Nunca a destruição
sistemática da Amazônia foi tão grande desde o Governo de Bolsonaro.
Esta operação de “charme”
para vender e fazer aceitar o Mercosul deve ser vista com a maior cautela e o
devido cepticismo crítico.
Claro que o
Governo Português dependente de tudo e de todos aceita sem pestanejar o Acordo
Mercosul.
OVOODOCORVO
BRASIL
Ministra da Agricultura do Brasil: “Não precisamos de
desmatar a Amazónia para fazer pecuária”
Tereza Cristina defende o trabalho do Governo brasileiro
em termos ambientais e está convicta de que no próximo ano haverá “resultados
melhores” no que respeita à desflorestação na Amazónia. De Lisboa, levou o
apoio de Portugal ao acordo UE-Mercosul.
João Ruela
Ribeiro e Daniel Rocha (fotografia) 19 de Outubro de 2020, 7:01
A ministra
brasileira da Agricultura, Tereza Cristina, tem, muito provavelmente, uma das
tarefas mais difíceis no Governo de Jair Bolsonaro. É ela que tem encabeçado os
esforços do Brasil para tentar vencer a relutância europeia em dar andamento ao
acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que está em fase de ratificação. Em
Portugal, a ministra encontrou um “apoio incondicional” que lhe dá optimismo.
Cristina garante que o Brasil está empenhado em conter a desflorestação da
Amazónia e tem “leis rígidas” para proteger o ambiente.
Veio a Portugal
para tentar convencer um Governo europeu a viabilizar o acordo UE-Mercosul?
Tínhamos
combinado com a ministra que viríamos a Portugal e é claro que esse assunto não
poderia ficar fora da agenda. Portugal sempre foi muito claro desde o início
que apoiava esse acordo, que é muito importante para os dois blocos. Agora que
nos aproximamos da ratificação do acordo era muito importante, no que tange à
agricultura, mostrar o que temos de bom, a nossa sustentabilidade na
agro-pecuária. Acho que foi uma visita excelente, volto muito entusiasmada com
as nossas complementaridades. Tive a declaração de que Portugal continua dando
apoio incondicional ao Brasil e ao Mercosul na ratificação do acordo.
Sem concertos
para fotografar, Diogo voltou-se para os pássaros — e “é quase a mesma coisa”
Há uma forte
pressão contra a promulgação do acordo na Europa, com a justificação de que o
Brasil não dá garantias ambientais. Está optimista sobre o futuro do acordo?
Vejo que sim. As
pessoas vão conhecer o acordo no detalhe agora. Esse acordo estava sendo
corrigido, traduzido. Agora é que os parlamentos vão tomar conhecimento do
texto como um todo. Não há ninguém que não soubesse que teríamos resistências
dos dois lados. Agora que o acordo vai ficar claro para todos, acho que os
debates vão começar, mas tenho a certeza que o bom senso vai prevalecer. Alguns
sectores vão chiar mais, vão fazer reverberar mais contra, mas no geral é um
bom acordo.
Que argumentos
usaria junto, por exemplo, do Governo francês que é bastante resistente ao
acordo?
Vou falar do meu
sector. [Há resistência pelo] tamanho da agricultura brasileira, a
competitividade, [receio de] que tiraríamos mercado... E aí vem pelo lado que
me quer perguntar que é o problema de sustentabilidade do meio ambiente. O
Brasil é um país que preservou o seu meio ambiente de maneira diferente de
outros até por ser um país jovem. Temos mais de 66% de preservação da nossa
vegetação nativa. A agro-pecuária ocupa só 30% com essa actividade. A
agricultura, os grãos, 8,2%. Há muita desinformação. Não se produz na Amazónia.
O bioma amazónico, que se olhar para a dimensão vê que ela tem 80% de
preservação, tem mazelas, claro que tem. Mas o Brasil tem leis rígidas. Temos
um Código Florestal super-rígido e quem faz as leis somos nós e temos de exigir
que se sigam essas leis.
Por que tem sido
a ministra da Agricultura e também o vice-Presidente Hamilton Mourão, e não o
Itamaraty, a encabeçar os esforços do Brasil para salvar o acordo comercial?
