OPINIÃO
Mais responsabilidade individual e menos “peritos de
bancada”
Estamos todos fartos da pandemia? Pois estamos. Mas é
urgente pôr números na irresponsabilidade e avisar para o que pode vir aí.
TERESA DE SOUSA
11 de Outubro de
2020, 0:30
1. Dados oficiais
indicam que 67 por cento dos casos de Covid-19 detectados em Portugal nas
últimas semanas têm a sua origem em “festividades” várias, entre familiares e
amigos, muitas delas não cumprindo as limitações legais do estado de
contingência em vigor. Basta alguma atenção para verificar que, também fora de
casa, a tendência para não cumprir as regras indispensáveis para conter a
pandemia é bastante frequente. Grupos de pessoas a conversar sem máscara. Falta
óbvia de distanciamento nas filas que se formam à porta das lojas – mesmo
estando os lugares marcados no chão de forma visível. Nenhum respeito pelas
indicações de entrada e de saída, por mais visíveis que estejam.
Estamos todos
fartos da pandemia? Pois estamos. Mas não há outra maneira de a combater com
eficácia a não ser a responsabilidade de cada um pelo cumprimento escrupuloso
das regras estabelecidas para evitar o contágio. Não vale a pena dizer que
somos todos muitos responsáveis, como insistiram até à data as autoridades
públicas. Não somos. E é urgente, daqui para a frente, que Marta Temido e Graça
Freitas façam mais vezes o que fizeram na passada sexta-feira: pôr números na
irresponsabilidade e avisar para o que pode vir aí.
2. Outro bom
exercício é ver nos telejornais as notícias sobre o que se passa lá fora,
sobretudo entre os nossos vizinhos europeus. A segunda vaga da pandemia já
atingiu a Europa em força, com números de infecções diários que ultrapassam os
piores dias de Março e Abril. Os sistemas de saúde, nalguns casos, começam a
aproximar-se do limite da capacidade. E este é o critério fundamental para
avaliar a evolução da pandemia e tomar as medidas necessárias. Em muitos
países, regressou a imposição de novas medidas de confinamento, mesmo que de
forma mais localizada. Crescem os protestos contra essas medidas também um
pouco por toda a Europa – embora a moda ainda não tenha chegado a Portugal.
O dilema é sempre
o mesmo: como encontrar um equilíbrio entre a contenção da pandemia e o
funcionamento da economia. Não é fácil. Os governos têm consciência de que um
novo confinamento geral traria uma nova paragem brusca da actividade económica,
com custos ainda mais brutais para a vida das pessoas no médio prazo. Sabem por
experiência adquirida que as consequências humanas são muito mais duras para as
camadas da população que não podem recorrer ao teletrabalho – normalmente as
mais desfavorecidas –, aumentando as desigualdades sociais. Como sabem que os
bolsos do Estado têm fundo e o que se gastar agora terá de ser pago mais à
frente. Governar – ou fazer oposição – é uma tarefa extremamente difícil nestas
circunstâncias, exigindo também alguns equilíbrios, que nem sempre são fáceis
ou evidentes. E que necessitam de ser muito bem explicados.
3. O caso da
substituição do presidente do Tribunal de Contas por decisão do
primeiro-ministro é um bom exemplo, mesmo que pela negativa. Percebe-se
perfeitamente que o Governo queira criar as melhores condições legais e
contratuais para uma rápida utilização dos fundos que vão chegar de Bruxelas, de
forma a estancar o mais depressa possível as consequências económicas e sociais
da pandemia. Esta última frase abstracta quer dizer um enorme sofrimento para
muita gente de carne e osso. O Tribunal de Contas emitiu um parecer condenando
o novo sistema com palavras muito duras sobre as portas que abria à corrupção.
Corrupção
tornou-se, entretanto, a palavra da moda, usada a torto e a direito em qualquer
circunstância e sobre qualquer assunto da governação. Sempre que se cai no
exagero ou no facilitismo, o resultado é normalmente o contrário do pretendido.
O primeiro-ministro até pode ter razão. Não foi suficiente transparente e claro
nas explicações, nem as deu atempadamente. Circunstâncias excepcionais exigem
medidas excepcionais. Por isso temos de andar de máscara e não podemos abraçar
os nossos familiares. Mas não dispensam nunca o escrutínio democrático nem os
checks and balances próprios das democracias. Também aqui é preciso encontrar
um equilíbrio que mantenha a confiança das pessoas nas instituições.
