sábado, 13 de janeiro de 2024

Portugal nu, ao espelho

 


EDITORIAL

Portugal nu, ao espelho

 

De vez em quando, temos a oportunidade de publicar um conjunto de dados, a análise de uma área, que reflecte o país nu perante as suas insuficiências.

 

David Pontes

12 de Janeiro de 2024, 21:14

https://www.publico.pt/2024/01/12/opiniao/editorial/portugal-nu-espelho-2076693

 

Já tivemos o ciclo do Brasil, o ciclo dos Estados Unidos, o ciclo da França, o ciclo de Inglaterra e agora devemos estar no ciclo do Norte da Europa. Falamos de emigração, de momentos históricos diferentes, de motivações e anseios necessariamente diferentes, mas do mesmo ponto de partida, o círculo vicioso de um país que não chega para os seus.

 

Alimentamos o nosso ciclo noticioso com o último caso político, com a última reivindicação corporativa, com os últimos dados de carência de um determinado sector, com tudo aquilo que compõe o ambiente e dá o retrato de um país. Mas, de vez em quando, temos a oportunidade de publicar um conjunto de dados, a análise de uma área, que reflecte o país nu perante as suas insuficiências e limitações de gerações e não só à luz da última polémica.

 

Foi isso que aconteceu com os números do Atlas da Emigração Portuguesa, que nos dizem que, em proporção da população, Portugal é o país da Europa com mais emigração e o 8.º em todo o mundo. Que nos últimos 20 anos mais de 1,5 milhões, perto de 15% da população, emigraram e entre estes estão mais de um quarto das pessoas nascidas em Portugal que têm entre 15 e 39 anos. A tal “geração mais bem preparada de sempre”, o potencial motor de desenvolvimento do país e da renovação demográfica.

 

Há um olhar sobre estes números que não nos deve atormentar. Hoje emigrar não tem o mesmo peso da ausência e da distância que teve no passado e a globalização e o esbater de fronteiras são tendências naturais. Há até uma parte disto que nos pode orgulhar, como um povo que tem capacidade de mudar, de arriscar e de ir à procura de melhor vida.

 

Mas seria absurdo não nos inquietarmos quando os números são da dimensão daqueles que foram revelados e representam a falta de oportunidades, ou as limitações das que existem, num país em que imperam os baixos salários, uma péssima gestão da relação entre o trabalho e a família e, para juntar mais um problema transversal, um gigantesco problema de habitação.

 

Dentro de momentos, seguir-se-á a discussão de saber se a culpa é do “tempo do Passos” ou do “tempo do Costa”, mas aquilo em que nos devemos empenhar, como sociedade, é saber o que queremos que venham a ser os tempos que aí vêm. Com uma eleição legislativa pela frente, temos uma oportunidade de excelência para exigir aos nossos possíveis representantes que se ocupem menos do passa-culpas e dos epifenómenos mediáticos e mais de nos darem perspectivas a longo prazo do que tencionam fazer para contrariar isto. Para não desperdiçarmos o nosso tempo e o nosso voto da mesma forma que parecemos estar a desperdiçar uma geração.

 

tp.ocilbup@setnop.divad

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