Claro que o
Itamaraty faz. É um esforço conjunto. O ministro Ernesto [Araújo] também onde
tem ido, tem falado. Mas justamente é a agricultura que é sempre confrontada.
‘A agricultura brasileira desmata’. Por isso, cabe a mim, ministra da
Agricultura, dizer que não é verdade. Temos casos de agricultura sustentável,
temos tecnologia. Há mais de dez anos que o Brasil faz o programa ABC, que é
agricultura de baixo carbono, que vem sendo largamente aumentada e utilizada. A
Embrapa tem feito esforços enormes em novas tecnologias para evitar emissão de
carbono. Do RenovaBio da cana-de-açúcar ninguém fala, é um programa
super-exitoso, que tinha de ser um case study mundial. É por isso que cabe a
mim fazer a defesa, quando é necessário. O vice-Presidente assumiu o Conselho
da Amazónia porque o Brasil é tão grande e tão diverso que as Forças Armadas
tiveram que ajudar no combate a incêndios, ilegalidades. Controlar a Amazónia
não é para qualquer um, são vários países na Europa num pedaço do Brasil.
O mundo tem
assistido a recordes de desflorestação na Amazónia nos últimos dois anos, mesmo
com a operação do Exército, que foi bastante cara e, olhando para os dados, não
se traduz num sucesso. Que garantias pode dar o Governo de que no próximo ano
não teremos outro recorde de desflorestação?
Primeiro, é a
presença ostensiva, a partir deste ano, na região amazónica. O Meio Ambiente
tem um quadro realmente pequeno para o tamanho do Brasil e da Amazónia. Então,
com a entrada das Forças Armadas para ajudar, com certeza teremos uma presença
lá e isso acaba inibindo os desmatamentos ilegais. O Brasil tem um Código
Florestal e temos de separar entre o que é legal e o que é ilegal. Desmatamento
ilegal zero, é isso que o Governo brasileiro quer. No Código Florestal
brasileiro há o desmatamento permitido por bioma. Na Amazónia, 80% tem de estar
preservado. Hoje, dependendo de quem está a falar, coloca-se tudo no mesmo
prato. O Brasil vem adquirindo ferramentas digitais para fazer essa
fiscalização com maior eficiência, através de satélite que poderá mostrar em
tempo real quem está a fazer, onde está a fazer, e se é legal [a
desflorestação]. Não é fácil, a Amazónia é enorme. É preciso muito dinheiro
para fazer isso e é preciso alguém que cuide exclusivamente disso. É por isso
que no Conselho da Amazónia o vice-Presidente Mourão ficou com essa tarefa.
Tenho a certeza que no ano que vem teremos resultados melhores.
Disse que a
estrutura de fiscalização do Meio Ambiente não é suficiente...
Nunca foi. Não
foi nesse governo, temos dois anos de governo. É uma estrutura que tem gente
qualificada, mas o número de pessoas para a extensão do território brasileiro é
pequeno. Outra coisa: não cuida só da Amazónia, tem de cuidar do restante do
Brasil e o meio ambiente não é só desmatamento, temos a poluição da cidade, dos
rios. A entrada da Defesa, com as três forças em conjunto, pelo menos essa
região do Brasil tem hoje muito mais gente olhando e voando. Não é só o
desmatamento, temos outras ilegalidades que precisamos combater na Amazónia,
como mineração ilegal, garimpo, roubo de madeira. Vamos implementar as concessões
florestais, para que a iniciativa privada tome conta de algumas áreas e isso
diminui a quantidade de área que temos de fiscalizar. É uma série de medidas
que estão a ser implantadas, mas as coisas têm o seu tempo para acontecer.
Mas a verdade é
que há mais de uma década que a tendência era de descida da desflorestação na
Amazónia, portanto dizer que tem a ver com o que já acontecia não corresponde
aos dados.
Mais ou menos.