No caso vertente,
a lei da contratação pública tinha o apoio de princípio do PSD e estava dentro
dos limites impostos por Bruxelas. O nome escolhido para substituir o
presidente do TC demitido mereceu o consenso do PSD e foi aceite pelo
Presidente da República, o que nos dá alguma garantia de que tem o grau de
competência e de independência necessários. Finalmente, a proposta de lei sobre
contratos públicos vai ser melhorada, com propostas do PSD e do CDS no
Parlamento e com a ameaça de veto do Presidente, caso não seja melhorada. Ou
seja, os checks and balances estão a funcionar razoavelmente.
4. Um outro mal
que atinge quase toda a gente, mesmo a que se comporta de uma forma
responsável, é a pressa. O plano da DGS para o Outono-Inverno chegou atrasado.
O guião para as escolas também. A Cruz Vermelha prometeu 500 mil testes mais
rápidos, mas menos fiáveis, e a DGS ficou em silêncio em vez de agradecer.
Primeiro, estamos a navegar em circunstâncias absolutamente novas e a lidar com
um vírus sobre o qual continua a saber-se muito pouco. Imagino facilmente o
esforço das autoridades de saúde para estabelecer as melhores regras para o
Outono e o Inverno ou as melhores práticas para as escolas.
Mas, a avaliar
pela profusão de comentários e de críticas, há entre nós quem tenha a receita
pronta a aviar no bolso. É caso para dizer que ainda bem que não são eles os
responsáveis. Provavelmente sairia asneira. Bastou ouvir as explicações do
Instituto Ricardo Jorge numa das habituais conferências de imprensa para perceber
que os testes da Cruz Vermelha não eram milagrosos e que era necessário
analisar em que casos e com que efeitos poderiam vir a ser utilizados.
Pormo-nos na pele dos outros é sempre um exercício aconselhável.
5. Uma última
reflexão sobre estes perturbadores tempos em que vivemos e sobre a sua
imprevisibilidade. Até à véspera da eleição de Trump ninguém acreditava que tal
fosse possível. Até à véspera do referendo sobre a saída do Reino Unido da
União Europeia ninguém acreditava que ganhasse o sim. Nos quinze dias seguintes
à queda do Lehman Brothers ninguém acreditava que o coração do sistema
financeiro internacional colapsasse. Até à véspera da falência do BES, a queda
de um grande banco cheio de pergaminhos era impensável. Poderia multiplicar por
cem os exemplos de coisas impensáveis que aconteceram nos tempos recentes.
Todas com um impacte negativo directo e, por vezes, brutal nas vidas de muita
gente. É por isso que me espanta a segurança com que se afirma que o Orçamento
de Estado vai ser aprovado e que o BE e o PCP estão apenas a actuar para a
galeria.
É muito difícil
de imaginar que o Governo possa ir mais além do que já foi. Já tínhamos
percebido que a pandemia era um pormenor que não alterava a lista de exigências
ao Governo. A questão do Novo Banco é paradigmática: o BE não aceita nenhuma
solução. Claro que atacar um banco é sempre popular. Mas é ao Estado – e não ao
BE – que compete manter a estabilidade do sistema financeiro. Qualquer acidente
de percurso poderá ter consequências desastrosas que não é certamente o BE que
tem de enfrentar. De tanto esticar a corda, Catarina Martins dá a ideia de que
só ficará satisfeita quando o Governo adoptar o programa do Bloco. Em
comparação, até o PCP chega a parecer razoável.
Ter a certeza que
este lamentável processo negocial do OE vai acabar bem pode ser manifestamente
exagerado. Dizem os lídimos defensores da democracia que, em democracia, há
sempre alternativa. Pois há. Esquecem-se de acrescentar que pode sempre ser
muito pior. É exactamente o caso. Pode ser tentador para quem aposta na
política de terra queimada. Não é de modo nenhum recomendável para quem sabe
que a democracia é o regime do compromisso e da moderação. Quando isso se
perde, então há sempre um Trump à espera da sua oportunidade.
tp.ocilbup@asuos.ed.aseret


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