrasta em poluição sonora e desequilíbrio de comportamentos sociais está bem patente na vandalização a que o Jardim de Santos está exposto permanentemente.

Vem agora a Experimenta Design, através de uma campanha denominada It's about time que lhe incute um carácter afirmativo de uma "outra urgência", defender um projecto para o jardim que perversamente pretende ser vanguardista. Implicitamente usa uma retórica de inovação e ruptura que lhe garante, por isso mesmo, uma autoridade cultural que só a superioridade da avant-garde pode garantir. Pretende assim mutilar as árvores com "tatuagens", abrir "chagas" na pele das árvores protegidas. Fazer "instalações" sonoras alterando completamente o equilíbrio do habitat, no que respeita os seus ciclos de luz e de silêncio. Além de colocar sistemas de iluminação que irão ter o mesmo efeito, pretende instalar uma casa metálica numa árvore, perversão corrosiva da "cabana". Claro que os bancos românticos irão ser substituídos por outros em cimento e um bar irá ser instalado no jardim, garantindo assim uma espécie de espaçolounge, uma espécie de área de expansão e colonização oficializada do jardim pelos estabelecimentos nocturnos, all night long. O que se passa aqui é uma perversa inversão de valores, que perante a importância das verdadeiras ansiedades descritas no início deste texto são profundamente reaccionárias, datadas e prisioneiras de um falso vanguardismo. Tomou-se a resolução, talvez por pudor de expor esta figura ao jardim play-station, de recolocar a estátua de Ramalho Ortigão noutro local.

Devo avisar que a Experimenta pode esperar pior do que uma simples retaliação da tão ilustre figura literária. Sentado de forma contemplativa e atento, entre as brisas, aos murmúrios vegetais, eu sei que as árvores planeiam uma revolta em massa, tipo revolta das árvores contra Saruman e o seu diabólico projecto contra a natureza, no Senhor dos Anéis. Portanto não só a "cabana" vai ser sacudida e o bar esmagado, mas os bancos de cimento vão servir de armas de arremesso a estas árvores em revolta. Já se distingue claramente nos murmúrios vegetais uma ameaça latente que pulsa dizendo: "Vão "experimentar" para outro lado", ou em linguagem de designer: "It is about time"... to buzz off!!

Historiador de Arquitectura

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