Depende do período de recorte. Se olhar só para os dois últimos anos, sim, se
olhar para um período mais longo, lá atrás em 2004 tivemos índices muito
maiores e vieram caindo. Estamos a fazer o que é possível fazer. Temos leis
rígidas no Brasil e precisamos fiscalizar. E isso está a acontecer, estão a
multar. Precisávamos dessa fiscalização, dessa presença mais ostensiva para que
as pessoas soubessem que, se fizerem, vão ser apanhadas. Talvez nos últimos
dois ou três anos tivesse faltado gente para isso. Quando se chamou o
Ministério da Defesa para fazer essa ajuda e o vice-Presidente tomou para ele
essa tarefa, foi no começo desse ano. Temos de dar tempo para que as coisas
entrem nos eixos.
Um estudo da
Greenpeace concluía que as zonas onde acontece a maioria dos incêndios na
Amazónia acabam por ser usadas para pastagem de gado. É inevitável que o
desenvolvimento da pecuária brasileira se faça à custa da floresta?
Na dimensão do
nosso país, é claro que há gente que provavelmente provoca um incêndio. Mas
isso é uma minoria. Alguns estudos dizem que 2% das propriedades fazem de
maneira ilegal. Ninguém diz que não existe, claro que existe, mas essas pessoas
têm de ser fiscalizadas, multadas e aplicadas com o rigor da lei. Mas temos de
saber quem pode desflorestar, porque está dentro da legislação, e quem não
pode. Existe uma série de desinformação sobre o bioma amazónico; são 22 tipos
de floresta diferente, temos savana. O que é o INPE [Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais]? O INPE é uma ferramenta para medir o desmatamento, ver as
queimadas, mas não apanha só o bioma Amazónia, apanha parte do bioma, a
Amazónia Legal, que é uma ferramenta fiscal, não é um bioma. Há muitos anos,
para se usar uma ferramenta tributária e legal deu-se esse nome, e faz-se uma
confusão enorme. Nesse bioma, há outros índices de desmatamento diferentes do
bioma Amazónia. Estamos num momento de colocar as coisas nos devidos lugares e
os dados têm de ser precisos. Não podemos deixar essa confusão. Fica a parecer
que precisamos de desmatar a Amazónia para fazer pecuária. Não, já há uma parte
da Amazónia que foi desmatada, e ela é pequena. O que é preciso fazer é não
deixar que isso avance.
Concorda com a
posição do Presidente Jair Bolsonaro que culpa os povos indígenas pelos
incêndios na Amazónia?
Ele não culpou,
ele apresentou uma realidade. Como é que um indígena faz para cultivar aquele
pequeno pedaço em que planta mandioca e algumas coisas dos seus hábitos? Ele
usa aquilo um ou dois anos, perde a fertilidade, e coloca fogo em mais um
pedaço, limpa e planta. É uma cultura rudimentar, é uma ferramenta muito
antiga, que é a de usar o fogo para fazer a limpeza. Os pequenos produtores
também o fazem. Temos na Amazónia um contingente grande de pequenos produtores
rurais que foram levados na década de 1970 para colonizar. Essas pessoas estão
lá, não receberam os títulos de propriedade ainda e é um trabalho que o
Ministério da Agricultura vem fazendo. Assim podem ser, para o bem ou para o
mal, responsabilizados. Ensinar que não podem pôr fogo, que temos outras
práticas, mas para isso é preciso dar condições para as políticas públicas
chegarem até eles. Eles têm de ter esse título para terem financiamento, para
se modernizarem, e, com certeza, numa época seca como os dois últimos anos pôr
um fogo fora de hora, muito vento, pega fogo. Eles não são os únicos culpados.
Há incêndios criminosos, incêndios de pessoas que querem abrir áreas. Tem de
tudo. São muitas variáveis que acabam por trazer os problemas que tivemos no
ano passado e no passado não era diferente.
Defendeu
recentemente que “o boi é o bombeiro do Pantanal”, sugerindo que um maior
número de cabeças de gado na região poderia prevenir incêndios...
Não fui eu que
disse, não inventei. Isso é uma teoria de vários pesquisadores. Aliás, depois
de eu ter falado nisso recebi mais de 30 papers de pesquisadores com essa
teoria. Ajuda, não disse que era a única coisa. Eu disse que o boi acaba sendo
um bombeiro no Pantanal porque ele come o capim e não deixa aquela massa - que
é altamente inflamável quando é muito grande - aumente muito. Eu nem sabia, mas
até existe um incêndio que é subterrâneo naquela matéria orgânica, corre por
baixo. Tem tanta matéria orgânica que o fogo entra e fica em baixo. O gado
realmente diminuiu neste Pantanal...
