OPINIÃO
Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas.
Oportunidade única para impor condições ambientais
É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a
imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de
crescimento massificado e sem limites.
António Sérgio
Rosa de Carvalho
2 de Julho de
2020, 7:00
No tumulto das
“negociações” e troca de “mensagens” entre privados e interesse público,
resultantes das condições, impostas à TAP pelo Governo (leia-se Comissão
Europeia), a muitos terão passado despercebidas as atrevidas e provocadoras
insinuações de Michael O’Leary (1) da Ryanair.
Com a mesma
ligeireza, transformando o culto assumido da irresponsabilidade, em arma de
arremesso, tal como já revelado anteriormente na atitude durante a greve,
O’Leary afirmou que o dinheiro da TAP (2) devia
ser distribuído por companhias low cost como a Ryanair,(3)
que têm demonstrado um desprezo absoluto pelos direitos fundamentais dos seus
empregados, uma atitude oportunista e escapista tipo offshore pelo mundo
fiscal, assim como, uma pose militantemente trocista por todas as preocupações
e exigências ambientais.
Assim, O’Leary
considerou todas e quaisquer preocupações à volta do impacto crescente da
pegada de carbono da aviação nas alterações climáticas (4)
como “lixo completo e absoluto” (“complete and utter rubbish”). Além de
confirmar que tenciona utilizar, em plena crise da covid-19 (5) os seus aviões completamente cheios, tipo
transporte de periferia. Isto, perante a realidade da pegada de carbono da
Ryanair que a põe ao nível da lista negra das carvoeiras polacas, levou Andrew
Murphy, o manager da European Federation for Transport and Environment, a
concluir: “When it comes to climate, Ryanair is the new coal.” (6)
Claro que O’Leary
não é o único a tentar jogar neste binómio paradoxal: privatização maximalizada
do lucro/socialização do risco. Outros, como o famoso multimilionário e playboy
“Sir” Richard Branson, 7.ª fortuna do Reino Unido (4.7 mil milhões de libras),
dono da Virgin Atlantic, veio pedir ao Governo inglês 500 milhões de libras,
oferecendo como garantia a sua ilha privada Necker Island (destruída pelo tufão
Irma em 2017). O seu pedido foi recusado.
No meio do
devastador coronavírus, temos casos onde os dois factores que mais têm
contribuído para a alienação das cidades, o low-cost flying e as plataformas de
aluguer a turistas, se encontram. Assim, em Amesterdão, onde a Booking.com se
encontra sediada com 5500 empregados, esta plataforma, também perita em
oportunismo fiscal, veio pedir dinheiro dos contribuintes, enquanto tinha
investido 14 mil milhões de dólares em buybacks das próprias acções.
Enquanto isto, a
Sibéria atinge os 38 graus centigrados (7) e
apresenta um aumento de cinco vezes do número de incêndios permanentes, com a
ameaça directa e incalculável da libertação de gases como o metano, através do
degelo do permafrost.(8)
É totalmente
insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com
este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites. As
ajudas estatais devem ser acompanhadas de claras exigências ambientais:
impostos sobre a querosene. Desenvolvimento de combustíveis “verdes” e técnicas
alternativas. Limitação do número de voos. Limitação da expansão de aeroportos.
Taxas sobre utilizadores frequentes. Substituição dos voos domésticos e voos
até 2 horas e meia de duração por bons serviços de transportes ferroviários a
preços compatíveis. Fim de subsídios facilitadores de laxismo da consciência
ambiental.
Ah! Andamos
preocupados com a boa utilização dos fundos disponibilizados pela magnânima e
generosa Merkel, num país devastado também pelas “pandemias” Novo Banco/
Mexia-EDP/PPP Rodoviárias, etc., enfim, um festim de compadrios – corrupção.
Pois chegou a
altura de António Costa e o seu Governo fazerem um pouco de “trabalho de casa”
para dar conteúdo à pedinchice, e pensarem estrategicamente o futuro do
transporte ferroviário (que se encontra na Idade da Pedra) de passageiros no
interior do país e respectivas ligações à Europa. Dando assim uma resposta
esclarecedora às perguntas concretas e ansiedades expressas nos artigos
sucessivos de Carlos Cipriano (9) neste jornal,
que só têm obtido o mais absoluto silêncio.
Historiador de Arquitectura
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