No Pantanal como
um todo, até cresceu.
Não sei, acho que
não. No Mato Grosso do Sul, o boi diminuiu 21% de 2017 a 2019. Tenho os dados
oficiais do estado. Houve um empobrecimento dessa pecuária, porque é extensiva.
Ficou muito difícil a licença para fazer a troca do capim. O Planalto é uma
planície, não precisa de derrubar árvores para trocar a pastagem. Criou-se uma
polémica danada, mas existe essa figura, é verdade isso. O fogo intencional...
Onde tiver gente tem risco: uma bituca [beata] de cigarro, cai um fio de
electricidade, alguém põe fogo. Existe tudo. A Polícia Federal está a
investigar onde começou o fogo. Se houve crime, com certeza vão identificar,
porque hoje há ferramentas muito modernas, satélites.
O ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse numa reunião em que a ministra estava
presente que a pandemia devia ser aproveitada para “passar a boiada” nas regras
de protecção ambiental. Essa declaração deixou empresas em todo o mundo ainda
mais desconfiadas em relação aos esforços do Governo para conter o desmatamento
e prejudicou a imagem do Brasil internacionalmente, assim como do agro-negócio
virado para a exportação. Até que ponte existe uma boa articulação entre o
Ministério da Agricultura e o do Meio Ambiente?
[Pausa longa] Não
gostaria de discutir mais esse assunto, já foi tão discutido. Acho que foi
distorcido o que ele disse. O que ele quis dizer foi ‘vamos ver as normas
infralegais’ e podem verificar: Houve alguma modificação no Congresso que
tivesse alterado alguma coisa do nosso Código Florestal, da nossa lei
ambiental? Nada. Às vezes, a gente fala num ambiente fechado de uma maneira...
Mas não foi dizer que era para burlar a lei, para mudar ou modificar
legislação.
No ano passado,
bateu-se um recorde com 475 novos pesticidas aprovados...
Novos, não, a
grande maioria são genéricos, moléculas já aprovadas que entraram agora os
genéricos no mercado para competir, para baixar o preço. Isso ficou preso no
Brasil durante muitos anos. As novas moléculas também precisam de ser aprovadas
porque vocês usam aqui há cinco ou dez anos e o nosso [processo de aprovação]
era muito moroso. Nada muito diferente do que se faz no resto do mundo. Se
olhar para os dados da FAO, vê-se que o Brasil não é campeão do uso de
agro-tóxicos, apesar da nossa enorme produção de grãos em área e volume.
Não considera que
a agricultura brasileira seja dependente destes produtos químicos?
Claro que é.
Produto químico é remédio, você usa se necessário. Você toma remédio se não
precisar? Eu não tomo. Defensivos agrícolas ou pesticidas, é a mesma coisa. O
problema é que no Brasil houve no passado um represamento ideológico, que essas
coisas não caminhavam, e nós abrimos. As moléculas genéricas são mais baratas,
porque não se paga royalties, então esses produtos foram sendo colocados no
mercado. O Ministério procura aprovar, e fizemos isso este ano, a nova leia dos
bio-insumos [substâncias biológicas]. Aprovámos mais de 40 moléculas de
produtos biológicos para essa agricultura mais sustentável. Mas disso não se
fala.
Por que diz que
os atrasos na aprovação de pesticidas eram ideológicos?
A nossa agência
antigamente não tinha interesse em fazer avançar essa agricultura. Existia mais
esse lado mais biológico. Temos de ter as duas coisas. Temos muita gente com
fome ainda e produzir em grandes extensões nem sempre dá para ser biológico só.
Há muitos produtores grandes a fazer áreas maiores já com produtos biológicos,
mas ainda tem de fazer o outro lado com os pesticidas. Isso é uma evolução da
agricultura.
tp.ocilbup@aleur.oaoj
tp.ocilbup@ahcord



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